Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-Geral

Encontro com orizicultores do Baixo Mondego

Nestes últimos meses foi ficando cada vez mais exposta no país e no mundo uma grave crise alimentar que se tem traduzido numa brutal subida de preços dos bens alimentares, particularmente dos cereais.

Uma crise com graves consequências sociais e que tornou a chamar a atenção para uma questão central que desde sempre colocámos e consideramos estratégica para a defesa dos interesses dos portugueses – a questão da garantia da nossa soberania alimentar, posta em causa, no nosso caso, pelas políticas de desprezo e marginalização da agricultura que, nestes anos, temos frequentemente vindo a denunciar.

A dimensão que a crise atingiu e que está ainda longe de ser contida, tem causas que estão muito para além daquelas que as explicações oficiais e os principais responsáveis políticos quer daqui, do nosso país, quer lá de fora, das instituições europeias ou das organizações comerciais e financeiras e ditas de desenvolvimento, como o FMI e o Banco Mundial, vão tornando públicas.

Em geral são explicações com meias verdades e que visam “sacudir da água do capote” das responsabilidades daqueles que moldaram o sistema alimentar mundial e de cada país aos interesses do grande comércio transnacional, da grande agro-indústria, dos proprietários do grande latifúndio, das grandes potências agrícolas, por cima das necessidades alimentares dos povos.

Explicações para iludir as responsabilidades daqueles que nos diziam que não só que a produção de alimentos era um problema resolvido no plano mundial com a liberalização dos mercados e sua globalização neoliberal, como anunciavam e decretavam anacrónico o conceito de soberania alimentar e com o ele o fim do direito de cada país e o conjunto dos povos à sua segurança alimentar.

Não são só os motins dos esfomeados nos mais diversos pontos do mundo questionam agora as “verdades absolutas” dos grandes interesses, são também as graves consequências sociais num país como o nosso que vê, de um momento para outro, o preço dos principais bens alimentares a subirem em flecha e a degradarem ainda mais as condições de vida do povo português.

Subidas de preços que neste último ano atingem proporções alarmantes, como são os casos do leite ou do arroz com subidas de preço no consumidor, nalgumas variedades, superiores a 70% ou nos óleos, nas farinhas, nas massas com aumentos de cerca de 35%. Também nestes primeiros meses de 2008, o milho aumentou 32,5% e o trigo 33,5%.

Aumentos que são um drama para milhares de famílias, particularmente num país que tem cerca dois milhões de portugueses a viver no limiar da pobreza.

Mas enquanto vemos preços no consumidor que vão tornando proibitivo o acesso aos alimentos mais básicos pelas populações, particularmente as mais carenciadas, os preços no produtor agrícola estagnam ou quando crescem não chegam a compensar as subidas também elas constantes dos factores de produção, nomeadamente do gasóleo, das rações, dos adubos, da electricidade, entre outros, sem que o governo intervenha.

Nós sabemos bem que não são os pequenos e médios Agricultores que estão a ganhar com a situação. Os pequenos e médios Agricultores também eles são vítimas da especulação com os preços como está a acontecer com os preços dos combustíveis e de outros factores de produção.

Os grandes especuladores financeiros, os grandes comerciantes e industriais é que estão a ganhar com a fome e a tragédia de milhões de seres humanos enquanto certos governantes choram lágrimas de crocodilo.

Uma realidade que conduz ao empobrecimento quer das populações/consumidores, quer dos agricultores/produtores que trabalham a terra.

É a esta intolerável contradição que os principais responsáveis pelas políticas económicas e agrícolas que conduziram à escassez alimentar e à especulação desenfreada dos preços fogem de dar resposta.

Difundem amplamente a ideia de que a crise actual é, essencialmente, o resultado dos factores climáticos, responsáveis por más colheitas a que juntam o preço do petróleo e o aumento da procura de alguns países que viram melhorada a sua dieta alimentar nestes últimos anos.

