Intervenção de Ana Pires, Dirigente da CGTP-IN, Sessão Pública «Salário, preço e lucro – Uma questão actual»

A luta dos trabalhadores e o papel dos sindicatos pelo aumento dos salários e contra a exploração

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Camaradas e amigos

A situação dos trabalhadores em Portugal e no mundo, na actualidade, confirma a crise do sistema capitalista e a sua natureza exploradora, opressora, agressiva e predadora.

Constatamos uma nunca antes vista concentração e centralização do capital e da riqueza; uma brutal ofensiva para agravar a exploração e pôr em causa direitos sociais e laborais; o dominio do capital estrangeiro e especulativo sobre a economia e governos; o ataque às liberdades e direitos democráticos; a generalização de ingerências e chantagens; guerra e militarismo.  

Em Portugal, a política de direita de sucessivos governos, tornou o país mais desigual, mais injusto, mais empobrecido. Debatemo-nos com graves problemas estruturais que se agravam a cada dia, situação indissociável da submissão às imposições da UE e crescente transferência de soberania e alienação de instrumentos fundamentais ao desenvolvimento soberano do país.

Hoje, a realidade dos trabalhadores e das suas famílias, num quadro de uma ofensiva prolongada, está marcada por uma forte degradação das condições de vida e de trabalho. Depois do aproveitamento da pandemia, o capital procura usar a guerra e as sanções para acentuar a exploração e o ataque aos trabalhadores, contando com o Governo e a direita que ora passivamente permitem este ataque, ora activamente o intensificam.

Veja-se o nível das desigualdades, a brutal transferência da riqueza produzida pelos trabalhadores para o capital e o consequente empobrecimento de amplas camadas da população. Veja-se ainda como esta situação contrasta com a acumulação de lucros pelas grandes empresas a um ritmo sem precedentes nos últimos anos. 

O violento aumento do custo de vida, com a especulação e o contínuo aumento dos preços dos bens e serviços essenciais, leva os trabalhadores a ter de escolher entre pagar as contas ou pôr comida na mesa, catapultando largos milhares de trabalhadores para a pobreza, mesmo trabalhando a tempo inteiro.

A opção do Governo, de recusa de controlo e redução dos preços dos bens e serviços essenciais e de taxação dos rendimentos do capital, garante a acumulação dos lucros dos grandes grupos económicos e nega o acesso e a satisfação de necessidades básicas a camadas crescentes da população.  

É a crise que não permite aumentar salários, dizem eles. Os patrões não podem aumentar salários porque se o fizerem empresas vão falir. O governo não quer aumentar salários para não alimentar “a espiral inflacionista”. “Há que aumentar a produtividade para depois aumentar os salários”, repetem uns. “Não se pode distribuir o que não existe”, repetem outros.

As gastas teses das "inevitabilidades" e "impossibilidades" caem por terra quando a realidade vivida revela que nunca se produziu tanto em tão pouco tempo, e que não são os direitos, os salários e o seu aumento, que criam dificuldades ao País, pelo contrário.

 

Mas o argumento é sempre a crise do momento. A crise que lhes permite manter ou aumentar o lucro e manter ou baixar os salários. Perguntem a qualquer trabalhador: quando foi que tiveram o patrão a dizer-lhes: este é o momento ideal para aumentar os salários! 

Nunca. Nunca é o momento. Se a economia está a recuperar, é dar-lhe tempo. Se está estagnada ou em queda, é conter, travar e dar-lhe tempo. 

Isto não é crise. Isto não é questão de tempo. Isto é opção de classe, a favor do capital.

Como Marx escreveu e cito: “a subida geral na taxa de salários não resultará ultimamente senão numa queda geral da taxa de lucro”) fim de citação. 

 

Camaradas e amigos,

 

O ataque aos salários é de grande escala. E a ofensiva do capital multiplica-se em várias frentes. Todas no sentido de limitar a acção organizada dos trabalhadores, fragilizar direitos e promover a diminuição das condições de trabalho.

Proclamam o diálogo social, mas o diálogo social caracteriza-se, para o capital e seus seguidores, em procurar limitar a actividade sindical e condicionar a intervenção no interior dos locais de trabalho.

É o diálogo social, com consensos fabricados, que se traduz em retirada de direitos para quem trabalha e benefícios para as grandes empresas; 

Exemplos deste tipo de diálogo social encontram-se em inúmeros acordos entre Governo, organizações patronais e ugt feitos na concertação social, sendo o último, sobre rendimentos, salários e competitividade, um exemplo entre muitos. Um acordo cujo conteúdo serve para conter o aumento dos salários e encher as grandes empresas com apoios e benefícios fiscais de milhões de euros. 

