Intervenção de Honório Novo na Assembleia de República

Lei de enquadramento orçamental

Procede à quinta alteração à Lei de enquadramento orçamental, aprovada pela Lei n.º 91/2001,
de 20 de Agosto
(proposta de lei n.º 47/XI/2ª)

Sr. Presidente,
Sr. Ministro de Estado e das Finanças,
Começo por me referir, naturalmente, aos parabéns dirigidos pela Deputada Jamila Madeira ao Governo pela colocação da dívida soberana no mercado e fazendo três comentários.
Primeiro: com juros de 6,72% não há, de facto, nenhum especulador no mercado que não compre dívidas soberanas, sejam elas de Portugal ou de outro país qualquer!!…
Segundo: o problema não é quem compra e quem vende! O problema é como é que o País vai pagar os juros e, sobretudo, quem é que, no País, vai pagar esses juros!!…
Terceiro comentário: interrogo-me sobre porque é que a Sr.ª Deputada e o Sr. Ministro não exultaram com a perspectiva do Banco de Portugal, que prevê, para este ano, uma recessão de 1,3 e uma perda de emprego muito maior do que o dobro daquela que o Governo previu no Orçamento deste ano…!
Bom!, mas acabemos com a girândola de foguetes da Sr.ª Deputada Jamila Madeira e do Sr. Ministro das Finanças — que talvez não tenha razão para a fazer… — e voltemo-nos para o debate da proposta de lei n.º 47/XI (2.ª).
No início do debate, o Deputado Duarte Pacheco e eu próprio fizemos uma interpelação que colocou bem a nu como esta proposta chega a esta Casa sem ter colhido os pareceres prévios, como deveria ter colhido, da Associação Nacional de Municípios Portugueses e das Regiões Autónomas, sobre matéria que lhes diz respeito, e de uma forma muito importante.
Mas, diz o Governo, esta proposta de lei quer estruturar o Orçamento do Estado na base da programação plurianual. Até aqui, e se fosse só isto, era, de facto, uma boa ideia, mas diz também o Governo que esta alteração procura aumentar a transparência e permitir uma melhor avaliação sobre a execução orçamental — diz o Governo, mas não é verdade! Isto já não é verdade, isto é falso! O Governo quer acabar com o Mapa XV, o do PIDDAC, o Governo quer que o País deixe de conhecer, com precisão, o investimento público na saúde, na educação, na segurança social, na infra-estruturação do País!… O Governo quer que o Orçamento do Estado por programas, com despesas plurianuais, passe a integrar tudo, isto é, despesas de investimento e despesas de funcionamento, tudo no mesmo molho, e que, naturalmente, não se possa fazer uma distinção completa — insisto, Sr. Ministro! —, uma distinção completa entre o que é investimento e o que é funcionamento!!
Disse o Governo ontem, nesta Casa, que não, que há os mapas com a classificação económica, etc. Mas isto não é suficiente! Isto é falso! Isto nada acrescenta à transparência!
Se o Governo diz que não quer esconder o investimento público na programação plurianual, tem de se comprometer por escrito, na lei, e não apenas por palavras, Sr. Ministro — é porque fartos de palavras estamos nós! —, a distinguir, na programação plurianual e nas diferentes medidas, o que é despesa de investimento e o que é despesa de funcionamento. O Governo quer transparência ou quer esconder, de facto, o investimento? Está ou não o Governo disposto e disponível para garantir, na lei, esta distinção entre programas?!
(…)
Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados,
Sr. Ministro,
Hoje parece não estarde muito bom humor. Julgo que mesmo as notícias da colocação da dívida soberana não fizeram alterar o seu humor. Provavelmente, é porque, ao lado dessas boas notícias, ainda está a pensar nas previsões do Banco de Portugal e do aumento do desemprego em Portugal.
Sr. Ministro, não deve ter ouvido, ou ouviu mal, as minhas questões. Falei, de facto, no Mapa XV, mas falei sobretudo na distinção de investimento público em saúde, em educação, em segurança social, em infraI estruturação do País e do conjunto das despesas dos programas e das medidas plurianuais. Há que fazer essa distinção.