Trata-se de uma resposta com parte da verdade, para continuarem a impor e prosseguirem a sua política de mentira e de destruição das agriculturas nacionais menos desenvolvidas, como a portuguesa. Resposta que deixa de fora as verdadeiras causas da situação a que se chegou.

Deixa de fora as políticas de liberalização do comércio mundial dos últimos anos. Políticas desenvolvidas no âmbito da Organização Mundial do Comércio que ajustaram o volume e o preço da produção agrícola a um mercado global dominado pelas multinacionais.

Políticas conduzidas sob a orientação dos EUA, da União Europeia, da OCDE e Banco Mundial e que contaram sempre com conivência e concordância em Portugal dos sucessivos governos do PS, PSD e CDS-PP que se traduziram em políticas nacionais e comunitárias, nomeadamente com a Política Agrícola Comum, em significativas restrições da produção, eliminação de stocks, liquidação de milhares de explorações de agricultura familiar.

Ou seja, em políticas ruinosas contra a produção e a agricultura nacionais, sucessivamente agravadas com as reformas da PAC de 92, 99 e 2003 e que se espelham bem no facto de Portugal ter hoje um dos maiores défices comerciais alimentares da Europa.

Défice que não só expõe o nosso país à dependência alimentar crónica, tal como ao choque do aumento dos preços e da especulação e aos inquietantes fenómenos de desertificação rural, no continuado abandono da terra e destruição do solo.

Com esta política de subserviência dos governos do país de completa submissão à União Europeia e à PAC e de ausência de uma efectiva política nacional de defesa da nossa agricultura, assistimos, nestes anos, à brutal destruição da produção nacional e ao desaparecimento de mais de 250.000 explorações agrícolas.

Uma política de ruína dos pequenos agricultores, mas que paga aos grandes proprietários para terem terras a monte (95% dos subsídios para 5% das explorações), o chamado set-asise e que, neste últimos doze anos, fez com que o país passasse de uma produção de 50% dos cereais que consumia, para os 20% que hoje produz.

É esta política de subsídios desligada da produção e de favorecimento dos grandes proprietários que tem acentuado ainda mais a vulnerabilidade e dependência agro-alimentar do país e deixa os portugueses e as suas condições de vida e sobrevivência amarrados à especulação e às decisões das grandes potências agrícolas.

São os mesmos responsáveis que mostram públicas preocupações com as situações dramáticas de fome no mundo que continuam a escamotear as consequências dos ruinosos Planos de Ajustamento Estrutural do FMI que impôs aos países do Sul um modelo de desenvolvimento agrícola que paulatinamente destruiu produções e mercados locais para impôr culturas de exportação. A liquidação da agricultura de subsistência e auto-consumo tornou uma grande maioria (70%) dos países em desenvolvimento em importadores líquidos de alimentos.

São os mesmos que utilizam a desgraça e a ruína da agricultura e de países inteiros que continuam a propor como solução a acentuação da sua política com mais liberalismo, mais competitividade, mais comércio agro-alimentar na mão das multinacionais.

A única solução que encontram é o reforço da principal causa da actual situação, ou seja aquela que juntamente com a política de liberalização e desregulamentação da circulação do capital financeiro, que permitiu a orgia da especulação financeira internacional a que estamos a assistir e que, com a política dos agrocombustíveis, permite e garante os lucros fabulosos das grandes empresas do comércio agroalimentar e agroquímico e a especulação bolsista.

É no sentido dessa inaceitável solução que vai também a proposta legislativa da Comissão Europeia sobre o "Estado de Saúde" da Política Agrícola Comum, que revela uma total insensibilidade social e maltrata a agricultura familiar, os pequenos agricultores.

O PCP considera um erro com consequências graves a manutenção do rumo das políticas neoliberais, a adaptação da agricultura às regras da Organização Comum de Mercados e à tentativa de desbloquear a Agenda de Doha para impor um quadro mais geral de liberalização do comércio ao nível mundial.

