Intervenção de

Finanças Locais - Intervenção de Abílio Fernandes na AR

Lei das Finanças Locais

 

Senhor Presidente,
Sr. Ministro de Estado e da Administração Interna,

Gabo-lhe o esforço de justificar o que é injustificável. E é injustificável porque a proposta de lei que o Sr. Ministro aqui nos apresentou é, de facto, uma lei contida noutra lei, sendo uma lei provisória para os primeiros anos e que mereceu da parte do Sr. Ministro todo um esforço para demonstrar que as autarquias não vão perder financiamento em 2007. No entanto, para já, vão perder o valor correspondente à inflação.

E depois do período provisório - o Sr. Ministro sabe-o e hoje todo o País está a sabê-lo -, mais de metade das autarquias portuguesas vão ter dificuldades de sobrevivência financeira.

 

Ora, todos sabemos a contribuição que as autarquias dão ao desenvolvimento do País, a dinâmica que é instalada através dos municípios e o esforço que fazem de manutenção do mercado interno.

A minha pergunta, Sr. Ministro, é esta: com esta baixa de dinâmica nacional a partir da redução da capacidade dos municípios, depois do período provisório, como é que o Governo pensa poder suprir esta grande falha, esta grande baixa? Se é que não vai limitar-se a deixar o barco andar e o País afundar-se...

(...)

Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados:

O projecto de lei n.º 312/X, do Partido Comunista Português, é um contributo importante para a estabilidade do País e factor determinante para o seu desenvolvimento.

Não podemos, por isso, aceitar de forma alguma a proposta de lei n.º 92/X, que não respeita a autonomia do poder local, a justa repartição dos recursos públicos pelo Estado e pelas autarquias e a necessária correcção de desigualdades entre autarquias do mesmo grau, princípios basilares consagrados na Constituição da República Portuguesa.

Nem podemos aceitar esta proposta do Governo pelas consequências desastrosas na vida dos cidadãos, no seu direito a uma vida local com funções urbanas de qualidade e no desenvolvimento geral do País.

O ataque dirigido contra o poder local e a sua autonomia financeira é, de há muito, suportado numa intensa ofensiva ideológica destinada a distorcer o enquadramento político e constitucional do regime de finanças locais. A esta ofensiva são caras duas ideias: a de que as transferências para as autarquias seriam um encargo pesado para o Estado e a de que essas transferências resultariam de um gesto de boa vontade do Estado que a cada momento ou ciclo de uma dada lei de finanças locais este entenderia atribuir.

É neste contexto que o Partido Comunista Português apresenta o projecto de lei n.º 312/X, de alterações à actual Lei n.º 42/98, de 6 de Janeiro.

A Lei n.º 42/98, em vigor, apresenta sem dúvida aspectos e disposições a carecerem de correcção, sejam os que se revelam necessários desde a sua elaboração, como na altura o Partido Comunista Português sublinhou, quer os que decorrem da sua aplicação e alterações na vida do poder local entretanto ocorridas. O que não é expectável nem legítimo é que, em nome dessas alterações, se procure não o seu aperfeiçoamento numa perspectiva de reforço da autonomia das autarquias mas, sim, a consagração de alguns objectivos que o desrespeito pela aplicação da presente lei foi procurando impor como factos consumados.

É imperioso concluir que uma revisão da Lei das Finanças Locais não deve persistir nos mesmos erros mas assumir a sua correcção e inversão. É nesse sentido que o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português toma a presente iniciativa legislativa, assente em três objectivos essenciais: reforço efectivo da capacidade financeira das autarquias; defesa da garantia de estabilidade e aplicabilidade e assunção, enquanto instrumento de reforço, da coesão nacional

É necessário reforçar a capacidade financeira das autarquias tendo em conta o aumento substancial das responsabilidades que recaem actualmente sobre elas.

As novas competências que foram transferidas da administração central para as autarquias sem os correspondentes meios financeiros e as responsabilidades que as autarquias têm de assumir para satisfazer o novo patamar de necessidades decorrentes da qualidade actual da vida urbana implicam maiores exigências e traduzem-se na necessidade de melhorar as infra-estruturas básicas, as infra-estruturas da nova geração, os equipamentos sociais, culturais e ambientais, o apoio às colectividades, a melhoria da fiscalização urbanística e de obras, as infra-estruturas do ensino, as infra-estruturas do turismo e muitas outras.

Cabe às autarquias, e só a elas, responder a estas imperiosas e justificadas necessidades da população. Os meios financeiros necessários não põem em causa o equilíbrio das contas públicas, como demonstra a experiência de tantos anos de vida do poder local democrático e o nível global de despesas que envolve. Não é aceitável que o Governo coloque as autarquias como bode expiatório do desequilíbrio das finanças públicas, pois elas cumprem necessidades imperiosas e alguns casos pontuais de desregramento não podem ser utilizados por ninguém como paradigma do comportamento da generalidade das autarquias portuguesas.

