Projecto de Resolução N.º 171/XIII/1.ª

Determina a manutenção do Novo Banco na esfera pública, assegurando a sua propriedade e gestão públicas ao serviço dos interesses do povo e do país

Determina a manutenção do Novo Banco na esfera pública, assegurando a sua propriedade e gestão públicas ao serviço dos interesses do povo e do país

I

Desde a crise económica e financeira de 2007/2008 que se tornou evidente que, por todo o mundo, instituições financeiras reconhecidas por todas as autoridades como sólidas e robustas, têm vindo sistematicamente a ruir. As práticas de apropriação de mais-valia do trabalho através da especulação imobiliária, bolsista e em torno de instrumentos de dívida, traduziram-se em gigantescos passivos sem cobertura nos balanços das instituições, por força da sobreavaliação ou da falsificação dos correspondentes ativos.

Essa crise demonstrou a fragilidade do sistema financeiro nas mãos do grande capital e evidenciou a forma como os grupos monopolistas utilizam o sector única e exclusivamente em função dos seus objetivos de acumulação e concentração. Não só extraem colossais lucros, como condicionam as direções e sentidos dos fluxos de crédito, ao mesmo tempo que condicionam e selecionam as atividades a desenvolver, independentemente das necessidades de cada economia.

A situação atual do setor bancário é marcada por um peso crescente, senão mesmo dominante, do capital transnacional, agravando o trespasse de riqueza para o estrangeiro e a perda de capacidade de intervenção e de soberania do país. A experiência tem mostrado que o controlo público da banca é a única forma de conservar o sistema bancário nacional. A privatização das instituições financeiras conduz, mais cedo ou mais tarde, à sua aquisição ou domínio, devidamente expurgadas dos ativos tóxicos e recapitalizadas nomeadamente com fundos públicos, por parte dos megabancos europeus, como confirmou recentemente a entrega do Banif ao Santander.

Em Portugal, desde a intervenção estatal no Banco Português de Negócios, S.A., (BPN) várias foram já as instituições financeiras suportadas pelos recursos públicos, com os Governos PS e PSD/CDS a utilizarem o Estado e a Lei para salvar os banqueiros, a pretexto dos depositantes e da estabilidade do sistema financeiro. O colapso do BPN e os sucessivos problemas detetados na restante banca comercial, com destaque para o que se passou no Banco Espírito Santo e no Banif, são elementos suficientes para ilustrar a irrazoabilidade de permitir que o sistema financeiro se mantenha gerido, detido e ao serviço dos grandes grupos económicos, com a evidente exceção da Caixa Geral de Depósitos:

Pela importância do sistema financeiro no funcionamento da economia e pela necessidade de um controlo público e democrático sobre as opções financeiras, nomeadamente sobre a utilização do crédito como bem público;

Pelos custos que a banca tem representado para os trabalhadores portugueses que são forçados a despender cada vez mais esforço para garantir a liquidez e a solvabilidade de instituições financeiras que são descapitalizadas pelos seus próprios acionistas;

Exige-se que se façam opções para impedir que os trabalhadores e o povo português tenham de suportar mais custos com a má política de crédito e com o desvio de recursos dos bancos para a satisfação dos interesses de banqueiros ou dos grupos económicos que integram.

II

A regulação e supervisão da atividade financeira, particularmente tendo em conta a complexidade do mercado que interliga o crédito, as participações sociais e os produtos financeiros compostos, não passam de um gigantesco embuste. Na verdade, a atividade das instituições financeiras é regulada apenas na medida dos interesses dos próprios grupos económicos que as comandam e mantêm cativos os reguladores e supervisores.