O PCP considera que é particularmente grave que, no actual contexto, se proceda à supressão total dos pagamentos associados à produção ainda existentes (com excepção apenas das vacas em aleitamento, dos caprinos e ovinos) transferindo-os para o regime de pagamento único, ao mesmo tempo que avança no desmantelamento progressivo de organizações comuns de mercado importantes para as mais produções nacionais, o desmantelamento do sistema de quotas leiteiras até 2015, a supressão da intervenção (trigo duro, arroz e a carne de suíno), fomentando ainda mais o abandono da terra e da actividade agrícola.

É lamentável que actuais e anteriores ministros, Jaime Silva (PS) e Capoulas Santos (PS), ambos com responsabilidade pela situação a que chegou a agricultura portuguesa e coniventes com as decisões tomadas ao nível da UE sobre a PAC,venham agora criticar o rumo seguido pela mesma, tal como Arlindo Cunha (PSD) lavando as mãos como Pilatos das suas responsabilidades.

Esperamos que não estejamos perante a velha manobra a que nos habituaram quase todos os últimos responsáveis pela agricultura do país e pelas negociações das reformas da PAC, que aparecem sempre a fazer uma crítica inicial a uma proposta «maximalista» da Comissão, acabam, mais à frente, a darem o dito por não dito e a aprovar a mesma proposta com pequenos retoques, apresentando-a ao povo português como mais uma «vitória».

O actual ministro Jaime Silva que aprovou, recentemente, o desligamento nas OCM dos hortofrutícolas e a liquidação das cotas leiteiras não é seguramente a pessoa indicada para dar garantias na defesa do interesse nacional e dos agricultores portugueses.

O que se tem passado aqui na Bacia Hidrográfica do Mondego revela bem a falta de empenhamento na criação de condições para melhorar a rentabilidade da nossa agricultura e os rendimentos de quem trabalha no campo.

Passados três Quadros Comunitários de Apoio e mais de 50 mil milhões de euros disponíveis para investimentos, o Baixo Mondego continua à espera que as obras de aproveitamento hidroagrícola se concluam, 30 anos passados sobre o início das dessas obras.

Os governos do PS e do PSD têm também aqui contas a prestar por não se terem arrastado investimentos de tão evidente necessidade, tão claramente reprodutíveis e de valores modestos, quando contrapostos com faraónicas obras e projectos de sucessivos governos em algumas áreas.
Não basta cantar loas, como se ouve muitas vezes, às enormes potencialidades agrícolas do Baixo Mondego, à qualidade do seu arroz, às potencialidades da sua horticultura ou à qualidade das suas searas de milho.

É necessário e urgente tomar medidas, particularmente num momento em que a crise alimentar e as suas consequências são mais evidentes.

É preciso avançar rapidamente com a Obra do Mondego para que os agricultores possam produzir mais e melhor, para que possam trabalhar e produzir mais milho, mais arroz, mais hortícolas, mais leite, mais carne e com a qualidade que se reconhece.

Porém, nos Orçamentos de Estado de 2006, 2007, 2008, este governo do PS não atribuiu as verbas necessárias à boa execução da Obra do Mondego.

Em relação às obras tanto tempo passado e apenas cerca de 50% dos previstos 13 500 ha e 18 blocos do perímetro de rega estão concluídos, tal como falta cerca de 60% do previsto emparcelamento de terras.

O Vale do Rio Pranto é um exemplo daquilo que ainda falta fazer, mas que já devia estar feito.

A Obra do Mondego tem andado muito devagar e, ainda por cima, agora até está a travar.

Parece que só andou mais depressa – há já bastantes anos atrás – quando se tratou de levar a água para abastecer as grandes empresas de celulose, na Leirosa.

É inaceitável que apesar das avultadas verbas para regadios previstas no Plano de Desenvolvimento Rural, nenhuma referência concreta apareça para o Baixo Mondego, aliás, como para outras áreas de potenciais regadios, à excepção de Alqueva.

Na Assembleia da República, todos os anos, o PCP tem proposto a inclusão de mais verbas nos Orçamentos de Estado para a Obra do Mondego mas essas boas propostas do PCP têm sido “chumbadas” pelos outros partidos, o que é lamentável.

