Intervenção de Miguel Tiago na Assembleia de República

Mega agrupamentos, reorganização curricular e despedimentos nas escolas - uma política educativa de desastre

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Debate sobre a situação na escola pública e o novo ano letivo — mega-agrupamento, reorganização curricular e despedimentos nas escolas
Sr.a Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:
Para dizer que «sim» à troica o Governo diz «não» à educação.
Aplicando uma política que materializa uma velha aspiração dos inimigos de Abril, o Governo desfere golpes rudes e profundos contra as fundamentais características da escola pública. De uma escola pública para a democracia passa-se para uma escola pública para o mercado, que esmaga a qualidade, cilindra a igualdade e a inclusão — afinal de contas, uma escola para os interesses do capital e não para o regime democrático —, da formação da cultura integral do indivíduo para a formação estritamente profissional, para quase todos os estudantes.
A revisão da estrutura curricular, ainda não publicada mas ilegalmente já colocada em marcha nas escolas, foi baseada no preceito máximo da destruição de postos de trabalho e na limitação da formação do indivíduo.
Esta dita revisão, com o fim dos desdobramentos em Ciências, a destruição da Educação Visual e Tecnológica, o fim da Educação Tecnológica e a desvalorização da Educação Física, sem qualquer fundamento pedagógico ou científico, conjuga-se com a reorganização da rede escolar; a constituição dos mega-agrupamentos; o aumento do número de alunos por turma; o despacho de organização do ano letivo; o subfinanciamento e encerramento sem qualquer alternativa dos cursos inseridos na Iniciativa Novas Oportunidades; e o objetivo de gerar o maior despedimento coletivo de sempre. São milhares e milhares de horários suprimidos nas escolas, colocando milhares de professores contratados no desemprego e outros tantos milhares em horários zero.
O alargamento dos exames nacionais, a sujeição da abertura de cursos à chamada «empregabilidade», a profunda limitação da ação social escolar, a nova proposta de estatuto do aluno representam as linhas mais retrógradas da política educativa e ilustram bem as opções e posições ideológicas do Governo PSD/CDS.
Uma política orientada para a recriação da escola dual de outros tempos, para a separação cada vez mais marcada entre os estudantes que podem pagar e aqueles que nada têm. Para os primeiros, tudo; para os segundos, nada. Para os filhos dos que podem pagar as explicações privadas, os computadores, os livros, a universidade é o futuro; para os que não comem sequer um pequeno-almoço antes de chegarem às aulas, para esses, quanto muito, um curso minimalista que os prepare rapidamente para um trabalho precário.
A opção do anterior Governo do PS de utilizar o Programa Operacional Potencial Humano (POPH) para desresponsabilizar o Estado em despesas permanentes e centrais da escola pública com professores e técnicos colocados em escolas inseridas nos Territórios Educativos de Intervenção Prioritária (TEIP), o ensino profissional em escolas secundárias, o ensino artístico e o ensino profissional não estatal foi desde sempre criticada e denunciada pelo PCP.
A persistência do atual Governo nessa opção, além de revelar as evidentes consonâncias entre PS, PSD e CDS, empurra para uma situação de pré-ruptura conservatórios regionais, escolas profissionais e empurra milhares para o desemprego.
A falta de pessoal não docente — de técnicos, de psicólogos e de funcionários — é cada vez mais gritante e agravar-se-á profundamente com a constituição dos mega-agrupamentos com 2000 e 3000 estudantes a seu cargo. Não será com o Estatuto do Aluno, o Código Penal ou o autoritarismo que se resolverão os problemas nas escolas, sobretudo se o Governo continuar a estimular as assimetrias sociais e a guetizar os estudantes das camadas mais empobrecidas, deixando os jovens sem qualquer acompanhamento nas escolas, sem um auxiliar de ação educativa presente, sem um psicólogo.
A instabilidade volta às escolas, com professores desmotivados e exaustos intelectual, profissional e emocionalmente. E a escassos meses do arranque de um novo ano letivo, o Governo lança a confusão, aprofunda-a: envia ordens ilegais para as escolas, cria uma cultura de pânico, de indefinição e de expectativa desanimada, sacrificando a qualidade da escola pública.
É certo que as aulas se iniciarão em setembro, que milhares de estudantes rumarão às aulas. A grande questão é se rumarão a uma escola pública, como prevista na Lei de Bases do Sistema Educativo e na Constituição da República Portuguesa, de qualidade e democrática de Abril, ou se rumarão a uma fábrica de assimetrias, a uma linha de montagem de novos precários, de jovens cada vez menos formados — uma escola com menos meios, menos professores, menos funcionários e menos capacidade educativa.
