Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-Geral, Audição «Combate à Desertificação – promover o desenvolvimento e a coesão territorial»

Combate à Desertificação – promover o desenvolvimento e a coesão territorial

Combate à Desertificação – promover o desenvolvimento e a coesão territorial

Saudações a todos os nossos convidados e os nossos agradecimentos pela vossa presença.

É conhecido o inconformismo do Partido Comunista Português perante as crescentes desigualdades sociais e regionais que se observam no nosso País e o seu empenhamento na promoção do desenvolvimento harmonioso de todo o território nacional.

Desenvolvimento que deveria ser uma incumbência prioritária das políticas económicas e sociais de qualquer governo vinculado ao dever constitucional de promoção da coesão de todo o território nacional.

Não é isso que tem acontecido. Ao contrário do que reiteradamente os governos do PS, PSD e CDS vêm ciclicamente prometendo, o País interior continua a assistir a inquietantes processos que têm feito com que as regiões mais pobres fossem ficando cada vez mais pobres e mais escassas as oportunidades para assegurar uma vida digna às suas populações.

Sabemos da congénita tendência do sistema capitalista para produzir assimetrias e desigualdades sociais e regionais.

Em Portugal a situação é apenas mais um exemplo, agravado e acelerado por um conjunto de factores, tais como a sistemática omissão e ausência de políticas duradouras de desenvolvimento regional, políticas agrícolas nacionais e comunitárias destruidoras da produção nacional, uma gestão dos fundos comunitários que apenas tem reproduzido as desigualdades existentes, políticas de ataque aos serviços públicos, políticas orçamentais restritivas, baixos níveis de investimento público e as políticas de privatização das empresas públicas agora orientadas apenas para a obtenção do máximo lucro e não para a resposta à satisfação das necessidades das populações.

Apesar das enormes perspectivas abertas pela Revolução de Abril, nomeadamente com a Reforma Agrária nos campos do Alentejo e Ribatejo, a política de recuperação capitalista e latifundista de sucessivos governos do PS, PSD e CDS rapidamente inverteu as dinâmicas económica e social, e deu continuidade reforçada às tendências que já se verificavam nas últimas décadas do fascismo.

A política de direita prosseguida por PS, PSD e CDS é inteiramente responsável pelos dados estatísticos do INE, que evidenciam, sem margem para qualquer dúvida – nem aqueles partidos os contestam, senão não continuavam, pelo menos em palavras, a mostrar preocupação – o elevado grau de desertificação humana, de rarefacção da população nas regiões e concelhos do interior, fruto da desertificação económica e perda de emprego, quer das actividades produtivas, quer dos serviços, nomeadamente de serviços públicos. São novos problemas colocados à sociedade portuguesa, o elevado envelhecimento dessas populações e o crescente isolamento de milhares de cidadãos de idade avançada. E, particularmente, a ausência de futuro para essas regiões, sem uma decidida ruptura com as políticas que aqui nos conduziram. As assimetrias regionais, a desertificação social e económica, são apenas uma das trágicas consequências das quase quatro décadas de política de direita.

A entrada da troika e o Pacto de Agressão subscritos por PS, PSD e CDS em 2011, só vieram agravar drasticamente uma situação que já não era boa.
Não vale a pena virem com lamúrias pelos problemas do interior e do mundo rural do País e, depois, continuar a insistir nas políticas que estão na sua origem.
Podemos dizer que, na base da desertificação do interior, e em particular do seu mundo rural, estão as políticas económicas de direita. E em primeiro lugar a política agrícola, responsável pela liquidação de milhares de unidades económicas – pequenas e médias explorações agrícolas – nessas regiões. Consequência de uma política agrícola brutalmente agravada, a partir da nossa adesão à CEE, porque integrada na matriz da PAC e suas sucessivas reformas, onde a lógica do mercado e dos interesses do grande agro-negócio sempre prevaleceram, destruindo a pequena agricultura inserida nestes territórios e, consequentemente, as economias locais e regionais, que tinham nela o seu principal suporte. Falando em Évora é obrigatório sublinhar a dinamização económica e social aberta pela Reforma Agrária, inclusive com o crescimento da população e o aumento de emprego na região alentejana, e as outras consequências da sua criminosa destruição. Não há terreno nem agricultura industrial e intensiva que possa minimamente anular o desastre económico e social do fim da Reforma Agrária!
Mas outras políticas tiveram significativa responsabilidade, nomeadamente ao nível da liquidação de unidades industriais localizadas nessas zonas – indústria transformadora, indústria mineira, indústria agro-alimentar.

