Intervenção de Fernando Sequeira, Membro da CAE - Comissão das Actividades Económicas junto do Comité Central do PCP, Sessão Pública «EFACEC – Parar a privatização. Defender o interesse nacional»

EFACEC: Protagonista de uma contradição profunda ou a última vítima do processo de desindustrialização

EFACEC: Protagonista de uma contradição profunda ou a última vítima do processo de desindustrialização

Estamos aqui hoje reunidos, para, mais uma vez, analisarmos os problemas, mas sobretudo as ameaças com que se defronta a EFACEC, e principalmente para propormos aos trabalhadores da EFACEC, à Região do Porto e ao País, soluções para a sua imediata viabilização e ulterior desenvolvimento. 

Naturalmente, viabilização e desenvolvimento que interessam à região, mas sobretudo ao país, dada a importância estratégica de que a empresa se reveste, mesmo após os golpes que tem sido submetida nos últimos tempos.

Como veremos à frente com mais detalhe, a EFACEC, foi e é, tal como sintetizámos no título desta nossa intervenção, protagonista (por ação e omissão) de uma contradição profunda, face ao caráter muito diferenciado de dois períodos da sua vida, a saber, por um lado, um longo período de crescimento sustentado, baseado numa criteriosa política de investimentos materiais, mas sobretudo de investimentos intangíveis (uma força de trabalho altamente qualificada), levados a cabo, persistentemente, ao longo dos seus já longos anos de vida, política muito justa e correta, que a alcandorou a uma importante posição no quadro da indústria transformadora nacional e, nalguns domínios, mesmo internacional, e, por outro, após esse período de prestígio e pujança, já recentemente, sofreu uma instabilidade que designaremos por societária, com perigosos reflexos na sua capacidade e mesmo na sua sobrevivência.

Tratando-se de um exemplo muito forte e muito especializado de uma base empresarial singular da estrutura industrial nacional, o seu relativamente recente e preocupante percurso, deverá chamar-nos a atenção para o que vem acontecendo à floresta, de que ela é uma árvore resistente, pelo menos desde os finais da década de 80 do século passado.

E é evidente que a floresta é a base industrial nacional.

Como é bem sabido, de há muito que nas sociedades e economias contemporâneas, a base mais estruturante das respetivas economias é a indústria transformadora, que, irracionais processos de desindustrialização, decorrentes de um novo e profundamente diferente reposicionamento estratégico dos focos de investimento do grande capital, migrando da indústria, particularmente dos setores mais básicos e estratégicos, sobretudo para as áreas de serviços e financeira, socavaram fortemente as economias europeias, embora de forma muito desigual entre países, designadamente no quadro da União Europeia.

Acresce, potenciando este processo de desindustrialização, o completo ou quase completo desaparecimento do Estado enquanto muito importante agente económico, nomeadamente enquanto titular de ativos estratégicos de carácter industrial, embora de forma desigual entre países. 

Portugal foi o país mais atingido por esta febre de uma pseudo “modernidade” terciária e financeira, designadamente no que respeita ao desaparecimento do Estado.

Por outro lado, é de recordar também aqui, que embora com uma indústria transformadora com um débil perfil de especialização, Portugal, em termos do peso desta no produto e no emprego, possuía à data do 25 de Abril, uma indústria transformadora ocupando a segunda posição na Europa Ocidental, a seguir à RFA.

Para melhor entendermos o que se vem passando com a EFACEC, passaremos seguidamente em revista, um pouco do processo político e económico das últimas décadas, e os seus reflexos sobre a indústria.

 

Como é bem conhecido, Portugal apresenta de há muito profundas debilidades na sua economia, particularmente as associadas à indústria transformadora, e à valorização no território nacional dos seus ainda muito importantes e diversificados recursos naturais, particularmente os de origem geológica, debilidades caracterizadas sobretudo pela inexistência de um vasto conjunto de setores básicos e estratégicos, sejam eles produtores de bens intermédios e de bens de investimento, ou ainda, quando existiam ou ainda existem, muitos de entre eles são de uma significativa pobreza, sobretudo qualitativa, como é o caso da atual siderurgia, o que vulnerabiliza e empobrece o nosso perfil de especialização económico, e, em sequência, o exercício tão pleno quanto possível da soberania.