Para travar a destruição da escola pública de qualidade será determinante a mobilização e a luta dos professores pela dignidade profissional, pelo emprego com direitos e pela verdadeira autonomia e democracia nas escolas; dos estudantes pela escola pública gratuita, democrática e de qualidade para todos; dos pais e dos funcionários não docentes, que convergirão em defesa da escola de Abril contra o pacto de agressão da tópica e o Governo PSD/CDS, que aplica com empenho um plano de afundamento e de destruição nacional. Nessa luta, como está hoje neste debate, estará também, combativo e empenhado, o PCP.
(…)
Sr.ª Presidente,
Sr.ª Deputada Inês Teotónio Pereira,
Respondo, em primeiro lugar, à pergunta relativa à autonomia das escolas.
Sr.ª Deputada, para as escolas terem autonomia é necessário haver meios, professores e auxiliares de ação educativa, dotá-las da capacidade necessária para garantir a sua autonomia.
Aquilo a que o Governo chamou autonomia não é mais do que passar a gestão de conflitos, gerada pela revisão da estrutura curricular, para o diretor da escola, que terá de gerir os conflitos que vão surgir entre os professores das diferentes disciplinas, passando a «batata quente» da mão do Governo para a mão das escolas e prejudicando a qualidade. Isso não é autonomia nenhuma, Sr.ª Deputada.
Se querem garantir a autonomia das escolas, garantam, por exemplo, a contratação dos professores e a sua inclusão na carreira, como, aliás, o CDS, quando estava na oposição, dizia que ia fazer!
Garantam que há estabilidade do corpo docente, que há professores nas escolas, que há funcionários, que há psicólogos e que há meios para que cada escola possa decidir sobre o seu projeto educativo e aplicá-lo livre e criativamente!
Sr.ª Deputada, o que se está a fazer é apenas passar a responsabilidade de uma catástrofe pedagógica para o diretor da escola, desonerando o Governo dessa responsabilidade!
Sr.ª Deputada, quanto à pergunta que colocou sobre os exames nacionais, a resposta é muito simples: enquanto, numa escola, houver um estudante que não tenha condições para garantir o sucesso da sua aprendizagem, que pela sua condição socioeconómica não consiga usufruir de tudo quanto outro estudante, numa outra escola, às vezes separada apenas por uma estrada, consegue usufruir; enquanto numa escola não houver sequer um gimnodesportivo e outra escola estiver equipada plenamente com computadores, nada lhe faltando, não será justo exigir a estudantes de uma e de outra escola que respondam exatamente às mesmas perguntas e que isso decida o seu futuro numa hora, ignorando a experiência e o caminho que percorreram.
(…)
Sr. Presidente,
Sr. Ministro,
Não respondeu à pergunta da minha camarada Rita Rato sobre quantos horários zero e quantos professores não vai contratar, quantos professores daqueles que estão hoje nas escolas não verão colocação para o próximo ano letivo, e essa pergunta é-lhe colocada recorrentemente.
Sr. Ministro, gostava de lhe colocar uma questão sobre a indefinição que se vive nas escolas, as dúvidas e incertezas, sobre o conjunto de diplomas e o normativo que supostamente deveriam regular o arranque e o funcionamento do ano letivo, que até agora não estão sequer publicados.
O Sr. Ministro deve estar a preparar, naquela velha tática dos governos, a publicação destes diplomas algures em agosto, ou próximo, altura em que a Assembleia da República nem sequer consegue fazer uma apreciação parlamentar para que tudo se dê como consumado, antes sequer de ser discutido.
Sr. Ministro, para além do despacho de organização do ano letivo, que já publicou, chamo a sua atenção para o facto de diplomas como a revisão curricular ou a definição dos novos mega-agrupamentos serem medidas que não mexem só com a incapacidade de a Assembleia fazer uma apreciação parlamentar, mexem com as escolas e, hoje, a poucas semanas da abertura do próximo ano letivo, os órgãos de gestão da escola não sabem como distribuir o trabalho letivo, não sabem como organizar as disciplinas, e o Sr. Ministro, que está a falar da autonomia das escolas para escolher onde aplicar a carga horária e tudo mais, ainda nem sequer fez publicar o decreto-lei que vai regular a revisão da estrutura curricular.
A não ser que esteja a fazer um apelo explícito ao incumprimento do quadro legal em vigor, que não prevê a carga horária que o Sr. Ministro vem agora aqui anunciar!
Sr. Ministro, aproveito ainda para lhe colocar duas questões, para além das que já coloquei.
Sobre a empregabilidade do ensino superior, este Governo desiste de terminar uma opção estratégica para o futuro e de identificar as áreas onde o País precisa de facto de mão de obra qualificada e diz apenas que, como não há trabalho, fecham-se os cursos. Para quem fala de empreendedorismo, é de facto muito contrastante vir cortar os sonhos dos jovens pura e simplesmente porque não há emprego na área.

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