Projecto de Lei N.º 805/XV/1.ª

Estabelece medidas de reforço da investigação criminal e da jurisdição penal como prioridades da política criminal

Exposição de motivos

Sendo certo que são múltiplas as dificuldades e carências a exigir solução para que os objetivos da política criminal possam ser plenamente atingidos, a verdade é que a carência de meios humanos é uma das que maior obstáculo constitui à eficácia da investigação criminal e da ação penal e à realização da Justiça.

Essas carências são particularmente visíveis e sentidas quanto à Polícia Judiciária, aos funcionários de justiça e aos gabinetes de apoio, assessoria e consultadoria técnica aos Magistrados Judiciais e do Ministério Público, com incontornáveis consequências negativas na capacidade de ação da Justiça. Razões pelas quais a consideração de medidas que permitam ultrapassar tais carências se afigura como verdadeira prioridade, com especial evidência face aos fenómenos da criminalidade económica e financeira e da corrupção.

É nesse sentido que o PCP apresenta a presente proposta relativa ao reforço dos meios humanos da Polícia Judiciária, dos funcionários de justiça e dos gabinetes de apoio, assessoria e consultadoria técnica aos Magistrados Judiciais e do Ministério Público.

A Polícia Judiciária assume um papel fundamental e insubstituível no combate à criminalidade mais grave, complexa e organizada. No conjunto de dificuldades que a Polícia Judiciária tem enfrentado a redução dos seus meios humanos e o seu correspondente envelhecimento global são certamente dois dos que maior preocupação geram. O quadro de funcionários previsto no início do século apontava para perto de dois mil inspetores, mas em 2020 eram já menos de mil e com uma média de idades superior a 50 anos.

O grau de complexidade, organização e sofisticação da criminalidade mais grave, bem como o alarme social criado pela criminalidade mais violenta, exigem uma Polícia Judiciária que alie à competência que lhe é reconhecida os meios humanos, materiais e financeiros compatíveis com a prossecução das suas missões. Esta é uma responsabilidade a que o poder político não se pode eximir.

Além disso, importa resolver o grave problema da demora nas perícias decorrente da falta de pessoal especializado, que faz com muitas perícias não sejam concluídas antes do julgamento ou sejam realizadas por peritos privados com custos elevados para o Estado e sem a garantia absoluta de qualidade.

O recrutamento de peritos financeiros, de especialistas de polícia científica e de pessoal de segurança, cujo número atual é manifestamente exíguo, é um dever indeclinável do Estado na sua função primordial de garantir um combate eficaz à criminalidade mais grave.

Por outro lado, também a carência de funcionários de justiça tem vindo a tornar-se um problema verdadeiramente bloqueador da realização da Justiça, com impactos em todas as áreas da Justiça e atingindo quer as secretarias dos tribunais quer os serviços do Ministério Público.

Além das dificuldades objetivas existentes hoje no funcionamento dos tribunais e do Ministério Público em consequência da carência de funcionários de justiça, também os problemas do envelhecimento global destes profissionais, a falta de renovação dos quadros, os desequilíbrios geracionais, as situações de abandono da profissão são elementos de grande preocupação quanto às perspetivas de evolução futura.

Sendo certo que é essencial a valorização das carreiras e das condições de trabalho destes profissionais, das suas remunerações e condições de progressão e promoção, é absolutamente urgente a admissão de funcionários de justiça para que o problema possa ser atacado e se possa começar a inverter uma realidade que em muitas situações é já dramática.

Por último, também quanto aos gabinetes de apoio, assessoria e consultadoria técnica aos Magistrados Judiciais e do Ministério Público é urgente tomar medidas de forma a garantir a sua dotação com profissionais em número adequado.

O artigo 35.º da Lei de Organização do Sistema Judiciário dispõe que cada comarca, ou conjunto de comarcas, pode ser dotada de gabinetes de apoio destinados a prestar assessoria e consultadoria técnica aos presidentes dos tribunais e aos magistrados judiciais e do Ministério Público, na dependência orgânica do Conselho Superior da Magistratura e da Procuradoria-Geral da República, respetivamente, nos termos a definir por decreto-lei.

É preciso investir num corpo de assessores especializados para os tribunais, na sua formação inicial e contínua, a funcionar de forma centralizada, designadamente em matérias cuja complexidade técnica aconselha a existência de um apoio ao juiz.

Nestes termos, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados da Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1.º

Âmbito e objeto

A presente lei estabelece medidas de reforço da investigação criminal e da jurisdição penal como prioridades da política criminal.

Artigo 2.º

Admissões na Polícia Judiciária

  1. Para o período entre 2023 e 2026 é definido um contingente de admissões na Polícia Judiciária de 1100 efetivos.
  2. No âmbito do contingente previsto no número anterior, para o biénio 2023-2024 é definido um contingente de admissão anual de 200 inspetores para a investigação criminal, 60 especialistas de polícia científica e 25 seguranças.
  3. A definição do calendário dos concursos, das condições de recrutamento e das vagas a considerar para as admissões previstas no presente artigo são da responsabilidade do Ministério da Justiça, ouvida a Direção Nacional da Polícia Judiciária.

Artigo 3.º

Contratação de Funcionários de Justiça

  1. Para o período entre 2023 e 2026 é definido um contingente de 2500 novas vagas para recrutamento de funcionários de justiça, sua integração na respetiva carreira e consequente afetação a secretarias de tribunais e serviços do Ministério Público.
  2. No âmbito do contingente previsto no número anterior, para o biénio 2023-2024 é definido um contingente de admissão de 1500 novos funcionários de justiça.
  3. A definição do calendário do concurso, das condições de recrutamento e das vagas a considerar para as admissões previstas no presente artigo são da responsabilidade do Ministério da Justiça, ouvidos os Conselhos Superiores da Magistratura e do Ministério Público.
  4. Na afetação dos novos funcionários de justiça devem ser considerados critérios de prioridade da atividade relacionada com a criminalidade económica e financeira e a corrupção.

Artigo 4.º

Assessores especializados para os tribunais

  1. Para o período entre 2023 e 2026 é definido um contingente de 300 novas vagas nos Tribunais para recrutamento de assessores para os gabinetes de apoio, assessoria e consultadoria técnica aos Magistrados Judiciais e do Ministério Público, previstos no artigo 35.º da Lei de Organização do Sistema Judiciário
  2. No âmbito do contingente previsto no número anterior, para o biénio 2023-2024 é definido um contingente de admissão de 150 novos assessores.
  3. O provimento das vagas constantes no número anterior é concretizado mediante integração na carreira de oficial de justiça e por intermédio de concurso de recrutamento externo.
  4. A definição do calendário do concurso, das condições de recrutamento e das vagas a considerar para as admissões previstas no presente artigo são da responsabilidade do Ministério da Justiça, ouvido o Conselho Superior da Magistratura.
  5. Na afetação dos novos assessores aos tribunais devem ser considerados critérios de prioridade da jurisdição penal na atividade relacionada com a criminalidade económica e financeira e a corrupção.
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