Intervenção, Comício

Intervenção de Álvaro Cunhal na Sessão de esclarecimento em Moscavide

O nosso Partido considera que a crise que a Revolução portuguesa atravessa é uma crise profunda e perigosa. Esta crise atingiu praticamente todos os sectores da vida nacional. Temos dito que esta crise é uma crise política, é uma crise militar, é uma crise social, é uma crise económica, é uma crise ideológica e é uma crise em que apanhamos ainda a ressaca das dificuldades da descolonização, particularmente em Angola. Para complicar mais as coisas vemos uma grande agressividade do imperialismo, que pretende, seja pela coacção económica, seja pela pressão diplomática, mudar a direcção da política portuguesa e impedir que a Revolução portuguesa se encaminhe para o Socialismo. É uma crise profunda que levou, tempos atrás, não há muito, a dificuldades muito sérias nos órgãos centrais do poder político, ou seja, nas estruturas superiores do MFA e do Governo.

Todos acompanhámos a evolução da situação e vimos que num determinado momento se correu o risco de que essa vanguarda das Forças Armadas, em certa medida a vanguarda da Revolução portuguesa, o MFA, se dissolvesse. Todos nos recordamos que o Conselho da Revolução estava paralisado, que foi criado um Directório com três pessoas, três dirigentes militares, o Presidente da República, o primeiro‑ministro e o chefe do COPCON, mas que esse directório não chegou a funcionar com eficiência, e que se correu o risco da dissolução do MFA como movimento progressista e como vanguarda revolucionária.

Foi um momento particularmente perigoso, uma vez que por um lado se verificava esta situação nas Forças Armadas e por outro lado havia uma paralisação do Governo, uma situação em que o governo já não podia governar, na medida em que não tinha os apoios necessários. Refiro‑me ao governo que demorou semanas a formar, o governo de Vasco Gonçalves, e a pressão que era feita pelas forças de direita e direitistas, depois da saída do Partido Socialista e do PPD do Governo, tentando já então provocar uma viragem à direita com a demissão do primeiro‑ministro e com uma remodelação dos órgãos superiores do MFA.

Essa crise procuraram alguns que se saísse dela no sentido da direita e procuraram as forças da esquerda que a saída fosse uma saída progressista que correspondesse aos interesses, às aspirações e aos objectivos da classe trabalhadora e das massas populares do nosso país. Podemos dizer que a solução imposta que alguns pensaram encontrar para a crise está ainda a agravar e a aprofundar mais essa crise.

Disseram socialistas, disse o PPD, disseram forças militares conservadoras, que uma vez que saísse Vasco Gonçalves do Governo, uma vez que nos organismos superiores do Movimento das Forças Armadas houvesse um maior peso dos elementos moderados e uma saída de elementos revolucionários, uma vez que se formasse um governo de hegemonia PPD, PS e elementos mais moderados do Movimento das Forças Armadas, particularmente o «Grupo dos Nove», imediatamente se assistiria a um reforço da autoridade, à diminuição da tensão política e militar, à resolução dos problemas económicos e a uma diminuição dos conflitos sociais. Todos vemos que foi precisamente o contrário que sucedeu. Formou‑se este Governo, houve a remodelação das estruturas superiores do MFA, mas o certo é que aumentam os conflitos sociais, a disciplina militar diminui, são contestados os comandos e não se resolvem nem os problemas sociais, nem os problemas económicos, nem os problemas políticos, nem os problemas militares, nem os da descolonização.

É nesta situação que nos encontramos e as perguntas que os camaradas fazem correspondem a esta situação.

Forças Armadas

A solução da crise, da crise do poder político, passa pela solução da situação existente nas Forças Armadas e da situação existente no Governo.
A nosso ver, necessitamos de uma solução melhor, quanto às Forças Armadas e quanto ao Governo.

Nas Forças Armadas a situação é muito complexa. Os camaradas sabem da remodelação última do Conselho da Revolução. A nosso ver a representação da esquerda militar, das forças revolucionárias militares, ficou diminuída e inconvenientemente diminuída para a Revolução portuguesa. Quer isto dizer que pensamos que deve ser reforçada a posição da esquerda militar, ou seja a chamada esquerda militar e os oficiais do COPCON, nos organismos superiores do MFA. É uma falta grave e que não está a simplificar as coisas para a extinção da crise.

Quanto ao Governo, os camaradas sabem que nos opusemos à entrada do PPD, que é um partido reaccionário, é um representante da reacção nas estruturas governamentais, não está aí para defender a Revolução nem para defender as liberdades, está aí como representante das forças reaccionárias para comprometer a própria Revolução.

Portanto interessa ver a situação em que nos encontramos no MFA, no governo e na situação política em geral.

No MFA, a situação é complicada como todos vemos, e é complicada pela estruturação dos seus próprios organismos e pela diminuição que houve nas últimas semanas, para não dizer nos últimos meses, da intervenção revolucionária do MFA como tal no conjunto das Forças Armadas. A direita reaccionária, a direita fascizante, que ainda tem posições sérias nas Forças Armadas, particularmente nos oficiais do quadro permanente, aproveitou as divergências e conflitos existentes no próprio Movimento das Forças Armadas para avançar, para ganhar posições e para reforçar de uma maneira geral a sua actividade no seio das próprias Forças Armadas. Não tem havido saneamentos à direita, tem havido, sim, saneamentos à esquerda.

Nas Forças Armadas representam um papel importante os chefes militares. Mas é muito difícil, os camaradas compreenderão, de aqui, em nome do Partido Comunista, esclarecer a opinião do Partido Comunista sobre cada um dos chefes militares. Nós devemos e podemos dar uma opinião política sobre as situações, mas não dizemos que em tal chefe militar podemos ter confiança ou não e naquele podemos também ter confiança ou não ter confiança.

O nosso Partido não se deve envolver em dar opinião individualizada acerca dos chefes militares, tanto mais que, como nós temos observado, o movimento militar revolucionário em Portugal é um movimento jovem, um movimento que não tem cinquenta anos de vida revolucionária e portanto uma estruturação ideológica e uma preparação de quadros como podem ter outras forças políticas, que é o caso do Partido Comunista, e daí ser perfeitamente natural que haja uma certa evolução nos homens. Os homens, os revolucionários do 25 de Abril, cada um tem a sua história própria e houve talvez momentos da sua vida em que não eram revolucionários, muito longe disso.

Entretanto deram depois uma contribuição positiva para a libertação do nosso povo e a partir do 25 de Abril muitos desses homens tiveram uma intervenção, em alguns casos determinante, em reformas profundas de carácter económico e social que permitiram à nossa Revolução aproximar uma fase democrática de uma fase socialista. Portanto, cada homem tem a sua evolução, e não é de ligar cada homem em definitivo a uma posição que tenha tomado num momento ou noutro da sua vida política, antes do 25 de Abril e depois do 25 de Abril. Creio que isto explica a dificuldade e a impossibilidade de um representante da direcção do Partido Comunista responder a uma das perguntas feitas e de me pronunciar individualmente sobre os chefes militares.

O que nós temos defendido e continuamos a defender é que a esquerda militar, esquerda revolucionária, deve estar mais fortemente representada nos órgãos superiores do Movimento das Forças Armadas e defendemos que devem terminar definitivamente os saneamentos à esquerda e que devem começar, e de maneira firme, os saneamentos dos reaccionários que ainda têm postos de comando, que ainda estão nas Forças Armadas e pretendem obrigar a uma viragem à direita.

PPD e PS no governo

Quanto ao governo, já há pouco disse que o nosso Partido se opôs à participação do PPD e as razões por que se opôs. Não nos opusemos apenas à participação do PPD. Recusámos as propostas para nos encontrarmos com o PPD, não quisemos encontrar‑nos de forma nenhuma com representantes do PPD. Recusámos mesmo sermos recebidos simultaneamente com o PPD, com o Presidente da República e com o indigitado primeiro‑ministro. Não quisemos nenhumas conversações com esse Partido porque entendemos que neste momento não há nenhuma plataforma possível entre um partido revolucionário como é o nosso e o PPD, que está ao serviço da reacção.