Desde o controlo interno, à regulação pelos bancos centrais, passando pelas auditorias externas, todo o sistema de controlo da banca não passa de uma encenação com vista a iludir as populações e a forjar a confiabilidade das instituições. Ao longo dos anos em Portugal, tal tem sido particularmente claro na forma como o Banco de Portugal – que cada vez mais tem vindo a reduzir-se como um mero braço administrativo do BCE – em caso nenhum evitou um colapso bancário ou uma necessidade de capital, mas em todos os casos negou até ao último momento a existência de problemas. A julgar pelas intervenções públicas do Banco de Portugal, o BES não tinha problemas semanas antes de falir e o BPN não estava sinalizado como problemático. O “empréstimo” ao Banif era mesmo um “bom negócio” para o Estado com possibilidade de render 19% de juros. Essas intervenções públicas mostram que o Banco de Portugal não é a mão dos portugueses junto da banca, mas tem funcionado como o rosto dos banqueiros junto dos portugueses. O Banco de Portugal é o selo de qualidade num produto contaminado num mercado em que o principal fator é a confiança. Ou seja, o regulador funciona apenas como o branqueador dos problemas da banca perante o povo.

A incapacidade do Banco de Portugal não se deve, contudo, apenas à inépcia, ao comprometimento político e ideológico dos seus responsáveis ou ao funcionamento do sistema capitalista. Deve-se especialmente à sua arquitetura e ao seu enquadramento num sistema financeiro que resulta em grande parte já da fusão entre capital bancário e capital produtivo, concentrando assim o centro de decisões estratégicas dos grandes grupos económicos e subordinando a decisão política à sua vontade. É essa matriz corrupta, de subordinação mais ou menos legal do poder político ao poder dos grandes grupos económicos, que define o próprio funcionamento do sistema financeiro no contexto do capitalismo.

O regulador não regula à margem desse sistema, é antes parte dele. Sendo sempre possível introduzir medidas que contrariem ou limitem que seja esse o papel da regulação é uma ilusão pensar que sem alterar a sua natureza se pode alterar o papel que a regulação cumpre. Acrescentar camadas de legislação e regulamentação sobre os mecanismos de intervenção do Banco de Portugal sem questionar a essência política do controlo que o Banco de Portugal exerce sobre a banca acabará por se traduzir apenas no melhoramento da qualidade da encenação. Os portugueses não deixariam de ser enganados pelos bancos e pelos grupos monopolistas e o Estado não deixaria de ser fiador e pagador de último recurso das aventuras dos banqueiros, mas tudo isso seria escondido dos portugueses com mais eficácia.

III

A nacionalização, o controlo acionista público através do Estado, que o Partido Comunista Português vem defendendo para instituições do Sistema Financeiro Português, não se relaciona em aspeto algum com o conceito de “nacionalização” que os governos de PS, PSD e CDS defenderam e colocaram em prática em outras situações nos últimos anos.

A forma como os recursos públicos são utilizados para adquirir ativos desvalorizados e limpar balanços de bancos, para tornar a entregar a atividade dos bancos já expurgada de ativos problemáticos e passivo, quer seja através de garantias pessoais do Estado, quer seja através de capitalizações ou resoluções, representa em todo o caso a assunção pelo Estado do risco associado a uma instituição bancária, com custos tremendos no Orçamento do Estado e com profundos reflexos na dívida pública e nos juros que sobre essa dívida incidem. A aquisição do capital de uma instituição bancária pelo Estado numa perspetiva transitória, como fizeram, em todos os casos ocorridos nos últimos anos, os governos de PS, PSD e CDS, não pode ser confundida de nenhuma forma com a nacionalização que o PCP tem vindo a propor para a utilização do recurso em favor do próprio interesse coletivo.

Ou seja, o que o PCP propõe e defende é que ao capital público corresponda a utilização da instituição ao serviço do interesse público e não a sua preparação para a entrega a novos ou velhos grupos económicos ou financeiros a preço de saldo. A “nacionalização”, entendida pelos governos de PS, PSD e CDS até aqui, tem significado apenas a nacionalização transitória da atividade da instituição e a nacionalização permanente do seu prejuízo. Essa “nacionalização” corresponde a uma instrumentalização total do Estado, da lei, contra os trabalhadores, determinando a extorsão da riqueza nacional e do produto do trabalho para a sua afetação a operações de financiamento a grandes grupos económicos.

