Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-Geral do PCP, Romagem de evocação dos 75 Anos do assassinato de Ferreira Soares

75 Anos do assassinato de Ferreira Soares

75 Anos do assassinato de Ferreira Soares

Uma vez mais aqui estamos a prestar a nossa homenagem ao camarada António Ferreira Soares, assassinado pela polícia fascista no dia 4 de Julho de 1942, faz agora precisamente 75 anos.

Aqui estamos nesta sempre sentida homenagem ao homem profundamente humano e militante comunista e ao seu exemplo de coragem e dedicação à luta do nosso povo pela liberdade e a democracia, pela sociedade nova, livre da exploração e da opressão e que permanece, ao lado de outros, como uma referência na vida do nosso colectivo partidário e da luta do nosso povo por um mundo melhor e mais justo.

Estamos aqui porque honramos e não esquecemos, nem deixamos esquecer, os nossos lutadores e os nossos mártires e ao voltarmos aqui, ao cemitério de Nogueira da Regedoura, queremos não apenas demonstrar respeito e admiração pelo exemplo desse combatente íntegro que foi António Ferreira Soares, mas também a nossa determinação para prosseguirmos a sua luta - a nossa luta.

Não esquecemos, nem deixamos esquecer a admirável dimensão fraterna e solidária de Ferreira Soares - o médico dos pobres - como era conhecido entre o povo, sempre pronto e disponível para acudir a quem precisasse, fosse a que horas fosse e tivesse ou não tivesse dinheiro para pagar a consulta.

A sua profunda humanidade não pode ser desligada da visão do mundo que resultava da opção política que tomou, dos valores do projecto de construção de um mundo novo, sem exploradores nem explorados que abraçou em vida.

Não esquecemos, nem deixamos esquecer, o dedicado revolucionário à causa dos trabalhadores e do seu povo.

Ferreira Soares era, para além de médico altamente prestigiado e destacado quadro do PCP, membro do Comité Regional do Douro, um incansável lutador pela unidade das forças antifascistas. Um homem empenhado, no quadro da acção do seu Partido, no desenvolvimento de amplos movimentos unitários antifascistas.

Ferreira Soares viveu num tempo duro e difícil. Há 75 anos, quando caiu varado pelas balas, o País vivia não só sufocado por uma brutal ditadura fascista, mas também uma situação internacional marcada pelo avanço (até aí) imparável do nazi-fascismo na Segunda Guerra Mundial que acentuava todos os negros e trágicos traços da sua violência terrorista, perseguindo ferozmente os seus opositores, particularmente os militantes do PCP, prendendo-os, torturando-os, assassinando-os, ameaçando as suas famílias e amigos.

Tempos que reclamavam toda a coragem do mundo. E essa estava bem expressa na ampla luta que então se desenvolvia e que era o resultado do processo iniciado com a importante reorganização do PCP de 1940/1, que o transformaria no grande Partido nacional da resistência e unidade antifascista, e na vanguarda da classe operária e das massas trabalhadoras.

Tempos duros e difíceis, mas também tempos de luta. Tempos em que a luta da classe operária e dos trabalhadores alastra por todo o País, incidindo praticamente em todas as áreas de actividade e, ao mesmo tempo, por efeito da acção empenhada do Partido, a unidade das forças democráticas e antifascistas dá significativos passos em frente e que irá depois conduzir à criação do MUNAF (Movimento de Unidade Nacional Antifascista) e de outros movimentos antifascistas.

Foi neste tempo difícil, em que escolher o lado certo da barricada e fazer a opção justa, comportava consequências previsivelmente difíceis, que António Carlos Ferreira Soares – médico do povo, intelectual, etnógrafo, contista, crítico, cidadão exemplar – aderiu ao PCP para, como ele próprio disse, ficar «mais perto do possível convívio e organização das massas populares».

Por isso, ao invocar o seu nome, é a longa luta contra a ditadura que temos presente. É lembrar que em Portugal houve fascismo e que este, como é da sua natureza, foi um regime cruel e assassino.

Ao nomear o seu nome associamos todos os camaradas assassinados, todos os antifascistas que perderam a vida ou sofreram as consequências da sua opção de fazer frente ao odioso regime fascista.

Recordar e homenagear, hoje, o camarada António Ferreira Soares, a sua postura de militante comunista, de resistente antifascista, para além de um acto da mais elementar justiça, é também uma forma de dar resposta e combate às operações visando o branqueamento do fascismo e o silenciamento e condenação dos que o enfrentaram e lhe resistiram heroicamente.

É não deixar cair no esquecimento que houve sempre quem lhe resistisse, quem enfrentasse todos os perigos para que a luta não parasse e se desenvolvesse, quem pagasse com a própria vida a dedicação à causa da libertação do povo português.

É convocar a história e a luta do PCP e de gerações de comunistas. A história de um Partido construído com o sofrimento e o sangue de muitos dos seus melhores. Essa história que se confunde com a história e a luta do nosso povo. A história de um Partido que nunca se quedou perante a repressão. Que nunca claudicou, nem se rendeu. Que lutou todo tempo que foi preciso, em todas as circunstâncias e correndo todos os riscos, para derrotar a negra e perversa ditadura e fazer chegar a revolução vitoriosa do 25 Abril. Que teve um papel determinante na construção do regime democrático e que tem estado na primeira linha de resistência contra a política de direita de destruição de Abril.