E continuamos a pensar que o PPD está mal no governo, e que, para a solução da crise, uma das boas medidas seria, desde já, a saída do PPD do governo. Não faz lá nada e tudo indica que conspira.

Em relação ao Partido Socialista, tomámos uma posição um pouco diferente. Pensamos que a direcção do Partido Socialista tem grande responsabilidade na situação que foi criada, na crise e no aprofundamento da crise, pensamos que a direcção do Partido Socialista tem feito uma política voltada para a direita, de alianças com a direita, de anticomunismo e é grande responsável pelo avanço da reacção. Mas pensamos ao mesmo tempo que o Partido Socialista e a base de apoio do Partido Socialista e os seus militantes são coisa diferente da generalidade dos militantes e dos quadros do Partido Popular Democrático. Em muitos casos, ao nível local, ao nível das instituições, ao nível de empresas, nós, os comunistas, temos boas relações com os socialistas. Há muitos socialistas que estão descontentes com a política de direita dos seus dirigentes. Em muitos casos temos recebido manifestações de solidariedade por parte de socialistas. Mesmo em relação a assaltos a Centros de Trabalho do Partido Comunista, se, em alguns casos, os dirigentes locais socialistas tiveram responsabilidades na criação do ambiente político que tornou fácil esse assalto por bandos fascistas, há também casos, infelizmente raros, em que militantes socialistas mostraram a sua solidariedade activa para com os nossos camaradas na defesa dos Centros de Trabalho. Portanto, vemos de maneira diferente a nossa política em relação ao Partido Socialista.

Na correlação de forças existente no nosso país, na distribuição das forças políticas há que procurar atrair o Partido Socialista, não digo os seus dirigentes, mas sim o Partido Socialista no seu conjunto, a uma política democrática, uma política voltada para o apoio às reformas de carácter económico e social que se realizam no nosso país.

Nas negociações para a formação do VI Governo Provisório, o nosso Partido recusou também sugestões e propostas para ter um encontro com o Partido Socialista, um encontro bilateral, em que fôssemos considerar com o Partido Socialista as possibilidades de uma plataforma comum de entendimento para o VI Governo. O Partido Socialista estava, como ainda continua a estar, numa posição anticomunista e estava com uma aliança com o PPD e com outras forças reaccionárias. Não teria sentido numa tal situação irmo‑nos sentar a uma mesa com o Partido Socialista, a sós, bilateralmente, para resolvermos problemas da formação do VI Governo. Estou certo de que uma grande parte da classe operária e mesmo uma grande parte do nosso Partido não compreenderia nesta situação que nós tivéssemos um encontro com o Partido Socialista.

Aceitámos, entretanto, que o indigitado primeiro‑ministro, ou seja, o almirante Pinheiro de Azevedo, e o Presidente da República, convocassem simultaneamente a delegação do nosso Partido e a delegação do Partido Socialista para verem connosco e com os socialistas as questões relativas à formação do VI Governo. E foi nessa circunstância, nessas condições, que nos encontrámos na mesma mesa com o Partido Socialista, ou seja, convocados simultaneamente pelo Presidente da República e pelo indigitado primeiro‑ministro, para vermos com o Presidente da República e com o primeiro‑ministro se sim ou não se podia constituir o VI Governo Provisório com a participação de comunistas e com a participação dos socialistas. Discutiram‑se plataformas, discutiu‑se a composição do governo. Quanto ao PPD, dissemos a nossa opinião mas os socialistas disseram que sem o PPD não participavam. Isto interessa registar, que eles sem o PPD dizem que não participam no governo, e pergunta‑se: mas porque éque não participam?

Em primeiro lugar porque estão ligados ao PPD por certos objectivos programáticos. Conhecemos as propostas que uns e outros fizeram para o VI Governo Provisório. Em muitos pontos as propostas do Partido Socialista são iguaizinhas às do Partido Popular Democrático. Também se dá o caso de haver certas diferenças nas propostas, mas aquilo que falta nas propostas de um, por exemplo, nas do PPD, os seus oradores dizem nos discursos e aquilo que diz o PPD nas suas propostas para a formação do VI Governo e que o PS nas suas propostas não apresenta, é dito depois pelos oradores do PS nos comícios.

Se o PS quer na verdade acompanhar o processo de construção do Portugal democrático tem de cortar as suas alianças à direita e tem de mostrar verdadeiramente não acompanhar a plataforma de direita do PPD, tem de tomar as suas distâncias não em relação às forças revolucionárias, não em relação ao Partido Comunista, mas em relação às forças de direita, em relação ao PPD, e tem de mostrar, não apenas pelas suas palavras, mas pelos seus actos, estar interessado na construção do Portugal democrático.

Se nós participamos no governo (alguns camaradas perguntaram isso) não é para cobrirmos nem para avalizarmos a política da social‑democracia, que tem a grande maioria no governo actual. De nenhuma forma. Nós não damos nenhum apoio, nenhum aval à política de direita que os ministros socialistas ou do PPD queriam fazer no governo. Estamos em desacordo com medidas que eles já tomaram e aquelas que eles tomarem com as quais estejamos em desacordo, manifestaremos a nossa oposição a essas medidas e, se necessário, mobilizaremos as massas para lutar contra elas.

No governo, além do PPD estar a mais, está a menos a esquerda militar. A esquerda militar devia ter mais representação no governo. Não tem e isto não simplifica as coisas. Julgavam que simplificava mas não simplifica.

A nova equipa no Ministério do Trabalho

Ao discutir‑se a formação do governo, discutiu‑se como devia ficar o Ministério do Trabalho. Os militares disseram que pensavam retirar o militar que lá estava. Nós aí não podíamos intervir, ainda que pensássemos que o capitão Costa Martins estava bem onde estava. Nas condições em que exerceu o seu cargo, no fundamental foi um militar que esteve ao lado dos trabalhadores e procurou servir os trabalhadores. Estava também um secretário de Estado comunista, Carlos Carvalhas, que a nosso ver, nas complexas condições de trabalho daquele Ministério, fez tudo quanto pôde para defender os interesses dos trabalhadores.

Antes, no I Governo Provisório, como nos recordamos, tinha lá estado um ministro comunista, Avelino Gonçalves. Spínola fez um erro de cálculo, julgando que um ministro comunista no Ministério do Trabalho serviria para conter as lutas dos trabalhadores, e não para defender os interesses destes. Quando, ao fim de um mês, nem chegou a um mês, uma semana, viu que o ministro comunista que estava no Ministério do Trabalho defendia os interesses dos trabalhadores, começou a protestar para o pôr de lá para fora e acabou na verdade por conseguir afastar o ministro comunista do Ministério do Trabalho.

Desta vez tinha sido assente nas negociações para a formação do VI Governo Provisório que o secretário de Estado continuaria a ser um comunista. Mas depois os socialistas fizeram lá os seus cálculos com o apoio do PPD, e infelizmente não só do PPD, e viram que talvez não conviesse um secretário de Estado comunista no Ministério do Trabalho porque tinha contacto com os sindicatos, apoiaria a Intersindical, e então quiseram meter um sindicalista socialista no Ministério do Trabalho. Meteram Marcelo Curto, que lá está como secretário de Estado. Se o ministro e o secretário de Estado do Trabalho pensam que o Ministério do Trabalho poderá facilmente servir os interesses do patronato estão muitíssimo enganados, como já os metalúrgicos provaram ao ministro do Trabalho actual.