A política comercial, apoiada na grande distribuição que, através dos seus centros de nacionais de compras, ajudaram a destruir as economias regionais, facilitando a chegada a essas regiões de milhares de toneladas de produtos diversos, mas onde avultam produtos agro-alimentares importados.
A política orçamental, onde as restrições derivadas do PEC forçaram a uma cada vez maior redução do papel redistributivo do Orçamento do Estado, nomeadamente através do investimento público regional. Deve afirmar-se que, inclusive algumas grandes infraestruturas públicas concretizadas nestas regiões, como auto-estradas, acabaram por ficar subaproveitadas e, sobretudo, acabam até por favorecer a «desactivação económica do interior», pela chegada de mercadorias de outras regiões e países mais competitivos e pela facilidade de deslocação da sua população para o litoral e para o estrangeiro. Mas o problema não é dessas importantes e necessárias infraestruturas, mas das políticas que não potenciaram o seu aproveitamento e a capacidade de dinamização económica!

Não podem deixar de referir-se as políticas de privatização de importantes empresas estratégicas, quase todas «monopólios naturais», com uma estrutura em rede sobre todo o território nacional. A sua privatização não só liquidou a perequação de custos na definição de tarifas e preços dos seus serviços, como se traduziu na liquidação de inúmeras delegações e serviços regionais, contribuindo para a redução de postos de trabalho e, logo, a desertificação humana, em quadros importantes para essas regiões.

Falamos do caso da EDP, REN, PT, CTT, ANA, auto-estradas. A par dos processos de liquidação de serviços e delapidação das importantes empresas de transportes rodo e ferroviários.

É certamente um dos maiores crimes decorrentes da privatização da Rodoviária Nacional, que deixou sem transporte milhares de aldeias deste País. Ou a política ferroviária conducente ao desmantelamento da CP/REFER e à privatização de alguns dos seus sectores lucrativos, responsável por que milhares de cidadãos e empresas tenham ficado sem transporte ferroviário.

Cabe um papel de extraordinária gravidade nos processos de desertificação às políticas de serviços públicos essenciais, como a saúde e o ensino, a justiça e outras funções públicas.

Isso está patente no encerramento de unidades do Serviço Nacional de Saúde, nomeadamente de Urgências, Centros de Saúde, recusa e retirada do transporte de doentes, tornando cada vez mais difícil o acesso das populações a cuidados de saúde, mas igualmente no encerramento de milhares de escolas do 1º. Ciclo do Ensino Básico e na desvalorização e degradação das condições de funcionamento da Escola Pública e do ensino à míngua de recursos financeiros, humanos e materiais.

Na concretização do Mapa Judiciário que atingiu particularmente as populações do interior, cada vez mais desprotegidas com uma justiça mais distante e ainda mais cara.

As intenções declaradas de encerramento dos serviços de Finanças e delegações de outros ministérios, deixando atrás de si um vazio de respostas às necessidades das populações, acentuando os graves fenómenos de desertificação e regressão demográfica.

Para finalizar esta avaliação das políticas responsáveis pela desertificação de vastas regiões estruturais do nosso País, temos objectivamente de fazer uma referência ao comportamento dessas políticas relativamente ao Poder Local e à Regionalização.

Refira-se a política de liquidação de freguesias, que veio com a troika, e foi concretizada pelo actual governo. Só não o fizeram para os municípios porque tiveram medo da sua população!

Devo, em abono da verdade, começar por sublinhar que a situação só não é mais grave porque, apesar de todos os obstáculos, o Poder Local democrático soube responder e atenuar muitos desses factores de subdesenvolvimento. Em muitos casos substituindo-se, onde não tinha que o fazer, à intervenção e acção do governo do País.

Seja-me permitido destacar, com orgulho, o papel das autarquias CDU, nomeadamente no Alentejo, verdadeiramente na vanguarda da defesa do desenvolvimento regional.

