Intervenção de João Oliveira na Assembleia de República

"A realidade é bem diferente daquilo que propagandeia o Governo"

Debate da interpelação sobre a grave situação económica e social do País e a política alternativa necessária para solução dos problemas nacionais
(interpelação n.º 14/XII/3.ª)

Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados,
Srs. Membros do Governo:
Para fazerem a sua propaganda eleitoral e o discurso dos sucessos, Governo e maioria respondem aos problemas de milhares de portugueses com indiferença e desvalorizando as gravíssimas dificuldades que atingem as vidas concretas de quem trabalha.
Há trabalhadores com salários em atraso ou a serem despedidos, há empresas a deslocalizarem-se, há declarações de insolvência de portugueses a quem o Governo roubou salários e rendimentos.
Há crianças com deficiência, à espera, há mais de seis meses, pelo pagamento do subsídio de educação especial a que têm direito e há crianças com fome nas escolas.
Há idosos abandonados, sem rendimentos e sem cuidados.
A resposta que o Governo e a maioria deram a estes problemas vividos pelos portugueses foi a do costume: empurrar a responsabilidade pelos problemas para outros e reclamar para si os méritos do trabalho alheio.
Governo e maioria utilizam aquilo que os portugueses mais prezam, os seus anseios e desejos mais profundos, para manipular quem está em dificuldades.
Falam de emprego, de modernização do SNS, de retoma económica, de produção industrial e de exportações, de garantia jovem e de acesso à educação e formação como quem fala de feijoada a alguém que passa fome.
A resposta do Secretário de Estado da Saúde aos problemas dos doentes, que, de resto, acabámos de ouvir, é particularmente ofensiva.
Há doentes sem cuidados de saúde e outros a serem tratados como se estivessem num país em guerra.
Há portugueses a morrer prematuramente por falta de cuidados de saúde, há doentes a quem são colocadas toalhas e sacos do lixo, porque os cortes orçamentais não permitem que haja fraldas em alguns hospitais.
Há doentes a quem são feitos drenos ou garrotes com luvas, porque não há material de uso clínico.
E o Secretário de Estado fala de indicadores estatísticos, de acesso mais fácil a preservativos e ofende os doentes a quem é negado o direito à saúde e a quem continuam a faltar os cuidados a que têm direito.
No final desta interpelação, não podemos deixar de registar que Governo e maioria não se atreveram a desmentir nenhuma das situações que aqui trouxemos, mas não desistem de redizer que o País está melhor do que em 2011 e que estamos no bom caminho.
Governo e maioria querem convencer-nos de que o País está melhor e de que todos devemos estar gratos pelo que fizeram nos últimos três anos.
Querem convencer-nos de que valeu a pena toda a destruição económica e social, todos os dramas individuais e coletivos, todas as desigualdades e injustiças aprofundadas.
Governo e maioria dizem que o País está melhor, dizem que as pessoas é que ainda não sentiram.
Falam de um país que não é feito de pessoas, falam do País dos três grandes grupos económicos que arrecadaram, só em 2013, mais 2000 milhões de euros de lucros ou do País das SGPS, a quem, em 2012, o Governo entregou 1045 milhões em benefícios fiscais escondidos das contas do Estado.
Falam do País que verdadeiramente servem, o País desses grandes interesses que concentraram riqueza à custa dos sacrifícios do povo e da destruição do País nos últimos três anos.
Nesta interpelação, comprovou-se que a realidade é bem diferente daquilo que propagandeia o Governo.
Portugal está hoje pior do que em 2011, quando foi assinado pelas troicas o pacto de agressão, e este Governo e a sua política não estão em condições de resolver os graves problemas nacionais.
Quando assumiram os seus mandatos perante esta Assembleia da República, diziam não querer fazer ajustes de contas com o passado. Hoje, tudo é responsabilidade de quem governou para trás, mas não querem que se lembre quem aprovou três PEC e um Orçamento do Estado ao Governo minoritário de José Sócrates.