Um camarada fez três perguntas sobre as declarações do ministro do Trabalho. Nós também ouvimos essas declarações e o menos que se pode dizer é que são declarações muito infelizes e que não estão de acordo com as responsabilidades de um ministro do Trabalho. Quando disse, por exemplo, que os metalúrgicos ganham mais que os trabalhadores alentejanos e portanto não se percebe como é que estão ali a exigir melhores condições de vida. É evidente que nós não somos por um nivelamento por baixo. Temos
é que subir os que estão em baixo para chegar aos salários que estão acima.

E, no que respeita à Reforma Agrária, no que respeita aos metalúrgicos e à classe operária, nós sabemos bem as mostras de solidariedade, de que ainda há bem pouco tempo houve uma demonstração no Estádio 1.º de Maio, as mostras de solidariedade do proletariado industrial para com o proletariado agrícola, para com os trabalhadores do campo, e a prontidão dos trabalhadores da cidade, dos trabalhadores da indústria e dos transportes para dar o seu apoio e mostrar a sua solidariedade fraternal aos trabalhadores envolvidos na grande obra da Reforma Agrária.

Confiança do povo e confiança do capital

Agora parece que há uma política para ganhar a confiança. Há partidos que o dizem. O PPD diz, o PS também tem dito, que há que ganhar a confiança. Eles falam muito em ganhar a confiança. Nós também queremos ganhar a confiança, mas é a confiança do povo trabalhador, das massas populares do nosso país, desses é que devemos ter a confiança, nós, os comunistas.

Para eles é diferente. Para eles há que ganhar a confiança dos capitalistas para investirem capitais, há que ganhar a confiança dos imperialistas para que também invistam capitais, para que emprestem dinheiro. E afinal vêm com a miséria de quatro milhões de contos para dois anos, que no fim de contas de pouco serve. Sobre isto, nós somos suficientemente claros. Pensamos que sim, que, se há sectores da indústria privada, há que garantir as possibilidades e funcionamento das empresas. Não estamos ainda em socialismo, não estamos infelizmente ainda lá. Pois tem de garantir‑se as condições de trabalho dessas empresas. Mas no que respeita à confiança do grande capital, o capital monopolista, e é isto que alguns querem ganhar, é a confiança desse capital monopolista, se querem ganhar a confiança garantindo a restituição do poder económico aos monopólios, aos latifundiários, nós dizemos que não, que não estamos interessados nessa confiança. Pelo contrário, temos muito orgulho em que os grandes capitalistas e os grandes latifundiários não só desconfiem dos comunistas mas que sejam adversários encarniçados nossos. Um governo verdadeiramente democrático precisa de ganhar a confiança do povo, e não dos exploradores.

O novo governo e as conquistas da Revolução

Este governo, na sua plataforma, comprometeu‑se alutar contra a reacção. Nós ainda não vimos que o governo esteja a lutar contra a reacção, não vemos saneamentos à direita, vemos a reacção onde estava, não vemos prisões de conspiradores fascistas do ELP ou do MDLP, não vemos dar golpes na direita, continuamos, sim, a ver dar golpes na esquerda.

Pensamos que este Governo tem como uma das funções capitais assegurar o exercício das liberdades e direitos dos cidadãos em todo o território nacional e para isso necessita de dar uns bons golpes na direita e de reforçar as forças de esquerda. Esta é uma das suas tarefas. A outra é a defesa das conquistas da Revolução e entre essas conquistas da Revolução está a Reforma Agrária e estão as medidas progressistas tomadas pelos governos anteriores. Houve aqui um camarada que fez uma pergunta sobre a questão dos foros e o decreto dos foros. Há também o decreto dos baldios, e alguns decretos da Reforma Agrária. Estes decretos que foram elaborados e aprovados no IV Governo e depois no V Governo correm o risco de não ser promulgados. Nós reclamamos que sejam promulgados e postos em aplicação os decretos do V Governo, que eram decretos progressistas, particularmente os relativos à Reforma Agrária.

Mas parece que há ministérios que pretendem pôr em causa tanto a política da Reforma Agrária como a política de nacionalizações. Por exemplo, nacionalizações da banca e mesmo administração da própria banca.

Um camarada fez uma pergunta relativa à substituição de três administradores do Banco de Portugal. Esta pergunta foi aqui feita e eu não quero deixar de responder.

Foi desmentido pelo ministro das Finanças que se tratasse de um saneamento à esquerda, mas tem de se considerar de facto como um saneamento à esquerda. Esses homens foram chamados, foi‑lhes dito que não mereciam a confiança política do novo ministro das Finanças, apesar de serem pessoas de competência profissional indiscutível. Portanto, parece que se querem colocar pessoas de confiança pessoal ou política, portanto como representação partidária em altos cargos do Estado e do aparelho financeiro que devem sobretudo estar ocupados por homens que estejam ao serviço da Revolução, ao serviço do povo trabalhador, como parece que era o caso destes administradores do Banco de Portugal. Nós opomo‑nos a medidas deste tipo que o governo possa tomar e comprometem de facto as conquistas da Revolução.

O AMI e a defesa da ordem democrática

Nós defendemos também a ordem democrática, defendemos a autoridade do governo e das entidades responsáveis do nosso país. É necessário que as instâncias superiores do poder civil e militar tenham autoridade e é necessário assegurar a ordem democrática. Já tivemos ocasião de referir de forma crítica certas violações da ordem democrática, particularmente pela contra‑revolução, pelos reaccionários de direita, mas também não podemos deixar de referir as violações da ordem democrática por parte dos grupos esquerdistas que de nenhuma forma servem os interesses da Revolução. É o caso, por exemplo, da provocação na Embaixada de Espanha, que no nosso entender é uma provocação que não serviu de maneira nenhuma os interesses da Revolução portuguesa nem os interesses do povo espanhol.

A defesa da ordem democrática assegura‑se por duas formas. Uma é por medidas políticas, que impeçam o desenvolvimento de situações tendentes à violação da ordem democrática. Outra, quando necessário, é pela intervenção das Forças Armadas ou militarizadas. Estas forças para poderem desempenhar a sua missão no novo Portugal devem ser forças dirigidas por revolucionários, devem ser forças revolucionárias, e não forças constituídas por elementos reaccionários e comandadas por reaccionários.

Respondendo à pergunta que é feita sobre o AMI, temos muitas apreensões quanto à formação desta força. Em relação aos problemas aqui levantados em relação a esta força, ou seja, à entrada nessa força de elementos vindos dos grupos de defesa civil do território de Angola e outros elementos reaccionários, temos muitas apreensões que uma força deste tipo venha a servir não a defesa da ordem democrática, mas a defesa de uma ordem reaccionária contra os direitos e liberdades dos cidadãos. Temos expressado esta nossa opinião. Pensamos que é necessário existirem forças de segurança, mas essas forças devem ter comandos revolucionários e devem ser constituídas por homens dedicados à causa do povo trabalhador, e não por inimigos da Revolução portuguesa recrutados em sectores reaccionários entre os quais alguns dos sectores dos retornados de Angola.

Falando dos retornados de Angola, responderei a algumas perguntas relativas ao processo de descolonização.

A situação em Angola e o problema dos retornados

Os camaradas sabem que a descolonização em Angola está a ter dificuldades muitíssimo sérias em virtude do confronto armado entre o MPLA, movimento de libertação, único movimento de libertação com o qual o Partido Comunista tem e sempre teve as relações da mais fraternal amizade e cuja acção o Partido Comunista apoia; a UNITA, que é um movimento de características muito particulares; e a FNLA, que de nenhuma forma está servindo os interesses do povo angolano, mas que, ao contrário, está a ser um instrumento do imperialismo, com vista a prejudicar a verdadeira libertação do povo de Angola e a manter, depois de acabar o colonialismo português, posições neocolonialistas não só dos portugueses, mas também de potências com mais poder e que querem ter bastante mais poder na região, particularmente os Estados Unidos.