Há quem queira rasurar da história esse papel ímpar do Partido Comunista Português. Há quem queira apagar a importância, o conteúdo e o significado da resistência antifascista e do papel nela desempenhado pelo PCP – numa operação que é parte integrante da acção de denegrimento dos comunistas, do seu projecto e do seu ideal transformador e libertador; uma operação que visa ocultar a prática dos comunistas na assumpção do seu compromisso de sempre com os trabalhadores, o povo português, a independência e a soberania de Portugal – esse compromisso ao qual o camarada Ferreira Soares dedicou a sua vida; esse compromisso que, setenta e cinco anos passados, aqui assumimos como bússola orientadora da prática presente e futura do PCP e dos militantes comunistas.

O mundo mudou muito desde então e mudou também Portugal. Portugal dos anos quarenta não é o Portugal desta segunda década do século XXI.

Mudou muita coisa em resultado das alterações operadas na economia, nas forças produtivas e nas relações de produção, com o processo de expansão da exploração capitalista a nível planetário.

Mudou muito com o desenvolvimento técnico e científico que permitiu criar mais riqueza, fazer crescer o PIB no mundo e em Portugal. Mas apesar do aumento imenso da riqueza criada, os mais ricos tornaram-se mais ricos e os pobres ficavam um pouco mais pobres.

Mudou Portugal sob o impacto da Revolução de Abril para a qual Ferreira Soares deu o seu contributo e a sua vida. Revolução que, restituindo as liberdades, abriu as portas a novas e grandes conquistas e a profundas transformações sociais a favor dos trabalhadores e do povo, que nestes últimos anos estiveram sob o fogo intenso de uma inaudita ofensiva do grande capital e dos seus aliados políticos com a imposição do agravamento da exploração e a liquidação dos direitos laborais e sociais.

Mudou muito e muitas coisas, mas não mudou a natureza exploradora, predadora e destruidora do capitalismo, nem desapareceram os dramas e os flagelos sociais que produz e que tem na política de direita que o serve em Portugal o instrumento para a sua eternização e agravamento.

Vimos isso nestes anos de ofensiva de recuperação capitalista e restauração monopolista contra Abril promovida por governos do PS, PSD e CDS e insuflada pela Europa dos monopólios e que conheceu uma particular amplitude e intensidade nestes anos de PEC e de Pacto de Agressão, com consequências dramáticas na vida da grande maioria dos portugueses.

Uma situação social crescentemente degradada com níveis de desemprego, de precariedade, emigração e pobreza inaceitáveis, uma desvalorização acentuada dos rendimentos do trabalho, baixos salários e baixas reformas e restrições no acesso a serviços públicos essenciais à vida e ao bem-estar das populações, nos domínios da saúde, da educação, da segurança social e da cultura.

É por isso que todas as causas porque lutava António Ferreira Soares, são as causas que dão sentido aos combates de hoje.

Desde logo à causa da defesa dos trabalhadores e do povo, dos seus justos interesses e direitos, apesar dos passos positivos dados nesta nova fase da vida política nacional na reposição de direitos e rendimentos, mas que está aquém do era necessário e possível assumindo outra política.

A causa do combate às desigualdades e injustiças sociais. A causa dos que têm o compromisso, como nós, de lutar e organizar a luta para lhes pôr termo. A causa dos que sempre souberam que nunca nada foi oferecido, tudo foi conquistado, incluindo com o sofrimento de muitos!

Mudou muito a situação, o fascismo acabou derrotado, mas a causa da liberdade e da defesa da democracia assumem hoje uma crescente preocupação. Ontem inexistente, hoje mutilada em muitas das suas dimensões, a democracia e as liberdades são crescentemente confrontadas com os avanços das soluções autoritárias e fascizantes na Europa e no mundo e com o crescimento da xenofobia e do racismo que a política dominante perigosamente alimenta.

Mudou muito a vida que nos separa daqueles anos, mas luta pela defesa do desenvolvimento económico, tendo como elemento integrante o progresso social, permanece como outra causa, que reclama a urgência de uma política verdadeiramente alternativa, capaz de recuperar a soberania perdida no desastroso processo de integração capitalista da União Europeia e na adesão ao Euro, e romper com o domínio monopolista na vida nacional.

Não temos uma guerra generalizada na Europa, como no tempo de Ferreira Soares, mas a defesa da causa da paz e da amizade e cooperação entre os povos não nos pode deixar descansados, quando sopram fortes os ventos da militarização, envolvendo as principais potências capitalistas e se apresenta uma situação internacional crescentemente instável e inquietante, cada vez mais marcada por uma violenta ofensiva do imperialismo.

Sim, mudou muito e muita coisa, mas permanece o Partido que António Ferreira Soares honrou com a sua dedicação e coragem.

Mudou muito e muita coisa, mas permanece a «profunda convicção de que é justa, empolgante e invencível a causa porque lutamos», que vem do mais belo de todos os ideais, o ideal de liberdade, de justiça social, de paz, de fraternidade, de camaradagem, de solidariedade: o nosso ideal comunista.

Este ideal comunista que foi fonte de inspiração, de força, de coragem, na acção do camarada Ferreira Soares e é igualmente a sólida raiz da firme determinação dos comunistas de hoje, que lhes permite prosseguir a luta pelos objectivos pelos quais o camarada Ferreira Soares deu a sua vida.

Uma luta que é sempre pela liberdade e pela democracia; sempre pela independência e soberania de Portugal; sempre tendo os valores de Abril como referência maior; sempre ao lado dos trabalhadores e do povo – e sempre tendo no horizonte a construção de uma sociedade liberta da exploração do homem por outro homem. E a firme determinação de prosseguirmos essa luta o tempo que for necessário, é a melhor homenagem, o melhor tributo à memória do camarada António Ferreira Soares.

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