Declaração de Jerónimo de Sousa, Secretário-geral do PCP, Conferência de Imprensa

A grave situação do país resulta do incumprimento da Constituição

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1 – É num quadro marcado por uma profunda e grave crise económica e social e por um violentíssimo ataque aos direitos dos trabalhadores e do Povo português em resultado de um recente entendimento entre PS e PSD que, por iniciativa do PSD, está anunciado para breve o início de mais um processo de revisão constitucional.

Uma grave situação do país – crise, desemprego, injustiças, dependência, corrupção – que resulta, não do quadro democrático e constitucional aprovado em 1976, mas antes, de uma política marcada pelo sistemático incumprimento e confronto com os princípios e com os direitos, liberdades e garantias consagrados na Constituição da República.

Portugal não tem nenhum problema com a Constituição, e o Povo português sabe isso. A grave situação em que o país se encontra resulta sim da sua violação e incumprimento.
A situação a que o nosso país chegou é resultado de mais de três décadas de políticas e opções governativas que contrariam o espírito e a letra da Constituição, tanto no domínio económico, como social e cultural.

Para o PCP, a saída da crise não passa pela ruptura com a Lei Fundamental, mas por uma ruptura com a política de direita, pelo cumprimento da Constituição da República.

No momento em que o PSD decide abrir mais um capítulo da sua ofensiva contra a Constituição, o PCP reafirma a sua convicção de que a abertura de um processo de revisão constitucional no momento actual não constitui, nem uma prioridade, nem uma necessidade.

2- Este anúncio do PSD, em si mesmo, nem seria novidade, tendo em conta que o ataque do PSD à Constituição é tão antigo como a própria Constituição. Na verdade, o PSD votou a Constituição em 1976, mas nunca concordou com ela. Tentou submetê-la a referendo ainda antes de aprovada. Em 1980, tentou forçar um golpe de Estado constitucional para a afastar. Usou sempre os processos de revisão constitucional para propor a destruição de princípios e valores fundamentais em que assenta o regime democrático constitucional consagrado em 1976.

O equilíbrio constitucional de poderes entre órgãos de soberania, a coexistência entre os sectores público, privado e cooperativo da economia, a consagração de direitos sociais fundamentais dos trabalhadores e dos cidadãos em geral, estiveram sempre sob o fogo cerrado do PSD. Em nome de uma suposta “limpeza” ideológica da Constituição, o que o PSD sempre pretendeu foi impor um modelo constitucional de sinal ideológico contrário ao dos valores de Abril, onde os únicos direitos legítimos seriam os do capital, e onde os direitos dos cidadãos ao trabalho, à segurança no emprego, à educação, à saúde, à segurança social ou à cultura não teriam qualquer garantia constitucional.

3 – Os aspectos que foram publicitados do projecto de revisão constitucional do PSD representam uma grave afronta ao regime democrático-constitucional e apontam claramente para o desmantelamento do conteúdo progressista e democrático consagrado em 1976 e que se mantém na Constituição apesar das sete revisões realizadas.

No plano social, o PSD não esconde os seus propósitos de constitucionalizar a arbitrariedade dos despedimentos, ao eliminar a proibição dos despedimentos sem justa causa, e de eliminar os princípios de universalidade e tendencial gratuitidade no acesso à saúde e à educação. Se tais propostas fizessem vencimento, estaríamos perante um retrocesso civilizacional sem precedentes.

Sem prejuízo de um balanço crítico global que será feito a seu tempo, quando for conhecido o projecto concreto de revisão constitucional do PSD, e sem deixar de assinalar que no plano político, as propostas que já são conhecidas apontam para incongruências e para a criação de desequilíbrios na relação de poderes entre órgãos de soberania, tudo indica que o objectivo estratégico do PSD é dar cobertura constitucional à política de direita, à liquidação dos direitos dos trabalhadores e das funções sociais do Estado, que os sucessivos governos do PS, PSD e CDS têm concretizado.

4 – O PCP chama a atenção para a manobra de ilusionismo político – na sequência de outras crispações públicas que visam esconder negociações privadas – que PS e PSD pretendem levar a cabo, procurando dar a ideia de que, entre os projectos políticos do PSD e a prática do Governo do PS existem diferenças fundamentais e insanáveis.

Na verdade, a prossecução dos eixos estruturantes das políticas do actual Governo, a começar pelo famigerado Programa de Estabilidade e Crescimento, com o seu rasto de ataques ao “Estado Social” que o PS diz querer defender, só é possível graças ao apoio do PSD, e constitui em si mesmo, um exemplo de opções políticas que vão no mesmo sentido que este projecto de revisão constitucional.

As divergências agora exibidas entre o PSD e o PS tendo como pano de fundo o projecto liquidacionista de revisão constitucional do PSD, não podem esconder as reais convergências que se têm estabelecido entre ambos para impor sacrifícios injustos ao povo português e para realizar políticas que contrariam na prática princípios fundamentais consagrados na Constituição.

Uma convergência que pode ser também confirmada pelo facto de todos os processos de revisão ordinária da Constituição terem começado com a afirmação de grandes divergências entre o PS e o PSD, para redundarem afinal na celebração de acordos de revisão entre ambos, à margem da Assembleia da República – como aliás recordou ontem o secretário-geral do PSD - através dos quais, muitos dos objectivos de descaracterização constitucional visados pelo PSD foram atingidos.No histórico dos processos de revisão constitucional o PSD sempre exigiu tudo para conseguir muito. O PS deu sempre muito afirmando que não cede em tudo!

5 – A defesa dos valores fundamentais e o cumprimento da Constituição da República assumem uma importância decisiva para o presente e para o futuro da democracia portuguesa. O PCP estará na primeira linha de defesa da Constituição e não permitirá que o processo de revisão constitucional – por mais graves e perigosas que sejam algumas das suas propostas - seja uma cortina de fumo para afastar os portugueses da luta contra as injustiças sociais e contra as políticas do Governo PS que, com o apoio activo do PSD, aprofundam as injustiças sociais, aumentam o desemprego e a precariedade laboral, e agravam as condições de vida dos trabalhadores e das camadas sociais mais desfavorecidas.

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