Nós vemos com grande preocupação o armamento em grande da FNLA vindo do exterior e a possibilidade de não haver quanto a esse movimento uma posição política bastante firme.

Apoiamos o MPLA, pensamos que é o movimento que defende verdadeiramente os interesses do povo angolano e que está voltado para a
verdadeira independência do povo de Angola. O MPLA pode contar pela nossa parte com inteira solidariedade, o que não sucede de nenhuma forma com movimentos duvidosos ou com dirigentes que se afirmam dirigentes do povo de Angola mas que não estão a servir os interesses do povo angolano.

A situação criada em Angola gerou o problema dos retornados. Podemos pensar que uma parte desses retornados, se Angola tivesse tido um curso diferente na sua política interna, se se viesse a estabelecer em Angola um regime, por exemplo, de tipo rodesiano, admitamos isto, alguns dos retornados de Angola teriam o seu passaporte angolano, não quereriam saber mais de Portugal para nada, e ficariam numa Angola reaccionária. Portanto ficariam a viver da exploração dos africanos. Mas o processo de descolonização não está a orientar‑se nesse sentido, e além do mais há guerra em Angola e criou‑se para umas centenas de milhar de portugueses e desses que não são portugueses, mas neste momento se afirmam, uma situação particularmente complicada. Eles saem das suas casas, têm de largar assuas casas, porque estão em zona de guerra e não têm a protecção devida para a sua segurança e para a sua vida e a dos seus familiares. Estão numa situação de desespero. Não vamos discutir agora a orientação que os levou lá. Eles iam para lá, muitos deles para procurarem melhor vida. Viviam aqui mal, foram para lá para viver melhor, ou eles ou os pais. Quando foram para lá, adaptaram‑se à exploração colonial, criaram uma vida melhor do que tinham aqui, alguns até uma vida bastante confortável, e de um momento para o outro vêem‑se numa situação desesperada, em zonas de guerra, sem protecção, e voltam‑se para Portugal, para que Portugal os receba. De uma maneira geral, está bem que se receba uma quantidade considerável desses homens que se voltam para Portugal.

Que eles venham para cá. Mas não para criar complicações ao nosso povo, não para serem a base de apoio da contra‑revolução, não para se meterem já, como se estão metendo em muitos casos, do lado da contra‑revolução.

Creio que qualquer lar de um trabalhador português estaria aberto para uma criança, para uma mulher que viesse de Angola sem recursos e que tivesse dificuldades na sua vida. No aspecto humano, ninguém mais que o povo português estaria disposto a receber mulheres e crianças sem abrigo. Mas não aqueles que vêm para aqui instalar‑se em hotéis de luxo com altos vencimentos de que continuam a gozar, tendo no fim de contas bastante mais do que têm os trabalhadores portugueses e voltando‑se ainda por cima contra os trabalhadores portugueses e contra a Revolução portuguesa do 25 de Abril.

Nós pensamos que não se devem medir todos os retornados de Angola pela mesma bitola. Há bons e há maus. Há também entre estes homens e entre estas mulheres muitos que eram solidários do MPLA, eram amigos do MPLA, eram democratas. Portanto não devemos desde logo dizer: retornado de Angola igual a fascista. Mas devemos estar atentos e vigilantes para aqueles retornados de Angola que sabem manejar armas, que eram dos grupos de defesa do território e que agora estão prontos a entrar nas milícias do ELP com 12 contos além dos 4 ou 5 contos que o Estado lhes dá. A isso dizemos não. E se vêm aqui para conspirar, não é em liberdade que devem estar, mas na prisão ou fora do país. Vão para onde quiserem.

Ao tratar da descolonização e dos seus problemas, devemos sublinhar que a política de descolonização é uma grande vitória da Revolução portuguesa, um dos grandes aspectos positivos da sua política, que deve prosseguir.

Os meios de comunicação social e a liberdade

Entre outras conquistas da Revolução estão as liberdades no seu sentido mais amplo, sobre as quais foram feitas várias perguntas. Entre elas, a liberdade de expressão do pensamento, a liberdade de imprensa e o que foi alcançado no domínio dos meios de comunicação social.

Os trabalhadores, e não apenas os jornalistas, os locutores da rádio, os membros da redacção, mas os técnicos, os gráficos e outros tiveram um papel determinante na libertação dos meios de informação do controlo fascista e reaccionário das empresas privadas, dos grandes bancos e das companhias.

Essa intervenção faz parte da luta dos trabalhares portugueses para libertarem os meios de informação do controlo das forças reaccionárias.

Os problemas que existem nos meios de comunicação social não se resolvem com medidas administrativas nem com medidas repressivas. E daí considerarmos que as medidas adoptadas pelo Conselho da Revolução e pelo VI Governo Provisório para a solução do problema da comunicação social não foram acertadas. Não aprovamos essas medidas, como os camaradas sabem, e respondo assim a uma pergunta que foi feita quanto às ocupações dos meios de comunicação social.

Entretanto, pensamos que os meios de comunicação social, se são meios de comunicação do Estado, particularmente os meios de comunicação de massas, rádio e televisão, Emissora Nacional e Radiotelevisão Portuguesa, e outras emissoras nacionalizadas, outros órgãos subsidiados pelo Estado, não devem ser órgãos ao serviço de um grupo ou de um partido, incluindo naturalmente o próprio Partido Comunista.

Naturalmente que, se confiassem a direcção de um dos meios de comunicação, por exemplo, a Radiotelevisão Portuguesa, ou um jornal, ou a Emissora Nacional, se confiassem a direcção a comunistas certamente a informação seria muito mais objectiva do que é actualmente.

Não teria sentido que o Partido tomasse a Emissora Nacional e fizesse dela uma Emissora do Partido Comunista. Não pensamos fazê‑lo e se pensamos que não seria legítimo ocuparmos uma emissora do Estado para a nossa propaganda partidária, também a outros isso não deve ser consentido.

Entretanto, a nossa opinião é muito clara.

Independência nacional e ingerências do imperialismo

Uma das grandes vitórias da Revolução do 25 de Abril foi tornar possível que, em certa medida e em certas fases da Revolução depois do 25 de Abril, o Estado português tenha passado a decidir das suas questões com independência, sem aceitar o controlo e a ingerência de potências estrangeiras.

No domínio da independência nacional deram‑se passos em frente, e os governos que se constituíram, apesar das suas contradições, apesar das suas limitações, apesar de os membros do governo terem tendências políticas muito diferentes, com posições muito diferentes quanto ao imperialismo, no fundamental conseguiram realizar uma política independente. Fortaleceu‑se assim a independência nacional, que teve aliás a sua primeira expressão em 25 de Abril de 1974 quando foi derrubado o governo fascista por militares que não pediram a opinião ao imperialismo estrangeiro para este dizer se sim ou não era conveniente neste extremo da Europa um governo fascista ao serviço do imperialismo estrangeiro.

A independência nacional e o reforço da independência nacional é uma condição para podermos construir um Portugal democrático e podermos realizar as reformas de carácter social e económico que nos conduzirão ao socialismo.

Vemos por isso com muita apreensão as tentativas de ingerência do imperialismo e as condições que ele põe para certas formas correntes de relações comerciais e de cooperação económica. Não digo já auxílio económico, porque isto de auxiliar economicamente com empréstimos a juros não muito favoráveis não é bem auxílio económico. É no fim de contas uma operação de que se procura tirar rendimentos. O imperialismo está a impor condições que são lesivas da nossa independência nacional. Conhecemos pressões de carácter diplomático e económico que foram feitas para a formação do VI Governo. Foram feitas pressões para que a solução fosse uma e não fosse outra. Isso é lesivo da nossa independência nacional. Em relação a empréstimos estrangeiros, em relação a créditos externos, eles devem ser dados sem quaisquer condições políticas. Se a CEE quer emprestar dinheiro a Portugal, a CEE não nos tem de dizer quem deve ser o ministro as Finanças ou o ministro do Comércio Externo.