Desafiei-o a distinguir claramente, a fazer a discriminação e a desagregação das verbas nos programas. E respondeu-me como? Com as contas! Ó Sr. Ministro, concluo também de forma clara: o Governo está, ou parece estar, a menos que dê provas em sentido contrário, interessado em esconder o investimento público tanto quanto puder esconder. Esta é a verdade!
Sr. Ministro, esta proposta de lei é muito mais do que apenas uma estruturação, em programas plurianuais, do Orçamento do Estado. Esta proposta de lei verte na lei o conjunto de imposições a que a União Europeia, com o acordo deste Governo, quer obrigar este Parlamento e este País. Estas imposições traduzem-se, na prática — vou falar para o Governo mas também para a Sr.ª Deputada Teresa Venda —, em remeter também para Bruxelas, juntamente com as actualizações anuais (actualizações, Sr.ª Deputada!) do Programa de Estabilidade e Crescimento, os projectos das actualizações anuais (ouviu, Sr.ª Deputada?) do quadro
plurianual de programação orçamental.
Estas actualizações anuais da programação orçamental serão, portanto, remetidas para Bruxelas em Abril/Maio de cada ano. Na altura, serão apenas debatidas no Parlamento, não serão votadas. Serão depois observadas, analisadas e, eventualmente, corrigidas em Bruxelas, recebendo ou não o ok do directório francoalemão.
É o que está na proposta de lei.
Só depois de corrigidas ou confirmadas por entidades externas ao País serão votadas, juntamente com a lei do Orçamento do Estado seguinte às actualizações. É exactamente isto que está proposto.
Ontem, coloquei a seguinte questão ao Sr. Ministro, que não respondeu porque não pode responder: «Confirma que será assim com as actualizações do quadro plurianual de despesas?». Respondeu nem «sim» nem «sopas», silêncio.
Naturalmente, podemos concluir que o Governo quer impor a este Parlamento a sua versão das suas competências orçamentais plenas. Se assim for, se assim se confirmar, se isso não for alterado em sede de especialidade — e suponho que não será porque, quanto a isto, o bloco central, alargado ao CDS, está de acordo, apesar das «cobras e lagartos» que o CDS disse, em 2004, sobre uma solução exactamente deste tipo, já então proposta pelo PS (agora esquecem-se, mas vão, se calhar, estar de acordo) —, estarão a subverter-se as competências do Parlamento português ao arrepio da Constituição, nomeadamente dos artigos 161.º a 164.º.
Esperemos que, por uma vez, o Presidente/candidato Cavaco Silva não apadrinhe esta solução.
Esta proposta de lei, porém, é bem mais perversa do que apenas o que eu disse — e já era muito se fosse isto apenas! Esta proposta de lei visa aumentar a opacidade em vez de, como anuncia, promover a transparência; visa escamotear a percepção rigorosa, como disse, do investimento público nos diversos sectores da administração central. A menos que demonstrem o contrário, a menos que estejam disponíveis para fazer o contrário na especialidade, é isto que diz.
Visa também governamentalizar o debate orçamental, impondo condicionamentos e imposições à apresentação de propostas de alteração orçamental, por exemplo em matéria de benefícios fiscais, o que, como já aqui foi referido, e bem, faria com que o governo passasse a ser a única entidade em condições de facto de apresentar alterações em certas matérias no debate do Orçamento do Estado, o que parece ser, de novo, e mais uma vez, completamente inconstitucional.
Visa transformar em definitivas as consignações das receitas criadas por lei ordinária.
Visa ainda criar uma comissão de peritos, o chamado conselho de finanças públicas, que toda esta Câmara, com excepção do PS, é verdade, em 2004, acusou de ser um factor de condicionamento do debate orçamental e de limitação às balizas do pensamento único e das orientações do Pacto de Estabilidade e Crescimento.
Estas propostas não parecem, assim, ser uma proposta de lei, parecem antes ser uma proposta de subversão da lei democrática que dá voz a este Parlamento.

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