Entre as muitas decisões negativas de sucessivos governos da política de direita, conta-se o travão e boicote do processo de regionalização, inclusive pela subversão do tecto constitucional, que permite que um imperativo da Constituição da República Portuguesa previsto no Artigo 236º, esteja por concretizar há 40 anos!

O PCP sempre considerou que não bastava regionalizar o País para corrigir as assimetrias regionais. Mas também sempre afirmámos a Regionalização como uma condição necessária por um efectivo desenvolvimento regional!

A situação económica e social do Alentejo, por exemplo, seria certamente bem melhor se a Região Administrativa «Alentejo» estivesse criada e a funcionar, conforme foi vontade democrática expressa pelas populações dos três distritos, Portalegre, Évora e Beja, no Referendo Nacional realizado em 1998!
A situação vivida pelo interior do País, e muito particularmente pelas aldeias, freguesias e concelhos do mundo rural português, tem uma causa: a política de direita. Tem responsáveis políticos: PS, PSD e CDS.

Face a uma situação que nenhum deles se atreve a negar, seria tempo de darem a volta ao texto e apresentarem respostas para este problema crucial da colectividade humana que somos!

Mas basta olhar para as suas propostas eleitorais para vermos que nada de substancial querem mudar!

A coligação PSD/CDS limita-se a «garantir» - Garantia n.º 6 - «O aprofundamento das medidas direccionadas especificamente para as necessidades dos territórios de baixa densidade (...)». Mas como ninguém conhece as «medidas» que vão ser aprofundadas – tudo o que se sabe foi que o actual governo, cumprindo as ordens da troika e o Pacto de Agressão, só tomou medidas, em todos os ministérios, de agravamento da situação destas regiões – estamos perante a mais completa fraude programática!

O PS, depois de inaudita declaração no Relatório Uma Década para Portugal, dos doze economistas, de que a «Regionalização é politicamente inviável», junta-lhe no Programa agora conhecido uma montanha de novos «palavrões» sobre o tema, para ocultar o vazio de propostas e medidas concretas para o problema.

De facto, que dizer de um capítulo que se intitula «Afirmar o Interior como centralidade no mercado ibérico» e que, depois, numa lógica de pura resolução do problema pela lógica do mercado e da empresa privada, oferece «Uma unidade de missão para a valorização do interior», «Territórios do futuro», «Concelhos enquadrados em rede», «Plataformas regionais para a empregabilidade» e, projecto dos projectos, «Parcerias Urbano-Rurais», que até já têm sigla, «PUR»!

Fica tudo dito...

Os portugueses estão fartos do discurso laudatório sobre potencialidades regionais. O que os portugueses exigem, são respostas e compromissos claros quanto a uma política de desenvolvimento e coesão territorial.

É com esse objectivo que estamos hoje aqui, ouvindo a vossa opinião e colhendo a vossa reflexão, visando aprofundar e actualizar o acervo de propostas que resultam da nossa já longa experiência de intervenção e acção, bem patente no Plano de Intervenção Económica e Social para o Alentejo, apresentado na Assembleia da República, abarcando de forma integrada as várias dimensões do desenvolvimento desta vasta Região.

Reflexões e respectivas contribuições que serão tidas em conta na proposta final do nosso Programa Eleitoral na qual se inclui, desde já, e no quadro da reestruturação do Estado que o PCP propõe como parte integrante de uma política patriótica e de esquerda, a Regionalização, com a criação de Regiões Administrativas no Continente e como um dos traços essenciais da organização do Poder Político como factor de reforma democrática e descentralização e desconcentração da Administração Pública.

A implementação da Regionalização, continua a ser um indispensável instrumento de promoção de políticas de desenvolvimento regional, de combate às assimetrias regionais e de aprofundamento da democracia, mas também uma solução para dar coerência a uma efectiva reforma da Administração do Estado e de racionalização de serviços de forma a dar resposta às necessidades das populações e garantir a concretização das Incumbências Prioritárias do Estado previstas na Constituição da República Portuguesa.

É, aliás, partindo dessas grandes e imperativas orientações constitucionais, nomeadamente a obrigação prioritária de o Estado de “promover a coesão económica e social de todo o território nacional, orientando o desenvolvimento no sentido de um crescimento equilibrado de todos os sectores e regiões e eliminando progressivamente as diferenças entre a cidade e o campo e entre o litoral e interior” que definimos como um dos cinco eixos estratégicos que estruturam a política patriótica e de esquerda garantir tal objectivo – o que visa assegurar um País coeso e equilibrado, assente num ordenamento do território e numa política ambiental que revitalize e preserve as condições de vida das populações.