Na formação do VI Governo Provisório, nós, os comunistas, entre outras propostas, fizemos a proposta de ficar um comunista como ministro das Finanças. Não foram só as forças conservadoras portugueses que se opuseram a isso. Desde logo, foi dito por várias pessoas que isso não podia ser, porque os financeiros estrangeiros, se viam um comunista no Ministério das Finanças, não confiavam em Portugal. Ora, nós pensamos que se os comunistas estão no governo português é para serem respeitados pelos países com quem temos relações diplomáticas no mesmo pé do que os outros membros do governo.

Cabe aos portugueses, e não aos países estrangeiros, dizer quem deve estar no governo e quem não deve estar, quem deve ter esta pasta e quem não deve ter, quem deve ter estes poderes e quem não deve ter estes poderes. É a nós portugueses que nos cabe decidir e a nossa decisão faz parte da nossa independência nacional, que temos de adquirir de uma vez para sempre contra as exigências do imperialismo e contra aqueles que no nosso país o querem defender e servir.

Política externa e relações com a Espanha e o Mercado Comum

Não temos uma posição contrária às relações externas com os países capitalistas. Ao contrário, pensamos que o Portugal de hoje deve ter relações comerciais, relações de cooperação económica quando forem vantajosas, relações culturais com todos ospaíses sem qualquer distinção.

Mesmo em relação à Espanha, contrariamente à opinião de um assistente que fez uma pergunta a tal respeito. Há pouco falámos de Espanha. Há pouco fizemos aqui um minuto de silêncio pelos antifascistas espanhóis vítimas do terror franquista. Nós somos solidários com o povo de Espanha, com as forças revolucionárias de Espanha. Mas pensamos que o Estado português deve ter relações com o Estado espanhol independentemente do regime político que há em Espanha e do regime político que haja em Portugal. Pensamos que é de ter relações de boa vizinhança, relações que não são de hostilidade, são relações normais de Estado a Estado, com todas as reservas políticas que podem fazer as forças políticas nacionais. Não apoiamos o regime de Franco, mas são de ter relações com a Espanha, relações comerciais normais, relações de fronteira e até, se for caso disso, relações de boa vizinhança, e não hostilidade entre os dois Estados.

Da mesma forma em relação a outros países capitalistas e a outros países imperialistas. Podemos ter boas relações com a França, com a República Federal Alemã e com a Inglaterra desde que estes países não queiram intervir na nossa política interna, desde que os interesses portugueses sejam respeitados, ou seja desde que haja igualdade no respeito dos interesses mútuos e desde que essas relações não sejam lesivas dos interesses portugueses e que tenham em consideração a situação portuguesa e o regime que queremos construir em Portugal. Portanto, nós não somos partidários do rompimento de relações, que aliás seria suicida, com os países capitalistas. Queremos relações, sim, mas em pé de igualdade e de respeito pelos interesses mútuos.

Em relação à CEE, ao Mercado Comum, os camaradas sabem que uma zona, o Mercado Comum, onde não há protecções de fronteira, alfandegárias, as mercadorias, em princípio, transitam livremente. É evidente que nós não podemos ser integrados numa tal zona, não temos capacidade de competição. Os nossos produtos saem mais caros tanto na agricultura como na indústria. Não temos um desenvolvimento industrial ou agrícola comparável, de uma maneira geral, ao dos países do Mercado Comum. Temos de ter acordos, sim, mas acordos que tenham em conta a situação da nossa indústria, da nossa agricultura e que não sejam a ruína para os nossos agricultores e para os nossos industriais.

Relações com os países socialistas, o caso do vinho, a China

Mas queremos também desenvolver as relações com os países socialistas e que são verdadeiros amigos do novo Portugal democrático, do Portugal que se encaminha para o socialismo. As relações com os países socialistas devem desenvolver‑se com grande vantagem para o nosso povo, com grande vantagem para a nossa Revolução, e devem desenvolver‑se no plano económico, no plano comercial, no plano cultural, enfim, em todos os aspectos em que possam desenvolver‑se.

A esse respeito tem havido muita especulação em relação às trocas comerciais, e algumas perguntas aqui feitas bem o mostram. É o que sucede com as vendas de vinho à União Soviética. Os soviéticos estão dispostos a comprar uma grande partida de vinho, que não tem comprador, a um preço superior alguns tostões em litro ao preço do mercado internacional.

Mas parece que o ministro do Comércio Externo diz que esse preço é inferior ao do mercado interno e já está a pôr restrições à venda desse vinho. A nosso ver é um erro grave. Nós temos aí os armazéns cheios de vinho que não sai e não sei se os vinicultores portugueses ficarão satisfeitos por não venderem milhões de hectolitros e amanhã terem de mandá‑los para a queima em condições muito desvantajosas, e isto se tiverem possibilidades de o fazer. Os soviéticos oferecem um preço que é superior ao preço do vinho hoje no mercado internacional, ao vinho que oferecem os franceses, que têm uma boa colheita, ao vinho que oferecem os argelinos, e portanto pagam acima desse preço. Podiam comprar na Argélia ou em França. Compram a Portugal se nós quisermos a um preço superior. Não nos parece que seja a melhor política do Ministério do Comércio Externo estar desde já a dificultar a venda de vinho aos soviéticos.

Os países socialistas da Europa, com excepção da Albânia, mostram todos vontade de desenvolver as suas relações de amizade com o Portugal democrático de hoje. Todos os países socialistas sem distinção. Oferecem projectos de cooperação económica e comércio externo que são bastante vantajosos, que aliás se estão a desenvolver. Entretanto, vemos com apreensão que nesta viagem, aliás bem sucedida e positiva, do Presidente da República à União Soviética e à Polónia houve acordos, houve sobretudo anexos e protocolos aos acordos que não foram assinados, e a nosso ver teria sido vantajoso tê‑los já assinado. Não sabemos se isso representa o criar de dificuldades ao desenvolvimento das nossas relações, o que será muito mau, ou será um simples adiamento da assinatura desses acordos.

Em relação aos países socialistas, há um com quem não temos relações, ainda que nós, os comunistas, no governo, nos tenhamos manifestado de acordo com o estabelecimento de relações. Refiro‑me à China. Nós manifestámos o acordo do estabelecimento de relações com a China.

Pensamos que não deve haver exclusões e é evidente que se nós não excluímos as relações de Portugal com os países reaccionários como é a Espanha franquista, ou como são os países capitalistas, como são os Estados Unidos, muito menos razões haveria para recusarmos ou para nos manifestarmos contrários ao estabelecimento de relações com um país socialista, em relação ao qual temos todas as opiniões que temos e em relação à direcção do qual temos opiniões negativas, mas que é um país socialista. Não havia nenhumas razões para não querer o estabelecimento de relações com a China.

Mas o que é de sublinhar (e assim respondo a uma das perguntas feitas) é que os dirigentes da China não manifestam nenhum interesse em estabelecer relações com o Portugal de hoje, embora tenham relações com Pinochet e com os regimes mais reaccionários do mundo.

E também em relação a Angola, foi aqui referido o problema angolano, mas não vemos que os dirigentes da China estejam a tomar em relação a Angola a posição mais apropriada. Ao contrário, eles estão a auxiliar e em força a FNLA, que, como há pouco referi, não serve a verdadeira independência do povo angolano. Ao contrário, está a contrariar o processo de descolonização e a conquista da independência do povo angolano. Pois bem, os dirigentes chineses, os maoístas, os dirigentes maoístas, estão a ajudar a FNLA contra os interesses do povo angolano.

