Declaração de João Frazão, membro da Comissão Política do Comité Central, Conferência de Imprensa

Dois anos após os incêndios de Outubro de 2017

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A 15 e 16 de Outubro de 2017, inúmeros concelhos do Centro e do Norte do País foram fustigados por violentos incêndios, fazendo arder centenas de milhares de hectares de floresta, afectando cerca de mil e quinhentas habitações, atingindo, muitas totalmente, mais de meio milhar de empresas, destruindo inúmeras espécies vegetais e animais, com impacto muito significativo do ponto de vista ambiental, com uma perda inestimável de 80% do Pinhal de Leiria, com graves prejuízos ambientais, e – o mais importante – provocando meia centena de mortos.

A dimensão brutal da tragédia, independentemente da sua relação com condições meteorológicas particularmente adversas, uma vez que aconteceu no final de um longo período de intensa seca e num momento de uma quase ausência de humidade, tem causas e tem responsáveis.

O PCP já o afirmou em anteriores ocasiões, mas queremos sublinhar que, nas suas brutais consequências, estes incêndios, exactamente como os que, em Junho de 2017 tinham acontecido em Pedrógão Grande e nos concelhos vizinhos, e como em Julho de 2018 se repetiu em Monchique, não podem ser desligadas da política de direita dos últimos 43 anos, que se traduziu em défices estruturais – demográficos, de ordenamento, energéticos, produtivos – bem visíveis na redução da área agrícola, nos sucessivos encerramentos de serviços públicos e na crescente desertificação do mundo rural.

E, por outro lado, que as opções pela política de direita – ao serviço dos interesses do capital, de enfeudamento aos ditames da União Europeia, com as suas regras, as suas limitações, os seus constrangimentos que nos trouxeram a uma situação de ruína do mundo rural – foram assumidas, à vez, por PS, PSD e CDS, desvalorizando e mesmo ignorando as críticas e o combate que o PCP sempre lhes deu.

Neste quadro, o PCP, que hoje mesmo voltou a visitar zonas afectadas, desde a primeira hora sinalizou que, para além de medidas avulsas, o que faz falta são os meios, designadamente financeiros, que garantam a ruptura que é necessária nesta área.

O PCP, que esteve na origem da Lei do Apoio às Vítimas e que apresentou, no debate do Orçamento do Estado para 2018 e para 2019, propostas para garantir esses meios, não deixará, seja no quadro institucional, seja no quadro da acção política, de exigir medidas concretas para dar resposta aos problemas que persistem:

  • Concretização das equipas de Sapadores Florestais e do Corpo Nacional de Guardas Florestas;
  • Contratação dos trabalhadores em falta no ICNF;
  • Preço garantido à madeira ardida e políticas que visem garantir preços justos à produção de material lenhoso, medidas propostas pelo PCP no Projecto de Resolução 993/XIII, chumbado com votos contra de todas as restantes bancadas à excepção do PEV;
  • Reinvestimento urgente de todas as receitas da madeira vendida no Pinhal de Leiria no próprio Pinhal e início da candidatura do Pinhal a Reserva da Biosfera da UNESCO;
  • Plano Nacional de combate às espécies invasoras com meios humanos, técnicos e financeiros dedicados;
  • Assumpção da Agricultura Familiar como parte integrante do Sistema de Defesa da Floresta contra Incêndios, o que implica uma outra política para o mundo rural;
  • Respeito pelos pequenos proprietários florestais, assegurando-lhes apoios e meios para uma gestão eficiente da floresta;
  • Agilização dos processos de análise técnica e pagamento dos Projectos de Investimento na Floresta no âmbito do PDR2020, onde se assistem a atrasos injustificáveis, alterando o esquema de pagamento para pequenos proprietários e para os baldios para pagamento contra factura.

Passados dois anos, e lembrando que desde a primeira hora reclamou medidas para ressarcir os prejuízos das vítimas dos incêndios, o PCP, reconhecendo que algumas respostas foram dadas, assinala as principais insuficiências no muito que há por fazer.

  • Compensações para os rendimentos perdidos na área agrícola. Como o PCP sempre afirmou, todos aqueles que perderam culturas permanentes ou animais, para além de precisarem de repor o que foi perdido, têm diminuição de receitas, algumas durante anos, num momento em que precisam de meios para reinvestir. Apesar das sucessivas propostas do PCP, a opção foi de não considerar essas ajudas.
  • Reposição do potencial produtivo. Apesar das sucessivas perguntas do PCP, o Governo não fez, ou não apresentou publicamente, a avaliação global dos prejuízos, a avaliação dos projectos submetidos e a relação com os projectos aprovados.

Com o quadro que se conhece, pode dizer-se que estas regiões, já de si deprimidas, saem deste doloroso processo, ainda mais pobres e mais abandonadas.

Habitações. Apesar das sucessivas propostas do PCP, a decisão do Governo do PS foi a de não apoiar a reconstrução de moradias de segunda habitação. Como anteriormente afirmámos, tal significa que muitas das pessoas que garantiam a animação social de diversas aldeias não voltarão a reconstruir as suas casas e não trarão consigo filhos e netos, acentuando a desertificação.

Defesa da Floresta. Depois das decisões do Governo PSD/CDS, de retirarem 150 milhões de euros do PRODER à floresta nacional, a opção do Governo PS de proceder à produção intensiva de legislação, não deu, como não podia dar, resposta ao essencial do que está por fazer.

A generalização da aplicação de multas, numa linha de culpabilização dos pequenos proprietários não disfarça a complacência com que se tratam os concessionários das vias de comunicação ou das redes eléctricas.

A defesa pública da necessidade de novos modelos de florestação, não escondem que, por falta de iniciativa e apoio do Governo, continuam por retirar da floresta milhões de metros cúbicos de madeira ardida, com os problemas fitossanitários que isso coloca, plantas invasoras vão-se apropriando de vastas áreas e não foram dados passos para a plantação sistemática de áreas ardidas. O recente anúncio do Inventário Florestal Nacional, pelas características que comporta, designadamente de desvalorização da área existente de eucalipto, é, a este respeito, negativo.

A criação de novas estruturas, multiplicando órgãos de direcção, não apaga o facto de não estar ainda, dois anos depois, reconstituído o Corpo Nacional de Guardas Florestais ou criadas as 500 equipas de Sapadores Florestais previstas na Lei, e não terem sido contratados os trabalhadores em falta, designadamente no ICNF.

Sucessivos anúncios de intenções não eliminam o facto de faltarem respostas às muitas questões que o PCP tem colocado sobre a utilização de fogo controlado, sobre a concretização das faixas de protecção primária ou sobre a articulação da diversa legislação existente. Registe-se, por exemplo, que o Governo decidiu não cumprir a Lei e não nomeou o Coordenador Nacional previsto no n.º 10 do artigo 2.º do Decreto-Lei 124/2019 do Sistema de Defesa da Floresta contra Incêndios. Ausência de respostas que o Observatório Técnico Independente confirmou na sua última informação.

A não se alterar radicalmente a política prosseguida até hoje, sem uma intervenção reforçada do Ministério da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural, é com toda a preocupação e seriedade que o PCP afirma que, infelizmente, grandes incêndios florestais podem voltar a acontecer.

Sem a valorização do rendimento dos produtores florestais, das pequenas e médias explorações florestais e da floresta de uso múltiplo, sem uma atenção séria à pequena e média produção florestal, sem uma política patriótica e de esquerda, não será possível defender a floresta portuguesa.

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