Este diagnóstico, não traduz nenhuma posição saudosista relativamente ao passado, em simultâneo com a desvalorização de novos setores, que foram entretanto surgindo. Significa, bem ao contrário, que o país necessita, vitalmente, para se desenvolver, de uns e de outros, e, a EFACEC, deverá continuar a ter um papel de grande protagonismo nesse quadro.

A adesão de Portugal à CEE em 1986, e as suas condicionantes estratégicas genéticas – antes, durante e após - bem como o sequente processo de privatizações, seguido, em muitas situações, da transferência da titularidade do capital para entidades estrangeiras, fizeram desaparecer importantes setores e empresas estratégicas, que à época davam alguma consistência à nossa malha industrial.

Exemplo acabado da União Europeia enquanto estrangulamento estratégico, o facto, atualíssimo e reportando à própria EFACEC, de o governo não poder fechar o processo de reprivatização sem o beneplácito da Direção-Geral da Concorrência de Bruxelas.

Recordemos alguns dos traços desse criminoso desastre: i) Durante a década de 90 do século passado e primeira década deste século, desapareceram, nomeadamente, o enorme complexo industrial do Barreiro da Quimigal, a Sorefame, a Mague, a Setenave, a Cometna, a Metal Sines, a Fundição de Oeiras, a Sepsa, as Construções Técnicas e aTAGOPI; ii) De há alguns anos a esta parte, vem ocorrendo a lenta, mas persistente e preocupante destruição do CIMPOR, particularmente na sua vertente internacional; iii) Mais recentemente, o criminosos encerramento das Refinaria, Complexo de Petroquímica de Olefinas e Fábrica de lubrificantes da Petrogal, em Matosinhos.

Os problemas e as ameaças que impendem actualmente sobre a EFACEC, embora de índole e génese diferentes da parte dominante deste processo destrutivo mais geral, porém, no seu escopo, inserem-se perfeita e organicamente no processo de desindustrialização levado a cabo pelo grande capital nacional e os seus governos de serviço.

Outra sorte estaria a ter a EFACEC se, em vez de ser o que é, isto é, uma importantíssima empresa do setor industrial metalomecânico-eletrónico, fosse antes uma grande promotora imobiliária, uma empresa de telecomunicações, um grupo privado de saúde, mas sobretudo um banco.

Em sentido inverso a esta dinâmica, e pelo menos nos países mais desenvolvidos da União Europeia, portanto os mais industrializados, e mesmo no quadro de um processo quase geral de desindustrialização-deslocalizações, estes não apresentam, nem de perto nem de longe, debilidades semelhantes às nossas, mantendo quase intactos e naturalmente modernizados, um amplo espetro de setores básicos e estratégicos, para além mesmo de muitas das indústrias ditas tradicionais, e, obviamente também, setores de ponta muito especializados, tais como a indústria farmacêutica, o fabrico de máquinas ferramentas cada vez mais automatizadas, e o projeto e fabrico de componentes para processos robóticos.

Do vasto conjunto de importantes empresas industriais estratégicas existentes aquando do 25 de Abril, e muito valorizadas até ao final da década de 80 no quadro do patriótico e desenvolvimentista processo de nacionalizações, na sua origem, foram fruto, mesmo nas condições políticas, económicas e sociais do fascismo, de uma clara política de substituição de importações por produção nacional.

De entre este importante conjunto de ativos industriais, sobreviveu até aos dias de hoje um, a EFACEC, empresa singular, absoluta referência nacional e internacional, fundamental e única no setor eletromecânico-eletrónico nacional, importante escola de desenvolvimento industrial e vastos saberes, com capacidade para projetar e fabricar um vasto espetro de bens e serviços de alto valor acrescentado, alguns mesmo originais a nível mundial, em domínios muito diversos, tais como o projeto e fabrico de transformadores (de potência e de distribuição), de dispositivos para subestações, de centrais geradoras compactas móveis, de sistemas de energia para todos os modos de tração elétrica (subestações, sistemas de catenárias, sistemas de controlo de subestações), de sistemas de controlo, comando e comunicações ferroviárias, de soluções diversas para a mobilidade elétrica, para além de um vasto espetro de soluções técnicas para a área ambiental.