Pela nossa própria experiência no novo Portugal democrático e do processo de descolonização em Angola, temos razões para ajuizar do maoísmo como não sendo uma tendência correspondente aos ideais do internacionalismo proletário, a que nós, comunistas, somos fiéis. Não precisamos de ir buscar experiências a outro lado. Na nossa própria experiência vemos bem isso. Como vemos o auxílio a alguns grupos que na verdade não estão de nenhuma forma a cooperar com o processo de democratização do nosso país, com a realização das reformas a caminho do socialismo, mas que aqui no nosso país estão a combater principalmente as forças revolucionárias, particularmente o Partido Comunista Português.

Pensamos que, na verdade, os dirigentes maoístas estão afastados do marxismo‑leninismo. Apesar de em todo o lado os grupos maoístas porem o M‑L (marxista‑leninista), eles afastaram‑se do marxismo‑leninismo e afastaram‑se do internacionalismo proletário. E assim respondo a uma pergunta aqui feita.

Quanto ao episódio sobre o qual foi feita outra pergunta, de a embaixada ter fechado as suas portas aos refugiados, sobre isso não tenho elementos que me possam permitir afirmar com certeza e segurança o que se passou.

Altos vencimentos e altos rendimentos

Entre as conquistas da nossa Revolução estão as conquistas sociais dos trabalhadores, e sem dúvida que depois do 25 de Abril houve uma melhoria das condições de vida dos trabalhadores e sobretudo daqueles que ganhavam menos. O estabelecimento do salário mínimo, ainda que seja insuficiente, representou uma melhoria considerável de muitas centenas de milhar de trabalhadores portugueses.

Mas os camaradas referiram aqui, e há perguntas feitas nesse sentido, que se compreende mal que haja um salário mínimo tão baixo e que entretanto ainda haja vencimentos tão elevados como os de ministros.
O camarada que fez a pergunta disse que o ministro ganha 24 600$00, mas não, ganha 35 contos e tal, e mais, esses são os vencimentos de ministro, mas há administradores de companhias e de bancos que ganham ainda mais do que os ministros, e há mesmo um decreto ainda que admite que ganhem uma vez e meia o que ganha o ministro. Isso ainda é admitido por decreto. Mas fora os vencimentos, sabemos bem, camaradas, que há no nosso país quem tenha muitos e muitos milhares de contos de rendimentos por ano.

Portanto, 35 contos quase parece modesto perante aqueles muitos e muitos milhares de contos que os parasitas do nosso povo ainda hoje metem no bolso através da exploração da classe operária.

Entre as medidas de austeridade que têm sido defendidas, nós defendemos também a diminuição do vencimento máximo.

Não sei se os camaradas pensam que membros do Governo, nós agora temos um ministro, temos vários secretários de Estado, temos tido outros, não sei se os camaradas pensam, que há alguém que pense, que os ministros comunistas recebem, para si próprios, os 35 contos. É evidente que recebem, não deixam lá ficar na caixa do Estado, mas se são funcionários do Partido, recebem o mesmo que qualquer funcionário do Partido e entregam ao Partido, para a Caixa Central, o vencimento que recebem do Estado. Quer dizer que nestas condições o ministro comunista, funcionário do Partido, ganha precisamente o mesmo que qualquer camarada funcionário do Partido, da segurança, da cozinha, dactilógrafa, qualquer que seja o trabalho que tenha no Partido.

Esta regra não é universal. Creio que entre os partidos comunistas o nosso é talvez o único que tem este critério, um critério, digamos, igualitarista no que respeita ao salário dos funcionários do Partido. Este critério tem apenas duas excepções por razões de segurança: instalação e transportes.

São as excepções e as diferenças que pode haver entre funcionários do Partido.

O que recebem como salários‑base para a sua alimentação, seus gastos pessoais, enfim, todas as despesas que têm, é absolutamente igual. Seja um funcionário com funções técnicas, seja um membro da Comissão Política, seja o secretário‑geral do Partido, todos têm precisamente o mesmo, não há um tostão a mais para um, um tostão a menos para outro.

Respondendo a outra pergunta que aqui foi feita, temos naturalmente, camaradas, de atacar os altos rendimentos. Basta dar uma volta aí pelos arredores de Lisboa, pelo Estoril e outras zonas de turismo, para ver ainda a ostentação e o luxo dos parasitas do nosso país. Vêem‑se os mesmos carros de luxo, o mesmo Casino do Estoril, os mesmos cabarés em que essa gente num dia gasta mais do que o salário de um trabalhador durante um ano. Vemos por todo o lado ainda grandes vivendas de luxo, grandes palacetes, e quem os habita a algum lado vai roubar o dinheiro, eles não roubam propriamente, mas a exploração do trabalho dos outros também é uma forma de roubar.

No dia em que vejamos todos esses palacetes nas mãos dos sindicatos para os trabalhadores fazerem lá descansar os seus filhos e os doentes e os reformados, então, sim, estamos no verdadeiro caminho para o socialismo.

Nós, por nosso lado, estamos confiantes que esse dia chegará e fazemos o possível para que esse dia chegue e chegue depressa. Na verdade, chegará o dia, e os camaradas que já visitaram países socialistas bem o sabem, em que os velhos palácios, todas essa vivendas de luxo, estão nas mãos dos trabalhadores, dos sindicatos ou doutras organizações dos trabalhadores para que descansem os trabalhadores e para que descansem lá os reformados ou as crianças. É o mesmo que vai acontecer no nosso país e podemos dizer que a esse respeito a burguesia portuguesa nos deixou uma boa herança.

Casas tão grandes, tão luxuosas, com piscinas, com jardins, com parques, isso tudo vai ser útil aos trabalhadores portugueses, no dia em que agarrarem aquilo, tomarem conta daquilo, no dia em que tivermos um Estado socialista. Nós vamos para um Estado socialista e estas injustiças acabarão e nós lutamos para que acabem de vez e para que os parasitas, das duas uma, ou se resolvem a trabalhar e a ter a vida como os outros, ou então procurem outro caminho que não têm cá nada a fazer.

Os comunistas no Governo

Nós, camaradas, se estamos no governo (respondo a uma pergunta de um camarada nosso), se estamos no governo, é para defendermos no governo aquilo que defendemos em qualquer lado, o que defendemos nas fábricas, nos campos, nas ruas ou aqui nesta tribuna. Aquilo que dizemos aqui é o mesmo que os nossos camaradas dizem no governo. É para defender os interesses dos trabalhadores, é para defender as reformas e as medidas que sirvam o nosso povo trabalhador. E quando há medidas que são contrárias, os nossos representantes lutam contra elas, procuram na medida das suas forças que essas medidas não sejam aprovadas e que não vão para diante. É para isso que, fundamentalmente, nos encontramos no governo, não é de nenhuma forma para dar caução a uma política social‑democrata. Podíamos ter saído, passado à oposição, mas pensámos que os comunistas no governo, apesar de ser este governo com o PPD, com reaccionários, portanto apesar de ser um governo que na sua maioria procura dar uma volta à direita, os comunistas nas estruturas do Estado estão em condições ainda de servir o povo trabalhador, além de o defenderem nas fábricas, nos campos, nas ruas, onde quer que se encontrem os comunistas.

Pensamos que, neste momento, não ajudarmos à solução de um governo com o primeiro‑ministro indigitado, Pinheiro de Avezedo, podia levar à formação de um governo de direita em que se criariam piores condições para defender os interesses dos trabalhadores. A alternativa que se colocava na altura não era um governo de esquerda, mas sim de um governo abertamente da direita e que podia levar na verdade ao saneamento muito rápido à esquerda e levar a medidas que também não eram vantajosas ao prosseguimento do processo revolucionário. Estamos lá como podemos não estar. Pensamos que neste momento, e com este espírito, ainda é vantajoso estar no governo, e no dia em que entendermos que não convém, pois os comunistas saem do governo e bater‑se‑ão contra o governo que estiver.
Não é o problema de se estar lá para ter postos e muito menos para ter postas. Os comunistas não andam à procura dos altos vencimentos pela própria razão que há pouco expus. Estão no governo para servir o nosso povo.