Veja-se também a chamada “agenda para o trabalho digno” que levou a várias alterações à legislação laboral, mas que mantem as normas mais gravosas, permitindo com esta degradação, um cada vez maior desequilíbrio nas relações.

Mantem a norma da caducidade e o bloqueio da contratação colectiva – que serve para acabar com direitos dos trabalhadores, desvalorizar as carreiras, profissões e embaratecer o trabalho, destruir tabelas salariais, procurando pôr todos, a fazer tudo, recebendo um mesmo valor, independentemente da sua experiência, tempo de trabalho, competências ou qualificações; 

Mantem a precarização das relações de trabalho e os consequentes salários baixos, por via dos vínculos e da possibilidade de uso de intermediários atrás dos quais se escondem os verdadeiros utilizadores da força de trabalho, e permite a criação de chamadas novas formas de trabalho, para garantir o aprofundar da velha exploração. Exemplo deste processo de total desregulação do trabalho é o trabalho prestado através de plataformas digitais, caracterizado pela tentativa de total desresponsabilização das empresas sobre os trabalhadores, elevados ritmos de trabalho e desregulação total de horários, com recurso a instrumentos de vigilância electrónica e digital, pondo em causa os direitos e a privacidade dos trabalhadores.

Não reduz o tempo de trabalho e mantém os mecanismos de desregulação dos horários, de aumento da jornada de trabalho sem pagamento, trabalho nocturno, por turnos e laboração contínua, desvalorizando os salários e pondo em causa a vida dos trabalhadores, a sua saúde e a articulação entre a vida pessoal e familiar.

Uma das mais violentas ofensivas que enfrentamos hoje nos locais de trabalho é ao tempo de trabalho e à sua organização. Não é nova. A ânsia do patronato pelo poder completo e total sobre o tempo de trabalho, e a procura de mecanismos que lhes garantam mais riqueza com menos custos, leva à busca de mais refinados processos de exploração.

(veja-se a actualidade do texto de Marx, cito: “O tempo é o espaço do desenvolvimento humano. Um homem que não tem tempo livre de que disponha, cuja vida inteira - afora as interrupções meramente físicas pelo sono, refeições, etc, - esteja absorvida pelo seu trabalho para o capitalista, é menos que uma besta de carga. É uma mera máquina de reproduzir riqueza alheia, derreada no corpo e embrutecida no espirito. E, contudo, toda a história da indústria moderna mostra que o capital, se não for refreado, trabalhará sem descanso e sem compaixão para reduzir toda a classe operária ao estado extremo de degradação.) fim de citação.

 

Camaradas e amigos,

 

Num quadro de complexos obstáculos que se colocam aos trabalhadores e à sua participação, onde se destacam as enormes dificuldades por via do brutal aumento do custo de vida, mas também a violenta ofensiva contra os trabalhadores e os sindicatos, é possível mobilizar para a luta, tanto nos processos reivindicativos como na luta convergente, como se tem demonstrado pelas muitas lutas realizadas e em curso e pela realização de extraordinárias acções convergentes.

 

A persistente e consequente luta dos trabalhadores na defesa dos seus interesses e direitos, na resistência à ofensiva do grande capital e do poder político ao seu serviço nos últimos anos, aí está para confirmar o seu papel determinante. Com a luta foi e é possível aumentar salários, longe dos valores mínimos que tentaram convencer-nos que eram os possíveis. Com a luta foi e é possível reduzir horários de trabalho, rejeitar adaptabilidades e bancos de horas, combater a precariedade e passar ao quadro efectivo milhares de trabalhadores que tinham vínculos precários, fazer respeitar e aplicar os direitos consagrados na contratação colectiva, entre muitos outros avanços. 

 

Tudo isto apesar da massiva ofensiva ideológica, da mentira e propaganda, da legislação laboral, e das instituições que fiscalizar, proteger e garantir os direitos dos trabalhadores mas não o fazem.

 

Quando os trabalhadores se unem, tendo como base as suas justas reivindicações, e compreendem o poder transformador da sua acção colectiva, são uma força imparável.

