Intervenção de António Filipe na Assembleia de República

Eleições do Presidente da República, da Assembleia da República, dos órgãos das autarquias locais, do Parlamento Europeu e nos referendos nacional e local

Alarga e uniformiza o regime do exercício do voto antecipado nas eleições do Presidente da República, da Assembleia da República, dos órgãos das autarquias locais, do Parlamento Europeu e nos referendos nacional e local
(proposta de lei n.º 35/XI/1ª e projecto de lei n.º 405/XI/1ª)

Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados:
Começando pela proposta de lei sobre o voto antecipado, quero dizer, em primeiro lugar, que a ideia de poder alargar a possibilidade de voto antecipado a algumas categorias de cidadãos eleitores é uma ideia que consideramos positivamente e, aliás, sabemos que existe, obviamente, uma recomendação do Provedor de Justiça sobre essa matéria, designadamente em relação a estudantes que estão em programas de intercâmbio ou que vivem nas regiões autónomas e estudam no continente e que, de facto, têm feito sentir a necessidade de se alargar a possibilidade de voto antecipado. Somos sensíveis a isso.
Agora, há dois aspectos da proposta de lei, já aqui referidos, de certa forma, que nos merecem objecções e que, na especialidade, têm de ser bem ponderados. Em primeiro lugar, a referência que o Sr. Deputado Nuno Magalhães acaba de fazer, que é a de se permitir o voto antecipado a estudantes de instituições de ensino inscritos em estabelecimentos situados em circunscrição diferente daquela onde se encontram inscritos no recenseamento eleitoral. O que é isso de «circunscrição diferente»? Se é a freguesia, isso significa que qualquer estudante que estude na Cidade Universitária, em Lisboa, pode votar antecipadamente, a menos que esteja recenseado na freguesia do Campo Grande. E se a circunscrição é o círculo eleitoral, então, qualquer
estudante que estude em Lisboa e resida em Almada pode, por esse facto, votar antecipadamente. Estes dois critérios não servem e, nessa medida, temos de saber o que se entende por «circunscrição diferente».
Obviamente, para nós, deve haver uma distância entre a residência e o estabelecimento de ensino que, de facto, inviabilize ou torne bastante difícil e onerosa a deslocação ao local de residência para votar. Enfim, tem de se encontrar um critério que seja justo e adequado, porque este, manifestamente, não serve.
Uma segunda objecção diz respeito à prova do impedimento invocado, porque, de facto, há aqui uma incongruência. Não se percebe como é que um cidadão que esteja preso ou que esteja internado num estabelecimento hospitalar tem de declarar essa situação, com base em documento emitido pelo director do estabelecimento prisional ou pelo director do hospital, e um profissional liberal que se queira deslocar ao estrangeiro, no dia da eleição, declara, por sua honra, que naquele dia não lhe dá jeito. Há uma desproporção manifesta! E a simples declaração de honra, com todo o respeito pela honra dos cidadãos, dada a dificuldade
em sindicar o impedimento, pode, de facto, transformar uma excepção em regra e permitir que haja determinadas categorias de cidadãos que, por mera conveniência, queiram votar antecipadamente. Creio que a ideia não é esta e, por isso, tem de se encontrar uma solução justa para a prova do impedimento de se deslocarem à assembleia de voto em determinada data.
Finalmente, compreende-se e justifica-se que haja uma preocupação do Governo em uniformizar os regimes aplicáveis às várias leis eleitorais, mas subsiste uma discrepância relativamente à lei eleitoral para as autarquias locais que importa clarificar, na medida em que há uma categoria de cidadãos, que são os que fazem parte de delegações que representem o Estado no estrangeiro, relativamente à qual se mantém a possibilidade de voto antecipado apenas para as autarquias locais. Admito que possa haver razões que o justifiquem, mas esta é uma questão que, obviamente, poderemos discutir na especialidade.
Para terminar, Sr. Presidente, Srs. Deputados e Srs. Membros do Governo, relativamente ao projecto de lei do PSD, compreendemos que se trata de uma actualização da lei de 2005 e, nesse sentido, não votaremos contra essa proposta, mas admitimos que há coisas que importa analisar.
Em primeiro lugar, importa saber se a disposição que permite que esse universo eleitoral vá sendo actualizado ao longo do tempo — a que foi referida pelo Sr. Deputado Luís Pita Ameixa — é necessária, porque, efectivamente, cidadãos que tenham transferido o seu recenseamento para o estrangeiro e que tenham votado nas últimas eleições para a Assembleia da República já podem votar. Portanto, importa ver se essa actualização é necessária, mas podemos vê-lo, obviamente, na especialidade.
Agora, a solução técnica adoptada pelo PSD, salvo o devido respeito, parece-nos imprestável, na medida em que não introduz nenhuma alteração à legislação vigente e, como tal, pode criar, efectivamente, uma enorme confusão, na medida em que o artigo 1.º, cuja alteração nem sequer se propõe, é do diploma de 1976.
Portanto, para alcançar o objectivo que o PSD pretende, há que encontrar uma outra solução técnica, o que, aliás, não será difícil, porque os próprios serviços da Assembleia da República, na nota técnica, apontam uma solução. Importa, no entanto, analisar se ela se justifica, mas esta é uma questão que poderemos dirimir em sede de especialidade.

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