Pode ser vantajoso ou não vantajoso lá estar. Respondendo a outra pergunta, não temos nenhumas ilusões de quem são os nossos vizinhos na mesa. Conhecemos bem, sabemos bem quem são. Não há nenhuma ilusão a esse respeito. Mas pensamos serem vantajosas as posições dos comunistas e dos progressistas em todo o aparelho do Estado e até nas instâncias governamentais. É por isso que lutamos contra os saneamentos à esquerda ao nível de cargos responsáveis seja nas Forças Armadas, seja nos ministérios.

É o caso que foi referido. No Ministério da Educação há saneamentos, em vários ministérios há saneamentos à esquerda. E nós dizemos muito claramente que assim isto não continua. Ou se começam os saneamentos dos reaccionários e a coisa se pode endireitar, ou continuam os saneamentos à esquerda e os saneamentos dos comunistas e temos de reconsiderar se os comunistas ficam no governo ou não. Porque será difícil estarmos no governo para este continuar a fazer saneamentos à esquerda, de militares e civis. Precisamos de medir bem a situação. Porque para sair da crise será necessária uma modificação do governo no sentido da esquerda.

Não queremos criar uma situação de que resulte formação de um governo mais à direita. Queremos um governo à esquerda, não queremos um governo à direita. Lutamos para uma modificação governamental no sentido da esquerda e naturalmente não deixaremos de agir para que esse resultado seja obtido.

Política de alianças e o caso da FUR

Um camarada perguntou: porque é que o Partido entrou no governo que tem tendências direitistas e não ficou na FUR?

Esta pergunta é feita apesar de a entrada no governo não ter nada a ver com a saída da FUR. Podíamos estar no governo e estar na FUR, a não ser que os da FUR não quisessem o Partido Comunista por este estar no governo. Se há uma opção e se há uma disciplina na FUR, nós dizemos: essa disciplina não nos serve. Aliás essa Frente, na altura em que o Partido Comunista deixou de estar no Secretariado Provisório, que tinha sido criado para ver a possibilidade da formação da Frente, não era ainda propriamente uma frente. Nós declarámos que mantínhamos a nossa independência política e não aceitaríamos que o PRP‑Brigadas viesse dizer ao Partido para fazer isto ou aquilo. Não poderia ser. Não aceitamos a hegemonia de um outro grupo querendo impor ao Partido Comunista como é que deve ou não deve agir.

Na FUR houve alguns grupos que quiseram impor uma disciplina ao próprio Partido Comunista. Isso não nos servia. Não nos servia uma situação dessas. Apesar disso não fomos nós que dissemos: não queremos a colaboração convosco. E temos relações com quase todos que neste momento estão na FUR. Estamos muito interessados em desenvolver as relações com todos eles. Esta é a nossa política. Mas não era para que eles digam o que o Partido Comunista deve e o que não deve fazer. Seria necessário um terreno comum de acção, uma plataforma comum. Ao Partido Comunista não se impõem plataformas. Não fazemos um acordo para uma manifestação com certas palavras de ordem para no dia seguinte aparecerem outras palavras de ordem e nós estarmos numa manifestação para irmos a S. Bento e depois de estarmos nas escadarias de S. Bento ouvir falar contra o Partido Comunista, como partido revisionista, como partido traidor à classe operária. Ora isto não.

Em relação à FUR, somos de opinião que os agrupamentos que estão na FUR têm alguma coisa a fazer e até a participar nas estruturas do próprio Estado, nas estruturas governamentais.

Os camaradas sabem (e respondo assim a uma outra pergunta, à pergunta relativa ao encontro), os camaradas sabem que nós propusemos num momento determinado da crise um encontro com as principais tendências do MFA, os partidos revolucionários, que no fim de contas não eram mais do que os sete agrupamentos que constituem a FUR e mais o PS. Não se tratava de uma aliança. Tratava‑se de se sentarem a uma mesa representantes das três tendências do MFA: o grupo dos Nove, aquilo a que nós chamamos a esquerda militar e aquilo a que chamamos os oficiais do COPCON, ainda que haja quem diga que não está bem esta caracterização da esquerda militar e oficiais do COPCON, mas nós assim os chamámos. Pensámos que estas três tendências do MFA se deviam sentar a uma mesa e sentarem‑se com agrupamentos revolucionários, Partido Comunista e agrupamentos de esquerda e da extrema‑esquerda e mais o PS, também, para lá tomar as suas responsabilidades. Sentarem‑se a uma mesa e discutirem como é que nós podemos sair disto, desta situação em que se agrava a crise económica, em que há desemprego, em que há problemas a resolver. Qual é a saída política? Podemos ou não entendermo‑nos numa saída política?

A nossa proposta era esta, para um encontro, não era sequer uma aliança, era um encontro para se discutir a saída política para a crise.

Aliás continuamos a ter esta opinião. Pensamos que ainda hoje na situação em que nos encontramos seria bastante vantajoso se as três tendências do MFA mais o Partido Comunista e os partidos da extrema‑esquerda, mais o Partido Socialista se sentassem a uma mesa para se ver em que medida se pode encontrar em comum uma solução para os problemas políticos. Esta proposta continuamos a fazê‑la.

A vitória da nossa Revolução exige unidade, a cooperação estreita de forças revolucionárias, exige uma aliança larga de forças sociais e políticas interessadas na defesa das liberdades e na defesa das conquistas da Revolução, a fim de encaminhar Portugal para o socialismo. Não é o isolamento da vanguarda, neste caso o Partido Comunista, que conduziria à vitória final da Revolução portuguesa. Ao contrário, se o Partido Comunista se isolasse de outras forças, ainda que tenha em alguns centros industriais uma grande influência, ainda que tenha em algumas regiões do País entre o proletariado rural e o campesinato uma forte influência, o Partido Comunista, só por si, hoje, não estaria em condições de fazer a revolução socialista. Seria um erro muito grande pensarmos que estaria em condições. As revoluções socialistas em todos os países mostraram a necessidade da aliança do proletariado com outras classes sociais e a aliança da vanguarda revolucionária da classe operária com outras forças políticas que representem outros sectores da população.

Não estamos portanto voltados para o isolamento. Estamos voltados para uma política de alianças e pensamos que essa política de alianças deve ir até àquelas forças que possam estar interessadas em cooperar connosco e com outras forças revolucionárias com uma plataforma comum, na defesa do essencial no caminho para a construção deste regime democrático e na construção do socialismo amanhã.

Daí pensarmos que é necessário, no que respeita àsforças militares e particularmente ao MFA, uma reunificação de forças que podem cooperar na construção deste novo Portugal democrático a caminho do socialismo.

Defendemos isto, temos defendido isto, e defendemos também que, em relação às forças políticas, aos partidos e agrupamentos políticos, estamos abertos à cooperação com todos os que queiram cooperar connosco, com vista à realização dos mesmos objectivos. É evidente, camaradas, que é muito difícil cooperar com aqueles que não só não querem cooperar connosco como ainda consideram o Partido Comunista como o seu pior inimigo.

Grupos - esquerdismo e anticomunismo

Alguns camaradas fizeram perguntas sobre aqueles que nos chamam social‑fascistas. Alguém perguntou se o MRPP é ou não um grupo fascista.

Em relação a estes grupos esquerdistas, nem sempre todos os núcleos têm a mesma política da sua direcção. Eu creio que há localidades, empresas, onde há cooperação com militantes esquerdistas, de alguns grupos esquerdistas cujas direcções são muito agressivas contra o Partido Comunista. E entretanto há militantes destes grupos esquerdistas que cooperam com os comunistas.

