Editorial do jornal «Avante!»

Uma curva difícil e perigosa

A revolução portuguesa passa uma curva difícil e perigosa. A pesada derrota das forças da esquerda militar reflectir-se-á sem dúvida, nos tempos mais próximos, no enfraquecimento das forças revolucionárias e do movimento popular. A viragem à direita PS-PPD apoiada por círculos dos mais reaccionários e conservadores tende a adquirir agora uma base de força militar mais favorável.

Entretanto, seria um grave erro de cálculo das forças reaccionárias e conservadoras pensarem que poderão impor ao pais a política que quiserem. O movimento operário é poderoso. As massas populares estão decididas a defender as liberdades e outras conquistas da revolução. Portugal prosseguirá no caminho da democracia e do socialismo.

O povo disse não à viragem à direita

A tentativa de viragem à direita do PS-PPD, a tentativa de pôr em causa as conquistas da revolução, como a liberdade dos meios de informação, as conquistas sociais dos trabalhadores, as nacionalizações e a reforma agrária,- tentativas em grande parte consumadas no decurso do estado de sitio parcial - encontraram a firme e poderosa resistência da classe operária e das massas trabalhadoras.

Em grandiosas greves, paralisações e manifestações, que culminaram na histórica concentração de mais de 300000 pessoas em Lisboa, no dia 16 de Novembro, a classe operária e as massas populares disseram não às tentativas de viragem à direita.

A formidável resistência popular impossibilitou a aplicação da política de direita do PS-PPD e acabou por conduzir o governo a um beco sem saída.

Foi o fracasso da tentativa de viragem à direita e a impotência do PS-PPD de imporem a sua política anti-popular no quadro das amplas liberdades do novo Portugal democrático que levou ao recurso crescente pelas esferas do poder a métodos de repressão.

O PS, o PPD e outros falsos democratas mostraram pelos seus actos as suas reais concepções e sentimentos antidemocráticos. Mostraram estar dispostos a proteger e estimular a contra-revolução e a liquidar as liberdades desde que os trabalhadores e as massas populares utilizem as liberdades contra os privilégios das classes exploradoras e parasitárias que o PS, o PPD e esses falsos democratas na realidade defendem.

O comunicado do Secretariado Nacional do PS emitido logo após a liquidação da sublevação militar e toda a orientação seguida em relação aos últimos acontecimentos, orientação que é hoje fortemente contestada por muitos socialistas e mesmo certas das suas organizações em bloco, são uma comprovação flagrante de tais concepções e sentimentos antidemocráticos. Da mesma forma, mas ainda mala grave é o documento de oito páginas do PPD que é um reportório de ideias e posições do mais extremo reaccionarismo.

A ofensiva antidemocrática

Incapazes de imporem a viragem à direita por métodos democráticos, a aliança PS-PPD recorreu de forma crescente a métodos administrativos e repressivos, tanto contra o movimento popular, como contra o movimento revolucionário nas forças armadas.

Na cola do PS e do PPD a contra-revolução avançou mais alguns passos: As sublevações contra-revolucionárias em Rio Maior e no oeste e os assaltos por bandos armados a cooperativas agrícolas no Alentejo nos dias 24 e 25 são marcas da intensificação planificada das actividades contra-revolucionárias sob a asa protectora da aliança PS-PPD e de sectores militares conservadores, lançados numa política repressiva.

A ofensiva reaccionária e direitista contra os meios de comunicação social e as sucessivas tentativas de os silenciar coroadas de êxito com as últimas medidas promulgadas ao abrigo do estado de sítio mostrou bem que os falsos democratas não suportam a liberdade de opinião, a liberdade da crítica, a liberdade no esclarecimento. As tentativas de controlo e monopólio dos meios de comunicação pela aliança PS-PPD mostra o seu falso pluralismo, a sua real vocação antidemocrática e ditatorial.

As acusações provocatórias de tentativas de assalto ao poder sempre que se realizam grandes manifestações populares - que entretanto se desenvolvem em completa ordem e disciplina em contraste com as desordens e violências das manifestações PS-PPD-CDS - mostram que os falsos democratas, que usam e abusam das liberdades de reunião e manifestação, não suportam o uso das liberdades pelos trabalhadores e pelas forças progressistas.

Após a formação do VI Governo Provisório, a pressa de saneamentos à esquerda nas forças armadas, de afastamento de comandantes revolucionários e de liquidação de unidades que sempre estiveram com a revolução, tiveram como fim colocar as forças militares ao serviço da viragem à direita.

E nessa política de repressão nas forças armadas que se têm de encontrar as razões da indignação e revolta de numerosos militares no dia 25 de Novembro. As sublevações espontâneas dos paraquedistas mostram a profundidade dos sentimentos de indignação contra métodos administrativos de direita.

Ao mesmo tempo que manifesta a sua solidariedade para com os militares revolucionários e progressistas que lutaram e lutam ao lado do povo trabalhador, em defesa da revolução, o PCP atribui graves responsabilidades nos acontecimentos a certos partidos, grupos e elementos esquerdistas irresponsáveis que, julgando poder-se brincar às insurreições e às tomadas do poder, comprometeram uma solução política pela qual o PCP se tem batido persistentemente e conduziram ao desastre alguns sectores militares.

As últimas medidas do Conselho da Revolução de atenuação do estado de sítio constituem um passo para a normalização da situação mas é ainda insuficiente e insatisfatório.

O estado de sítio na Região Militar de Lisboa deverá ser urgente e totalmente levantado. Se o estado de sítio fosse utilizado para instaurar um poder de direita, nenhum dos gravíssimos problemas que defronta a revolução portuguesa poderia ser resolvido.

Que não se iluda a reacção. O povo português continua firmemente decidido a defender as liberdades e as conquistas da revolução e a Impedir a restauração duma nova ditadura.

Por uma solução política

No momento em que se escrevem estas linhas, é ainda difícil prever todo o desenvolvimento e repercussões dos acontecimentos militares dos últimos dias. Uma coisa é certa. No quadro dum regime de liberdades, em Portugal só seria possível governar com um governo de esquerda e com uma política de esquerda. Uma política de direita pondo em causa as conquistas da revolução, só com repressão de tipo fascista poderá ser aplicada.

No decurso do agravamento da crise, o PCP insistiu constantemente na necessidade de uma solução política, a começar pelas estruturas do poder (MFA e Governo).

Que todos aqueles que não desejam ver de novo a pátria ensanguentada pelo terror fascista reflictam a tempo porque não é ainda tarde mas começa a sê-lo.
Tal solução continua na ordem do dia. A depuração maciça à esquerda que se está a operar nas forças armadas, poderá incitar a reacção a exigir a acentuação da política de direita do Governo Provisório.

Mantendo firmemente as suas organizações, reforçando a sua unidade, não se deixando desanimar pelos actuais acontecimentos militares, prontos para a acção de massas, serenos e confiantes, a classe operária, as massas populares, todas as forças progressistas e democráticas impedirão que assim aconteça.

A revolução portuguesa passará com êxito mais esta curva difícil e perigosa.

Temos confiança em que Portugal continuará no caminho da democracia e do socialismo.

  • 25 de Novembro de 1975
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  • 25 de Novembro