Diziam querer resolver o endividamento do País que comprometia o futuro das novas gerações. Hoje, não querem assumir responsabilidade por terem aumentado a dívida em 51 000 milhões.
Diziam não haver dinheiro para manter salários, pensões e prestações sociais, mas sabemos hoje que continuaram a entregar milhares de milhões, em benefícios fiscais e juros, aos agiotas e especuladores.
Roubaram salários, pensões e direitos, dizendo que tudo era temporário. Hoje, é evidente que se preparam para manter o roubo perpetuamente.
Ontem mesmo, o Primeiro-Ministro dizia que Portugal poderá pagar a dívida e respeitar o limite de 60% do PIB, imposto pela União Europeia, desde que o saldo primário seja de 1,8%, a inflação não seja superior a 1% e haja um crescimento real do PIB entre 1,5% e 2%, sem nunca se referir à taxa de juro.
Ora, mesmo admitindo este cenário, na sua versão mais otimista — com um crescimento real de 2% e uma taxa de juro de apenas 3,4% —, a dívida atingiria os 60% do PIB lá para o ano de 2075. Ou Passos Coelho se enganou, ou alguém enganou Passos Coelho, ou Passos Coelho está outra vez a tentar enganar os portugueses.
O que é certo é que a perspetiva que Passos Coelho, este Governo e a maioria têm para dar ao País é a mesma do Presidente da República e dos representantes da troica: a perpetuação dos sacrifícios e dos roubos que foram impostos nos últimos três anos.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Não há solução dos problemas nacionais sem a demissão deste Governo e a derrota destas políticas.
Não há solução dos problemas nacionais sem uma política alternativa, patriótica e de esquerda.
O que o PCP trouxe a esta interpelação foi, por isso, também a afirmação da alternativa que é cada vez mais necessário e urgente construir no nosso País.
Afirmámos a política alternativa que defendemos e demos-lhe expressão concreta nas muitas iniciativas que aqui referenciámos e que iremos trazer à discussão desta Assembleia da República em breve.
Uma política alternativa que assuma como objetivo imediato a rutura com a política de direita que dura há mais de 37 anos neste País, mas que nos últimos três anos sofreu um agravamento e aceleração consideráveis.
Uma política que assuma como eixos fundamentais a defesa e o aumento da produção nacional, recuperando para o Estado o controlo sobre o setor financeiro e sobre outras empresas e setores estratégicos; que assuma a necessidade de valorização efetiva dos salários e pensões, devolvendo salários, pensões e direitos roubados pelo Governo nos últimos três anos; que assuma opções de política orçamental e fiscal que desagravem os impostos sobre os trabalhadores e tributem com justiça os lucros e os dividendos das grandes empresas e do setor financeiro.
Uma política de defesa e recuperação dos serviços públicos.
Uma política que assuma a soberania nacional e afirme o primado dos interesses nacionais, ao contrário do que fizeram este Governo e a troica nacional, quando abriram portas à troica estrangeira e aceitaram as imposições externas que hoje procuram perpetuar.
São eixos centrais de uma política alternativa que não pode passar sem uma medida imediata, assumida como desiderato nacional: a renegociação da dívida!
A renegociação da dívida, recusando o pagamento pelo Estado da sua componente ilegítima, negociando com os credores juros, prazos e montantes que permitam ao País pagar os seus compromissos, sem pôr em causa objetivos de crescimento económico, justiça social e criação de emprego. Esta é a proposta que, há três anos — em 5 de abril de 2011 —, apresentámos ao País e que continuamos a defender como uma medida indispensável para que o País encontre um outro rumo.
Sr.as e Srs. Deputados da maioria e Srs. Membros do Governo, podem continuar a contar que, na Assembleia da República, o PCP não deixará de fazer este combate. Mas podem contar também que, fora destas quatro paredes, será cada vez maior e mais determinado o número daqueles que connosco lutam por esta alternativa de progresso, desenvolvimento e justiça social no nosso País.

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