Por outro lado, não podemos nem devemos esquecer, de forma alguma, que todos os grandes projetos industriais, energéticos, de transportes pesados com tração elétrica, e de grandes infraestruturas nacionais, tiveram uma participação profunda ou muito significativa e altamente especializada e valorizada da EFACEC, pelo menos nos últimos sessenta anos.

Acrescem também importantes e diversificados projetos em múltiplas outras geografias.

A EFACEC, empresa com uma história ímpar, designadamente nos domínios da investigação aplicada e da sistemática qualificação do pessoal e crescente valorização dos quadros de pessoal, com uma quase permanente incorporação de trabalhadores altamente qualificados, deverá ser entendida como um excelente exemplo a replicar noutros setores industriais em Portugal, e nunca, um exemplo para destruir ou para entregar aos interesses do capital estrangeiro, como é o caso dos Fundos Mutares.

A nacionalização da grande maioria do capital da EFACEC, embora decidida e concretizada de forma constrangida e a contra-gosto pelo governo PS, constituiu, em si mesma, uma importante e crítica condição necessária, que não devemos de forma alguma subestimar e desvalorizar, com vista à sua continuação na primeira linha de entre os setores estratégicos industriais.

Contudo, constituindo uma importante e inultrapassável condição necessária, ela não é ainda, obviamente, uma condição suficiente, para podermos continuar a contar com a EFACEC para o desenvolvimento nacional.

De facto, bem ao contrário de uma visão e de uma missão claras para a empresa, e de dirigentes capazes de concretizar tais visão e missão, e de uma estrutura financeira permanentemente saudável, enquanto condições suficientes para otimizar as condições resultantes da nacionalização da maioria do capital social, o seu ainda elevado  potencial de prestígio, em termos da carteira de encomendas, a perspetiva e ulterior decisão política de privatização, com um apoio casuístico e titubiante por parte do governo, conduziram a uma progressiva erosão da empresa, designadamente no seu domínio mais estratégico, o da continuidade da permanência dos seus trabalhadores altamente qualificados e com elevada experiência da empresa, mas também, da imagem junto dos seus diversos mercados, cada vez mais situados no estrangeiro, consequência do baixíssimo investimento nacional.

A perspetiva de privatização a curto prazo da EFACEC, privatização ainda agravada pelo caráter não nacional da origem do capital da entidade selecionada no concurso, constitui uma enorme ameaça para a configuração futura da empresa, nomeadamente na perspetiva do desenvolvimento nacional, independentemente do quadro de promessas e garantias dadas ou a dar pelo Fundo Mutares.

De facto, aquilo que nestas putativas circunstâncias irá determinar o futuro da EFACEC, a concretizar-se a privatização, não será de todo o interesse nacional e o desenvolvimento soberano do país, mas sim os interesses estratégicos e táticos do Fundo Mutares, em cada período e circunstâncias.

No nosso entendimento, face às dinâmicas alimentadoras da continuação e aceleração da fragilização da produção industrial nacional, enquanto necessidade objectiva para o desenvolvimento soberano, e mesmo nos dias de hoje, enquanto proposta constitucional – designadamente, no quadro dos artigos 81ª, 82º e 91º da Constituição da República – de forma inequívoca, incumbe ao Estado, nomeadamente por absoluta falta de interesse de quaisquer outros atores económicos, criar as condições organizacionais e financeiras, no quadro de um cuidadoso planeamento democrático, com vista à criação e ou recriação de um sector público industrial, constituído por empresas básicas e estratégicas, capazes de responder às necessidades nacionais de um significativo espetro de bens intermédios e bens de equipamento.

E isto, designadamente, com vista à criação de fileiras industriais com base nos recursos geológicos nacionais, mas não só, com vista, nomeadamente, à substituição de importações por produção nacional, ao acréscimo do valor acrescentado nacional das exportações de bens, e, indiretamente, também de serviços, criando assim um perfil de especialização muito mais valorizado e menos dependente do exterior.

Naturalmente que a EFACEC está na primeira linha para integrar este futuro sector público industrial, mas, sobretudo, para ter um papel ímpar na participação dos processos de projeto e construção de tais empresas criadas ou recriadas empresas industriais, particularmente na sua vertente de engenharias de processo.

Mas para conseguir tal desiderato, impõe-se parar desde já e com caráter irreversível, o perigoso e antinacional processo de reprivatização da EFACEC.

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