Intervenção de Jerónimo de Sousa na Assembleia de República

Este Governo está, de facto, a praticar uma política profundamente injusta

Sr. Presidente,

Sr. Primeiro-Ministro,

Voltando aos combustíveis, gostaria de lhe colocar algumas questões.

Estamos há semanas à espera de um relatório de uma entidade que devia, tal como o Governo, fazer um acompanhamento diário do sector. A primeira pergunta é a de saber se é preciso tanto tempo para se conhecer o que era obrigação saber-se diariamente.

Depois, gostaria que explicasse - pode delegar no Sr. Ministro da Economia - aquela questão colocada pelo Sr. Ministro quando diz, mesmo antes do tal relatório que o Governo solicitou, que não vai intervir no preço dos combustíveis. É caso para perguntar: se não querem fazer nada, para que é que pediram o relatório?

Deixo-lhe a questão: se houver especulação, e nós pensamos que sim, o Governo não vai intervir?

(...)

Pois, eu já percebi. Só não percebi porque é que o Sr. Ministro da Economia fez a declaração que fez. Porque, em relação às questões da concorrência, se isto tiver a ver com a especulação, obviamente tem a ver com os preços, a exigir, com certeza, intervenção.

Já tivemos a resposta: não há intervenção por parte do Governo!

Mas, independentemente disso, Sr. Primeiro-Ministro, temos hoje uma situação excepcionalmente inquietante em relação ao preço dos combustíveis e uma situação excepcional deveria obrigar a medidas excepcionais. Não podemos continuar a assistir à destruição dos nossos sectores produtivos nem continuar a transferir para as populações o peso dos aumentos do preço dos bens alimentares que resultam do aumento do preço dos combustíveis.

A situação é, de facto, dramática, designadamente, no sector das pescas e no sector da agricultura.

Pensamos que é inadiável, tal como está a acontecer em França e em Espanha, um reforço da ajuda para o gasóleo verde.

Dou-lhe um exemplo: quando entrou para o Governo, o preço do gasóleo para as pescas era 30 cêntimos.

Hoje, passados três anos, está a 83 cêntimos, com todas as consequências que isto tem.

Em França, por exemplo, são 70 cêntimos e o sector das pescas reivindica 40 cêntimos.

Nesse sentido, pensamos que, para uma situação excepcional, são necessárias medidas excepcionais, independentemente das questões de fundo.

O Governo anunciou também a criação do gasóleo profissional, a partir de Julho, para o transporte colectivo de passageiros. Nós estamos de acordo, mas não podemos ficar por aqui. É preciso alargar esta medida aos taxistas, às pequenas empresas de transporte de mercadorias, já, no imediato.

Sr. Primeiro-Ministro, diz o Sr. Ministro da Agricultura que aquilo que é preciso são reformas estruturantes, medidas estruturantes. Mas olhe, Sr. Primeiro-Ministro, que, tal como alguém que necessita ser operado com urgência, precisa de oxigénio!

A questão de fundo que se coloca, quando apelamos ao carácter excepcional de medidas excepcionais, exige a defesa dos nossos sectores produtivos. Vai continuar a adiar estas medidas inadiáveis?

(...)

Sr. Presidente e Sr. Primeiro-Ministro,

A proposta que fez de facilitação do crédito, particularmente para as pescas e para a agricultura, é a de não perceber que as pessoas já estão com o «garrote no pescoço» e que aquilo que lhes oferece é mais «garrote», porque as pessoas não podem endividar-se mais, Sr. Primeiro-Ministro!

Mas, em relação à ajuda social, fico profundamente inquieto pelo facto de o Primeiro-Ministro de um Governo da República não ter a percepção da realidade nacional, em termos de situação social que, hoje, existe no nosso país.

Em relação a essa ajuda, quero dizer-lhe o seguinte...

Sim. A essa ajuda que o senhor aqui referiu.

Sabe qual é o problema? É que o senhor tem vindo a tirar nos salários, nas reformas, nos pequenos rendimentos, para dar umas migalhas aos pobres. Os pobres continuam pobres, os menos pobres passam a sê-lo. É que o senhor não reparte a riqueza produzida.

O senhor reparte a pobreza entre os pobres e aqueles que pouco têm. Esse é que é o problema!

Por isso, em Portugal, hoje, se empobrece a trabalhar.

Um terço das pessoas com vínculos precários, no desemprego, com salários baixos pertence a esse rol dos pobres. Por isso, um terço dos pobres em Portugal é reformado, com pensões de miséria. Hoje, já se ouve muita voz preocupada com a pobreza. Ora, a pobreza combate-se, designadamente com a necessidade da revalorização dos salários e das pensões.

Enganou-se no nível da inflação - é verdade. Afinal, o nível de inflação previsto não é de 2,1% mas de 2,6%. Vamos ver o que é que acontece. Mas os salários e as reformas foram nivelados pelos 2,1%, que, hoje, estão claramente ultrapassados. Com o aumento de custo de vida, não acha, Sr. Primeiro-Ministro, que uma medida social de fundo seria a da revalorização das pensões e dos salários? Se não o fizer, a pobreza em Portugal continuará a aumentar.

(...)

Com toda a minha capacidade de síntese, Sr. Presidente, gostaria de perguntar ao Sr. Primeiro-Ministro se sabe porque é que o seu discurso soa a falso.

Em primeiro lugar, porque se confronta com a realidade e, em segundo lugar, porque nunca referiu aqui um elemento, ou seja, falou nos tais milhões de euros mas nunca disse a razão por que as grandes fortunas aumentaram 36%, e continuam intocáveis na sociedade portuguesa.

Isso demonstra a opção de classe que o seu Governo tomou, prejudicando quem trabalha, as reformas e as pensões, os rendimentos dos pequenos e médios empresários.

Fale das medidas que tomou em relação à especulação bolsista, em relação aos lucros gananciosos, em relação aos dividendos dos administradores das grandes empresas.

Responda, Sr. Primeiro-Ministro, para demonstrar que este Governo está, de facto, a praticar uma política profundamente injusta. Mas, porque não vê essa realidade, mais cedo do que tarde há-de vê-la da pior forma!

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