 

Para isso, o local de trabalho tem uma importância estratégica, pois a unidade dos trabalhadores constrói-se, antes de mais, a partir dos locais de trabalho, tendo como base a identificação de problemas comuns, dos seus interesses de classe, do conteúdo das suas reivindicações. É no local de trabalho que os trabalhadores se confrontam directamente com os patrões, com as injustiças e atropelos dos direitos, e que ganham consciência das dificuldades, seja pelo exercício das suas funções e grau de penosidade e intensidade dos ritmos de trabalho, seja pela precariedade do vínculo e a instabilidade que acarreta, pela desregulação dos horários, ou pelo valor real dos salários que não chega para as suas necessidades.

 

É o local privilegiado para o contacto com os trabalhadores, fundamental para a auscultação dos seus problemas, para o esclarecimento e discussão colectiva, para a sindicalização e eleição dos seus representantes, para a afirmação dos sindicatos, bem como para a ajuda à compreensão do papel dos trabalhadores e da importância da sua unidade, na luta de classes e no combate à exploração.

 

A partir das pequenas lutas, da acção sindical em torno de questões específicas do local de trabalho, da empresa, criam-se dinâmicas que se alargam, e dão o salto para a luta pelas reivindicações gerais, convergentes, por uma ruptura com esta política e por um outro rumo para o país. Estas movimentações, por sua vez, levam confiança e ânimo a outros trabalhadores, que se sindicalizam, se juntam à luta, e transmitem a convicção, pelo exemplo concreto, de que é possível lutar e ir mais longe, mesmo quando as condições objectivas parecem fechar o caminho. 

 

Os trabalhadores estão cada vez mais convictos de que esta realidade que lhes querem impor é possível de alterar, é possível resistir, avançar e conquistar. Sabem que o nível de riqueza produzido hoje permite aumentar os salários de forma significativa, e que é fundamental distribuir a riqueza criada de forma diferente. A resposta a esta reivindicação central permite combater desigualdades, a satisfação de necessidades básicas dos trabalhadores e suas famílias, a dinamização da economia, a criação de emprego, permite fixar no País aqueles que querem cá viver e trabalhar mas que não o conseguem fazer pela precariedade e baixos salários. 

 

Na parte final do seu texto, Marx afirma:

“…a tendência geral da produção capitalista não é para elevar mas para afundar o nível médio dos salários ou de empurrar o valor do trabalho mais ou menos para o seu limite mínimo. Sendo esta a tendência das coisas neste sistema, quererá isto dizer que a classe operária deverá renunciar à sua resistência contra as investidas do capital e abandonar as suas tentativas de tirar o melhor proveito das oportunidades ocasionais para a sua melhoria temporária? Se o fizesse seria degradada a uma massa nivelada de miseráveis domesticados sem salvação” fim de citação, e continua mais à frente, cito: “Cedendo cobardemente no seu conflito de todos os dias com o capital, certamente que se desqualificariam para o empreendimento de qualquer movimento mais amplo.” Fim de citação 

 

Camaradas e amigos,

 

Num tempo em que o capitalismo reforça a sua natureza exploradora, os trabalhadores precisam de mais organização e unidade, mais acção e luta nos locais de trabalho, na construção e defesa das suas reivindicações, no combate ao divisionismos e individualismo. A importância dos sindicatos de classe e dos seus princípios redobram-se, e a importância da assunção de cada um, nos locais de trabalho, sindicalizando-se, reforçando a organização, participando e mobilizando para a luta, é fundamental.  

A luta dos trabalhadores é, como sempre foi, determinante para concretizar avanços laborais, sociais e políticos. A mobilização, o envolvimento e a unidade dos trabalhadores em acções e lutas pelas suas reivindicações concretas e pela melhoria das suas condições de vida e de trabalho, a necessidade de equilibrar as relações laborais, de pôr em confronto classes antagónicas, explorados e exploradores, sempre foram, e continuarão a ser, decisivas para combater a exploração e para retirar ao capital uma fatia cada vez maior da riqueza que os trabalhadores produzem, na senda da transformação social, pelo fim da exploração do homem pelo homem.

Termino com o apelo para que cada um de nós seja parte activa na mobilização para a luta, tanto com a sua participação individual como trazendo outros para a acção e intervenção, podendo fazê-lo já no próximo dia 28 de Junho, no Dia Nacional de Luta convocado pela CGTP-IN, em todos os sectores e em todo o País, com greves, paralisações e concentrações nos locais de trabalho e empresas, com expressão de rua, sob o lema “Aumentar salários | Garantir direitos | Contra o aumento do custo e vida – Pelo direito à saúde e à habitação”.

Lá nos encontraremos.

Viva a luta dos trabalhadores.

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