Intervenção de João Ramos na Assembleia de República

"Na agricultura e no turismo, existe uma dura realidade para além da propaganda"

Debate da interpelação sobre a grave situação económica e social do País e a política alternativa necessária para solução dos problemas nacionais
(interpelação n.º 14/XII/3.ª)

Sr. Presidente,
Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O Governo tem vindo a intensificar a sua campanha de branqueamento da realidade, exaltando os resultados das exportações, mas em setores como os da agricultura ou do turismo existe uma dura realidade para além da propaganda.
As exportações de produtos agrícolas, nas palavras do Governo, demonstram o sucesso das políticas para a agricultura.
No Alentejo, com a construção de Alqueva, instalaram-se grandes grupos económicos, como a Sovena, e multinacionais do agronegócio, como a Syngenta. Aumentou o olival, caminhamos para a autossuficiência em azeite e surgiram outras culturas. Apesar disto, a ACT (Autoridade para as Condições do Trabalho) e outros denunciam constantemente o trabalho não declarado, o tráfico de seres humanos, a escravatura e a exploração laboral, trabalhadores, principalmente imigrantes, a viver em condições sub-humanas e com salários de miséria.
No Douro, as grandes casas exportadoras têm vindo a afirmar-se na produção e não param de comprar quintas para alargar as suas áreas. Aí se produzem dos melhores e mais caros vinhos do mundo. Apesar disto, os trabalhadores são subcontratados por intermediários que os disponibilizam à jorna, a 20/25 € por dia. São angariadores de mão-de-obra descartável. Na maior região vitivinícola do País, os trabalhadores são tratados como as alfaias agrícolas: usam-se e arrumam-se!
Em três anos, existem, em média anual, menos 94 000 empregos na agricultura e nas pescas. O Ministério da Agricultura não diz uma palavra sobre este modelo económico, refere apenas que mantém uma ligação estreita com a ACT, cujos dirigentes alegam falta de condições para desenvolver a sua atividade.
No turismo, classifica-se 2013 como o melhor ano de sempre, com os proveitos globais a ultrapassar os 1900 milhões de euros — um aumento de 6,4%. Paralelamente, agravam-se os salários em atraso, os baixos salários — cujo valor médio rondará os 540 € —, a precariedade e os despedimentos. Há problemas que, no princípio da semana, levaram os trabalhadores a manifestarem-se no Porto. São os salários em atraso nos hotéis do Grupo VIP, os despedimentos coletivos nos casinos da Póvoa e da Figueira, realidade que o Secretário de Estado não nega.
Efetivamente, no setor dos serviços, o custo do trabalho reduziu 5,9% no último ano, apesar de as horas efetivamente trabalhadas por trabalhador terem aumentado 3%.
Podem as empresas do agronegócio e os grandes empresários do turismo estar melhor, mas os pequenos e médios agricultores, as empresas da restauração e principalmente os trabalhadores, aqueles que produzem a riqueza, estão muito pior.
O Governo PSD/CDS diz repudiar este modelo de baixos salários, porque não tem como o justificar, mas nada faz para o alterar. Um modelo de concentração de riqueza que não serve o País e que importa quebrar, desde logo através do aumento dos salários e da promoção da estabilidade laboral.

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