A nacionalização de instituições bancárias, independentemente da sua dimensão, ao contrário da doutrina da classe dominante, não lesou as instituições em momento algum. Na verdade, durante o período entre 1975 e 1992 em que a banca esteve sob controlo público – político e acionista –, os bancos cresceram, mantiveram uma atividade concorrencial e o financiamento à economia nacional pública e privada. O BESCL, depois BES, por exemplo, viu os seus ativos mais do que duplicarem durante o período em que foi estritamente público. Sobre a sua importância no apoio à economia, já em 1980, cinco anos após a nacionalização, o relatório e contas indicava que o total de crédito concedido ascendia a 94 715 milhões de contos, ou seja, a mais de 60% do total de activos. Ao mesmo tempo, os trabalhadores da banca, viram os seus direitos laborais ampliados e participaram como nunca na gestão das instituições.

IV

O caso do BES / Novo Banco não é formalmente diferente do que se verificou com os restantes bancos falidos ou intervencionados. Contudo, é qualitativa e quantitativamente diferente em aspetos que lhe atribuem especial relevo na política nacional e na política para o sector financeiro. Sendo o sector financeiro um sector tão determinante para a concretização de uma política de desenvolvimento económico e social, e até mesmo determinante para a concretização de estratégias públicas orçamentais, económicas ou financeiras, não é aceitável que permaneça completamente alheio ao interesse público. Aliás, na verdade, não só não é influenciado pelo interesse público como o limita e condiciona.

O Novo Banco é uma instituição importante no contexto nacional, com uma quota de mercado ainda próxima dos 17%, apesar da perda gerada pela aplicação do mecanismo de resolução, pela estratégia de venda que tem sido seguida e pela quebra de confiança dos depositantes. Ao mesmo tempo, continua a ser a mais importante instituição no âmbito das pequenas e médias empresas, com uma presença fortíssima em todo o território nacional, mesmo física, através de uma rede de balcões muito dispersa.

O balanço do Novo Banco é agora integralmente conhecido, tendo em conta a sua detenção pela entidade pública Fundo de Resolução, na dependência do Governo e do Banco de Portugal, apesar de poder conter ainda ativos de difícil avaliação e riscos associados a futuros e presentes atos de contencioso que possam resultar da ação do Banco de Portugal.

Qualquer venda do Novo Banco a uma entidade privada, independentemente da oferta, significará, do ponto de vista político, a entrega a uma entidade alheia ao interesse nacional de uma instituição que pode ter um importante papel no sistema público bancário e na concretização de alterações políticas e económicas fundamentais para fazer frente às adversidades com que o país continua confrontado. Mais, significará igualmente a diminuição da capacidade de resposta pública a eventuais turbulências no sistema financeiro nacional, na medida em que o Estado disporá de menos um instrumento, apesar de ter suportado o seu custo.

O Fundo de Resolução é uma entidade pública financiada por impostos consignados devidos pelas instituições financeiras, fixados como parte da contribuição sobre entidades bancárias. O Fundo de Resolução detém atualmente a totalidade do capital social do Novo Banco e a aquisição desse capital, bem como a capitalização do Banco, foram conseguidas - no que ao Fundo de Resolução diz respeito - através do empréstimo de 3,9 mil milhões de euros pelo Tesouro e pela antecipação de pagamentos pelas instituições bancárias, entre as quais o banco público, das contribuições sob a forma de empréstimo concedido pelos bancos a remunerar pelo Fundo. Neste contexto, o Fundo remunera o Estado pagando o capital e os juros respeitantes ao empréstimo de 3,9 mil milhões e assume os encargos com esses juros. Tendo em conta a titularidade do Fundo, tal operação é neutra contabilisticamente porque o Estado está a pagar juros a si mesmo.

