Projecto de Resolução N.º 305/X

Visa o reforço dos meios da Autoridade para as Condições do Trabalho e a garantia da eficácia da sua intervenção

Visa o reforço dos meios da Autoridade para as Condições do Trabalho e a garantia da eficácia da sua intervenção

A realidade laboral portuguesa caracteriza-se hoje pelas condições de crescente precariedade vividas pelos trabalhadores e pelo desrespeito pelos seus direitos. Esta realidade tem como principal causa as opções de sucessivos governos que vêm atacando e reduzindo os direitos dos trabalhadores, promovendo a alteração do quadro legal sempre em prejuízo destes, e que têm o seu expoente máximo no Código do Trabalho, na sua regulamentação um significativo expoente.

Mas se, por um lado, as alterações à legislação laboral têm contribuído de forma decisiva para a degradação das condições de trabalho e de vida dos trabalhadores, por outro lado, o incumprimento dessa legislação contribui igualmente para a preocupante realidade em que vivemos. As situações de incumprimento da legislação laboral e das regras da contratação colectiva, em matérias como os vínculos contratuais, os horários de trabalho, as condições de saúde, higiene e segurança no trabalho, o trabalho infantil, os direitos de maternidade e paternidade, ou os direitos dos representantes dos trabalhadores assumem hoje uma tal dimensão que não será demais dizer que o combate a estas situações é o combate que se impõe travar contra a recuperação de formas de exploração dos trabalhadores características do século XIX.

A frequência com que surgem relatos de entidades patronais que impõem horários de trabalho ou vínculos contratuais ilegais, ou ocorrem acidentes de trabalho provocados pela falta de condições de segurança, denunciam a dimensão das ilegalidades cometidas nas relações laborais em Portugal.

Os números relativos à actividade da Inspecção-Geral do Trabalho, agora Autoridade para as Condições do Trabalho, constantes do Relatório Anual de Actividades de 2006, permitem confirmar esta análise da realidade laboral portuguesa.

Só no ano de 2006 foram realizadas 65.284 visitas inspectivas, representando um aumento de 21% relativamente ao ano de 2005.

O número de intervenções inspectivas a pedido foi de 14.261, sendo que deram entrada nos diversos Serviços Regionais 19.161 pedidos de intervenção (dos quais 43,2% tiveram origem em denuncias de trabalhadores por conta de outrem). Este indicador tem vindo a aumentar ao longo dos anos: em 2002 deram entrada 15.058 pedidos de intervenção e em 2006, 19.161 pedidos registando um crescimento de cerca de 27%. A maioria dos pedidos é efectuada pelos trabalhadores, deixando bem patente a contínua violação por parte das entidades patronais das leis laborais. A Autoridade para as Condições do Trabalho, com a sua actividade inspectiva, fiscalizadora e sancionatória, é por isso um instrumento fundamental para o combate às práticas ilegais que marcam diariamente a realidade laboral e que afectam milhares de trabalhadores. A intervenção daquela entidade em torno dos problemas concretamente identificados nos locais de trabalho permite frequentemente prevenir ou corrigir de forma célere, situações de duvidosa legalidade ou mesmo de atropelo da Lei. Face à realidade laboral portuguesa revelada pelo referido relatório, as exigências que se colocam a esta entidade serão certamente acrescidas no futuro.

Tendo isto em conta, é fundamental que a Autoridade para as Condições do Trabalho disponha de condições de funcionamento adequadas às exigências das suas funções. Perante uma realidade tão complexa e exigente como a que vivemos e com a perspectiva da sua complexificação no futuro, a importância da intervenção inspectiva e sancionatória desta Autoridade exige a adequada afectação de meios, nomeadamente no que respeita ao número de inspectores.

Segundo dados disponibilizados em 2007, apenas 307 lugares do quadro se encontravam preenchidos, sendo que somente 250 estavam ao serviço (quando em 2005 eram 266). Os inspectores que a ACT tem hoje a operar no terreno, que em concreto estão afectos aos seus 32 serviços regionais, são em número de apenas 242.

Ainda em 2006, foi anunciada a abertura de um concurso público para a admissão de 100 novos inspectores do trabalho, concurso esse que teria uma modalidade mais célere de tramitação, por força da necessidade de contratação destes técnicos. Tal concurso só viria a ser lançado em Julho de 2007. A lista de candidatos admitidos a concurso só foi publicada em Janeiro passado, aguardando ainda os interessados que haja o esperado desfecho. Em 2008 ainda não há notícia do efectivo reforço de inspectores na Autoridade para as Condições do Trabalho. Feitas as contas, considerando que os 572 lugares do quadro incluem 39 lugares a extinguir quando vagarem, e ainda que venham a ser admitidos todos os 100 candidatos por via do concurso que corre os seus lentos termos, a ACT manteria um quadro com vagas por preencher. Este apurado número de vagas excede em 27 lugares o número de inspectores que a ACT tem nos seus serviços regionais (242). A actividade inspectiva da Autoridade para as Condições do Trabalho funciona apenas pela metade.

Estes números revelam uma preocupante situação de escassez de inspectores, quer face às necessidades da Autoridade para as Condições do Trabalho, quer face aos parâmetros definidos pelo Comité de Peritos da Organização Internacional do Trabalho nesta matéria.

Por um lado, no que respeita às necessidades da Autoridade para as Condições do Trabalho, a escassez de inspectores é reconhecida, inclusive pela tutela.

Por outro lado, quando comparado com a população empregada, o número de inspectores é manifestamente deficitário face aos parâmetros definidos internacionalmente. O rácio definido pelo Comité de Peritos da Organização Internacional do Trabalho de 1 inspector por cada 10.000 trabalhadores está longe de ser respeitado em Portugal, onde aquela relação é de um inspector por cada 19.257 trabalhadores.

Assim sendo, o reforço do número de inspectores da Autoridade para as Condições do Trabalho é hoje uma condição fundamental para que esta inspecção cumpra cabalmente as funções que lhe estão atribuídas.

Nestes termos, a Assembleia da República resolve, nos termos do nº 5 do artigo 166º da Constituição da República Portuguesa, recomendar ao Governo que:

1. Sejam adoptadas as medidas necessárias ao preenchimento das vagas do quadro de inspectores da Autoridade para as Condições do Trabalho;

2. Sejam adoptadas, com carácter de urgência, as medidas necessárias a garantir o cumprimento das orientações da Organização Internacional do Trabalho em matéria de inspecção do trabalho, nomeadamente a existência de pelo menos um inspector por cada 10.000 trabalhadores;

3. Sejam definidas orientações e adoptado um programa de formação regular, que permita a adequação permanente dos procedimentos inspectivos a uma intervenção eficaz, em matéria de inspecção do trabalho, no quadro dos princípios inscritos na Constituição da República Portuguesa de defesa dos direitos dos trabalhadores aí consagrados.

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