Na opinião do PCP, é obrigatório que as obras hidroagrícolas do Baixo Mondego sejam dotadas com as verbas adequadas às suas necessidades, seja através do Plano de Desenvolvimento Rural seja através do QREN.

Na escalada especulativa que atinge os produtos agro-alimentares, e particularmente os cereais, o arroz é um dos mais atingidos. Com consequências dramáticas para muitos povos que têm no arroz a sua base alimentar.

Em Portugal, para desespero dos portugueses, tradicionalmente grandes consumidores de arroz, os seus preços galoparam.

Segundo uma empresa de estudo de mercados os preços nos hipers e supers, face à média de 2006 subiram uma média de 22%, entre 15 a 71% conforme as variedades e qualidades!

E já há industriais do sector a afirmarem que vai ainda crescer 40/50% no que resta de 2008!

Mas enquanto os preços do arroz no consumidor atingem estas cifras, o valor pago na produção apenas aumentou 6 cêntimos, por quilo, na última campanha, não repondo ainda valores de há mais de 10 anos.

Para lá da especulação mundial e nacional dos preços, um problema evidente, é a actual grande dependência do País da importação para o seu abastecimento em arroz e o esgotamento dos estoques ainda a preços antigos!

É que Portugal não importa apenas quase todo o trigo e milho que consome e uma percentagem significativa de carne de bovino e suíno, ou de uma importação de hortofrutícolas que vale quase o triplo do que exportamos.

O País importa 45/50%, grosso modo metade, do arroz que consome!

E tínhamos, caros amigos, todas as condições para atenuar fortemente esse défice. Bastaria que aproveitássemos bem as potencialidades deste Vale do Mondego, e também dos vales do Vouga, Liz, Tejo, Sorraia, Sado e Mira, para produzir arroz!

Mas isso significava ter feito outras políticas agrícolas ao longo dos últimos 30 anos! Contrariando as reformas que foram sendo feitas na PAC, e na Organização Comum do Mercado do arroz, em particular com o desligamento das ajudas da produção a 100%.

Políticas a que só o PCP se opôs!

Outra política agrícola nacional que tivesse incentivado a sua produção e, também muito importante, que tivesse mantido o consumo dos portugueses, não exclusivamente, mas muito centrado no carolino, em vez das portas escancaradas para a importação e dificuldades para os nossos produtores!

Porque o carolino é um arroz de alta qualidade e que só exige ser bem cozinhado!

Entretanto, o Governo não contente com todas as malfeitorias que já fez à agricultura e aos agricultores prepara-se para taxar a água para usos agrícolas em 0,36 cêntimos/metro cúbico, contrariamente a Espanha que adiou para 2012! E a Comissão veio agora na preparação de novas alterações na PAC, acabar com os apoios à sua produção, que seria inviabilizar de vez a produção que ainda se faz em Portugal.

Com a consciência tranquila de quem sempre defendeu outra política agrícola para Portugal e para a União Europeia, o PCP continua o combate por outra agricultura. Uma agricultura que garanta:

A soberania alimentar do país com o direito a produzir e a proteger a sua agricultura, com a definição das políticas agrícolas e alimentares nacionais, de acordo com as potencialidades agrológicas, e conforme com as necessidades do País.

Os rendimentos dos agricultores e de todos os que trabalham a terra e que lhes permitam assegurar níveis e qualidade de vida, com a preservação do tecido social agrícola, assente numa forte rede de explorações agrícolas familiares, que contribua para conseguir os equilíbrios territoriais e demográficos das regiões.

A coesão económica e social do país e das regiões, travando o agravamento das assimetrias regionais, a desertificação e perda de actividade agrícola de muitas áreas agro-rurais.

Da parte do PCP aqui fica de novo o compromisso de tudo fazer para apoiar os Agricultores do Baixo Mondego nos seus direitos e nos seus projectos. Podem contar com o PCP!

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