Ora, mesmo a parcela de 700 milhões de euros de empréstimo bancário e de cerca de 300 milhões que já se encontravam no Fundo, como resultado da vigência da Contribuição sobre o Sector Bancário, tem titularidade integralmente pública na medida em que corresponde estritamente a um imposto liquidado e a um empréstimo que é, na prática, uma antecipação do imposto de anos vindouros, descontada de juros. Isso significa que em qualquer caso, independentemente da origem do imposto pago, será o Estado a funcionar, não apenas como fiador da dívida, mas como seu pagador. Para todos os efeitos, o capital do Novo Banco atualmente é exclusivamente público e uma operação de assunção política da sua direção poderia enquadrar-se nos gastos públicos já assumidos.

A manutenção do Novo Banco na esfera pública representa igualmente uma oportunidade para defender a dimensão da sua rede de agências, bem como os postos de trabalho, as remunerações, as condições de trabalho e os direitos dos funcionários do banco. Para não destruir a vantagem herdada do seu antecessor, a proximidade e a confiança de numerosas pequenas e médias empresas e de outros clientes da banca comercial. Para não desarticular a unidade, a funcionalidade, a utilidade, a relevância e a viabilidade do banco, com uma venda às fatias ou então por inteiro com a subsequente partição, e eventual extinção, de importantes áreas de negócios.

V

O sistema financeiro nacional tem profundas carências de capital e detém ainda um valor indeterminado de perdas por imparidades que agravarão essas carências. A detenção do capital de bancos pelo Estado responsabiliza diretamente o Estado pelas necessidades de capital das instituições, bem como pela sua liquidez. Contudo, tal responsabilidade já existe, como financiador de último recurso num contexto em que o Estado está impedido de controlar politicamente as instituições de crédito e fortemente limitado pelas regras impostas pela Autoridade da Concorrência da Comissão Europeia e pelos constrangimentos de política monetária da União Europeia. Só superando a contradição entre essas imposições supranacionais e o interesse coletivo e nacional – a favor deste último – será possível criar uma resposta que não se restrinja a colocar o Estado como a rede de segurança de banqueiros mas antes a colocar o Estado como rede de segurança dos cidadãos e do sistema financeiro detido por si próprio, assim assumindo o Estado uma responsabilidade decisiva na determinação das perdas eventuais do Novo Banco mas também por todos os ganhos, incluindo os passíveis de recuperação no seguimento da aplicação da medida de resolução ao Banco Espírito Santo.

Assim, ao abrigo das disposições regimentais e constitucionais aplicáveis, a Assembleia da República resolve:

1. Afirmar a necessidade urgente de assegurar a direção pública do Novo Banco, fazendo corresponder os objetivos da gestão à manutenção do Banco como instituição pública ao serviço de uma política económica assente no investimento público e privado com vista ao desenvolvimento económico e à elevação da qualidade de vida e do bem-estar dos portugueses;

2. Recomendar ao Governo que adote as medidas legislativas e regulamentares necessárias à concretização da nacionalização em definitivo do Novo Banco, adquirindo ao Fundo de Resolução a totalidade do capital do Novo Banco, com a respetiva remuneração dos empréstimos concedidos e manutenção das garantias pessoais do Estado atribuídas atualmente ao Novo Banco, ponderando para esse efeito as opções de aquisição e gestão do balanço do Novo Banco, dos seus ativos, passivos e ativos desvalorizados ou “tóxicos” que melhor correspondam à defesa do interesse público e sem abdicar de nenhum mecanismo legal ao alcance do Estado no âmbito do Regime Jurídico das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras;

3. Recomendar ao Governo a nomeação dos órgãos sociais do Novo Banco, enquanto instituição bancária autónoma, após nacionalização e transformação em sociedade anónima de capitais públicos e a orientação da gestão do Banco para o reforço do sistema público bancário e para a colocação das suas opções de crédito ao serviço das necessidades de financiamento da economia nacional, numa perspetiva de progresso e desenvolvimento social;

4. Recomendar ao Governo a elaboração de um plano estratégico para a banca pública que estabeleça os objetivos materiais e temporais para a concretização de uma política de crédito ao serviço do povo e do país.

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