Objectivo assente além da regionalização, num forte Poder Local, com medidas de reforço da sua capacidade financeira e da sua autonomia administrativa, incluindo a reposição das freguesias extintas, numa estrutura administrativa descentralizada, no aproveitamento racional dos recursos, na protecção do património paisagístico natural e construído e no desenvolvimento das redes de infraestruturas e equipamentos públicos.

Concretização que é indissociável de uma política de investimento, incluindo de uma aplicação adequada dos fundos comunitários com forte impacto no território, o que exige a sua desgovernamentalização, quer ao nível dos Programas Operacionais Regionais, quer ao nível dos programas operacionais temáticos, quer de âmbito transfronteiriço, entre outros.

Mas pressupõe igualmente uma adequada política de ambiente, ordenamento do território e de desenvolvimento regional que assuma a integração de políticas sectoriais indispensáveis a um desenvolvimento sustentado.

Um desenvolvimento que potencie as riquezas naturais do País, numa gestão democrática, planificada e racional dos recursos. Neste âmbito apresentaremos um vasto conjunto de medidas, nomeadamente uma política de recursos hídricos que, na base de uma nova Lei da Água, garanta o acesso à sua utilização como direito inalienável das populações, preserve e aprofunde a sua gestão pública e impeça a sua mercantilização.

Nesta matéria, garantir a defesa da água pública exige afastar todos os projectos de transformar o direito à água num negócio, seja pela privatização directa ou indirecta através de concessão que, ao longo da última década, PS e PSD/CDS têm preparado.

Exige que as autarquias tenham acesso aos fundos comunitários para renovar e modernizar as suas redes. Exige que se elimine o poder discricionário atribuído à entidade reguladora na formação dos preços da água a pagar pelas famílias.

A promoção de políticas de defesa e valorização do mundo rural e das regiões do interior que defendemos exige o cumprimento de obrigações de serviço público (transportes, comunicações, telecomunicações, energia, etc.) e um forte investimento do Orçamento do Estado e dos fundos do Programa 2020 na correcção do desenvolvimento desigual, tal como o desenvolvimento de políticas para as cidades que privilegiem a reabilitação e a renovação urbanas que invertam os actuais processos de degradação ambiental.

Muitas vezes temos afirmado que não basta concretizar políticas regionais, são necessárias políticas nacionais complementares que favoreçam o desenvolvimento do País no seu conjunto e tenham em conta as especificidades do desenvolvimento do interior e dos graves problemas de desenvolvimento que hoje enfrentam.

Políticas e medidas dirigidas, principalmente à revitalização das suas economias debilitadas que só podem ser asseguradas com mais investimento público dirigido à criação de infraestruturas de desenvolvimento, a acções de investigação associadas à produção, à modernização e apoio dos seus sectores produtivos, com particular ênfase à agricultura e à agro-indústria, à utilização racional dos seus recursos e no seu aproveitamento para o desenvolvimento de novos sectores de actividade, no quadro de uma política de reindustrialização do País.

Por isso, no nosso Programa Eleitoral constará a defesa de uma política agrícola que, a par da racionalização fundiária pelo livre associativismo no Norte e Centro do País, tenha por eixo central uma profunda alteração fundiária que concretize, nas actuais condições, uma Reforma Agrária nos campos do Sul, liquidando a propriedade de dimensão latifundiária, condicione por lei o acesso à terra pelo capital estrangeiro, trave a exploração intensiva e a especulação imobiliária «turística», e realize o aproveitamento das potencialidades agrícolas do Alqueva.

Muitas outras dimensões poderiam aqui ser referências como importantes para a promoção do desenvolvimento e da coesão do território nacional, mas esta intervenção é apenas o pontapé de saída, outras aqui virão, que irão certamente enriquecer o nosso Programa Eleitoral.

Mais uma vez agradecemos a vossa presença e contribuições.

  • Programa Eleitoral do PCP - Legislativas 2015
  • Poder Local e Regiões Autónomas
  • Central