Sublinhe-se que uma efectiva, integral, justa e necessária reposição da capacidade financeira das autarquias para os níveis da primeira Lei de Finanças Locais, a Lei n.º 1/79, que em 1980 foi de 2,26% do produto interno bruto, na actual Lei n.º 42/98, em vez dos 33% da média aritmética simples dos impostos tidos para o cálculo, atingiria cerca de 42%.

O referencial proposto pelo Partido Comunista Português de 37%, para uma participação de 33,5% para os municípios e 3,5% para as freguesias, corresponde a uma ligeira recuperação da capacidade financeira das autarquias e deve constituir, sobretudo, um sinal de vontade política e de inversão da actual situação.

O montante a transferir, de 2790 milhões de euros (menos de 2% do produto interno bruto previsto para 2007), corresponde a um aumento de 295 milhões de euros, 220 milhões para os municípios e 75 milhões para as freguesias.

Prevenindo demagógicas acusações de «irrealismo», aqui se recorda que a verba adicional proposta para os municípios corresponde praticamente à de 200 milhões de euros que o Governo havia reservado no Orçamento do Estado deste ano para uma distribuição discricionária na base de contratos-programa - um verdadeiro «saco azul» ao bom estilo do passado.

É necessário garantir a estabilidade do poder local e a aplicabilidade da lei, uma estabilidade garantida pela assunção da Lei de Finanças Locais como lei de valor reforçado que defenda assim de decisões de conjuntura.

Assegurar o princípio da estabilidade e aplicabilidade ao regime financeiro do poder local é condição para se assegurar o conhecimento prévio dos recursos indispensáveis a uma gestão planificada e para conferir dignidade ao novo regime.

A Lei das Finanças Locais deve constituir instrumento de coesão nacional e evitar que as assimetrias regionais possam agravar-se com um regime de financiamento assente no crescimento da fiscalidade local.

Propõe-se a correcção de alguns indicadores e critérios de distribuição capazes de acentuar o seu carácter redistributivo, nomeadamente com a introdução do índice de constrangimento económico em vez do índice de desigualdade de oportunidades.

Os municípios beneficiários do fundo de coesão não devem ser parte contribuinte para efeitos de compensação dos municípios não abrangidos por este fundo.

Os montantes necessários para assegurar o carácter redistributivo da lei deverão ser suportados pelo Orçamento do Estado, obviando assim às debilidades apresentadas pela Lei n.º 42/98.

Relativamente às freguesias, o projecto de lei do PCP visa fixar um valor que melhor corresponda à indispensável afirmação destas autarquias no quadro da administração local, consagrando a sua participação em 3,5%, contra os 2,5% actuais, da média aritmética simples da receita proveniente do IRS, IRC e IVA, assegurar um limite mínimo a receber pelas autarquias, que se fixa num valor equivalente a 80 salários mínimos nacionais, e estabelecer um regime de crédito de médio e longo prazo para as freguesias.

O projecto de lei do Partido Comunista Português visa também a apresentação de uma nova estrutura de taxas e tarifas mais clara, correcta e abrangente, sistematizando os conceitos no sentido de uma mais clara distinção entre taxa, tarifa e preço.

Estamos convencidos que este projecto de lei do Partido Comunista Português deve merecer de todas as bancadas deste Parlamento a melhor atenção não só porque não agrava as contas públicas como contribui decisivamente para a melhoria das condições de vida dos portugueses.

(...)

Sr. Presidente,
Sr. Deputado José Paulo Carvalho,

Muito obrigado pela questão que colocou. Este agradecimento não é formal porque me proporciona fazer o seguinte comentário: o Partido Comunista Português apresentou um projecto de lei e o CDS, que não fez qualquer proposta, vem agora dizer que o PCP apresenta um projecto de lei que é uma minudência!

Repare que o projecto de lei do PCP não é nenhuma minudência porque todos nos recordamos que, no poder local, as leis portuguesas, ao longo dos anos, sofreram diversas vicissitudes.

Houve um período de estabilidade, com a primeira lei, a Lei n.º 1/78; depois deu-se a abertura total, fase em que o Orçamento decidia, em cada ano, as receitas das autarquias; surgiu depois a lei que regulava as relações com o IVA, com base na qual os governos faziam uma previsão inferior à realidade; finalmente, foi publicada a Lei n.º 42/98, de 6 de Agosto. Ora, é importante que todos reparemos que esta lei veio trazer estabilidade às relações entre o poder central e o poder local e à vida das autarquias.

Portanto, neste momento, perante as dificuldades do País, o Governo apresentou uma proposta de transformação completa e radical, reduzindo o poder local à sua ínfima espécie, e o Partido Comunista Português traz aqui uma proposta válida e profunda no sentido de aproveitar o que a Lei n.º 42/98 tem de bom, nomeadamente a estabilidade, introduzindo as correcções e as melhorias necessárias para que o poder local se torne estável e se desenvolva mais.

 

 

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