Mas a coisa não é geral. Não me refiro ao MRPP. Não sei se haverá algum MRPP que coopere com os comunistas, mas esse é um grupo voltado para a provocação, é um grupo provocatório que tem uma linguagem esquerdista mas que é aliado da contra‑revolução. Por todas as suas acções, por toda a sua política, tem mostrado bem isso. O MRPP, não só objectivamente, mas quase de certeza na intenção dos seus próprios dirigentes, é o grupo auxiliar da contra‑revolução no nosso país.

Haverá outros que também utilizam os insultos de social‑fascista e revisionista, mas em que já não se pode dizer que todos os seus militantes estejam na verdade servindo os interesses da reacção. Acreditamos que há gente sincera nesses grupos. Nas fábricas, nos campos, entre os trabalhadores, o facto de trabalhadores serem desses agrupamentos não deve levar os comunistas e outros trabalhadores a cortarem com eles. São irmãos de classe e é necessário dizer‑lhes: pois bem, tu chamas‑me a mim social‑fascista, mas és explorado como eu aqui nesta fábrica, temos de lutar em conjunto pelos interesses do proletariado.

Se chamam social‑fascistas aos comunistas, o que nós fazemos? Agarramos na moca e damos‑lhes na cabeça? Eu acho que não deve ser bem isso. Deve ser mostrado aos trabalhadores que eles não têm razão e mostrar que os trabalhadores comunistas e os trabalhadores de outras tendências, os trabalhadores revolucionários, estão dispostos a unir‑se a todos aqueles, mesmo aqueles que eventualmente os insultem politicamente, estão dispostos a unirem‑se nas batalhas de classe, na defesa dos interesses de classe e na batalha para a construção do Portugal Socialista, se eles quiserem lutar com os comunistas e com os outros trabalhadores.

Podemos e devemos dizer, ao mesmo tempo, que, se eles escolhem como alvo dos seus ataques precisamente as forças revolucionárias, então é porque verdadeiramente não querem cooperar com essas forças revolucionárias na defesa dos interesses da classetrabalhadora e nas defesas das conquistas da Revolução.

As posições do PS e o encontro internacional de comunistas e socialistas

Quanto a nós, camaradas, o PS é um Partido com o qual se deve procurar uma aproximação, uma aproximação dos trabalhadores comunistas com os trabalhadores socialistas que queiram na verdade com os outros lutar em defesa dos interesses da classe operária e das conquistas da Revolução. Os camaradas dizem: a direcção do PS e muitas direcções regionais não desejam isso. É verdade, camaradas.

Os camaradas fazem por exemplo uma pergunta acerca desta campanha do PS sobre o suposto golpe de esquerda. Foi todo esse alarme, por todo o lado foi o alarme, com sinos a rebate em algumas terras, chamando a população a levantar‑se porque em Lisboa havia o perigo de um golpe de esquerda, de um golpe contra as liberdades. Fizeram grande alarme e disseram que iam levantar o povo todo.

O povo, ou não acreditou, ou não estava para defender aquela causa que queriam defender os socialistas. Fizeram o alarde todo, tocaram sinos a rebate, disseram que a revolução estava em perigo e o povo não correspondeu. Isto mostra que a influência não é tão grande como eles julgam, mas além do mais temos que explicar esse alarme do PS e não podemos encontrar outra intenção que não seja a de cobrir e de justificar os saneamentos à esquerda, os saneamentos de oficiais revolucionários que eram indicados como sendo aqueles que preparavam o golpe militar da esquerda, e mais, a desmobilização ou mesmo a dissolução de unidades militares que têm mostrado no decurso de muitos e muitos meses da Revolução estarem com o povo trabalhador, estarem com a Revolução portuguesa.

Essas unidades devem manter‑se, devem ser defendidas, e o nosso povo tem mostrado ser capaz de auxiliar os militares revolucionários e defender as suas unidades contra os esforços da contra‑revolução e das forças conservadoras.

Os socialistas convocam amanhã, no Porto, uma manifestação no mesmo sítio onde estava marcada uma reunião do Conselho Municipal com o apoio popular. E eles convocam uma reunião para aí, parece, fazerem o mesmo amanhã com o Conselho Municipal do Porto que ontem o PPD quis fazer junto do RASP, quer dizer, uma acção para provocar conflitos de rua. Provocar confrontos entre militares. E depois justificam que a situação é muito má, que são necessárias medidas de força, que é necessária uma intervenção com medidas repressivas. Parece ser uma acção provocatória, essa que está para ter lugar amanhã, convocada pelo PS no Porto.

Naturalmente que, se os socialistas têm essa política aqui no nosso país, como é que os socialistas (e respondo assim a uma pergunta que foi feita acerca do encontro com partidos socialistas e comunistas da Europa), como é que o PS, que aqui não mostra nenhuma vontade de cooperar com o PCP e com outras forças revolucionárias para a construção do Portugal democrático, para abrirmos caminho para o socialismo, como é que ele quer ir discutir com o Partido Comunista Português, com os partidos socialistas e com os partidos comunistas dos outros países, como deve ser o caminho para o socialismo na Europa.

Pois nós dizemos: que aqui em Portugal o PS dê mostras de querer na verdade cooperar com os revolucionários na construção do socialismo e amanhã até pode ser muito interessante juntarmo‑nos com os nossos camaradas franceses, os nossos camaradas italianos, os nossos camaradas espanhóis, os socialistas destes quatro países também, incluindo o nosso, e sobre a mesa colhermos experiências e trocarmos impressões sobre os objectivos do socialismo na Europa. Estamos de acordo até com isso. Ainda que os camaradas italianos pensem que nós talvez façamos mal em querermos marchar para o socialismo, que talvez fosse bom ficarmos pela democracia burguesa como existe na Itália, nós não queremos.

Não queremos e não vamos para lá. Ainda que os nossos camaradas espanhóis julguem que o nosso sistema de alianças deverá ser aquele que eles têm, ainda que não compreendam que nós já avançámos um pouco mais, que já não estamos na fase dos Spínolas, quando eles talvez ainda precisem lá de Spínolas, cabe‑nos a nós, e não aos camaradas espanhóis, definir o nosso sistema de alianças.

Nós já fizemos o 25 de Abril, já tivemos Julho com o Palma Carlos, depois tivemos o 28 de Setembro e o 11 de Março. Já tivemos tudo isto. Os camaradas espanhóis naturalmente têm outros problemas que nós respeitamos. É evidente que não será cómodo para eles estarem a falar com os Spínolas lá de Espanha e dizerem: nós temos uma aliança convosco e aqui mostramos o exemplo dos revolucionários portugueses, entre os quais os comunistas, que no 28 de Setembro atiraram o Spínola porta fora. Naturalmente, isto não é um grande argumento para convencerem os Spínolas lá da terra a irem com eles. De qualquer forma eles estão a viver uma fase diferente da Revolução e têm de compreender a fase que nós estamos a viver. Não compreendem, lamentamos muito.

No fim de contas estamos dispostos a juntarmo‑nos com eles, com os franceses, com os italianos, com os socialistas desses países, e naturalmente com os socialistas portugueses quando estes derem mostras de que aqui também querem trabalhar para o socialismo. Pode ser que nós tenhamos para dizer aos outros algumas coisas de interesse. Eles dirão algumas coisas que nos aproveitem e nós também diremos alguma coisa que lhes possa aproveitar a eles, para andarem um bocadito mais depressa a caminho do socialismo.

Responsabilidades nos golpes

É evidente, camaradas, que nós passámos, como disse, o 28 de Setembro e o 11 de Março. Isso foi bastante complicado e são momentos muito difíceis em que nem todas as forças políticas nem todos os homens tomaram posições claras. Há alguns que meteram o pé inteiro na poça, outros meteram só o dedo e conseguiram ainda safar‑se. Respondendo a uma pergunta, tem de dizer‑se que os inquéritos a esse respeito podem ser incómodos, que têm coisas que não estão claras, mas neste momento não estamos em condições de esclarecer todos os incidentes, todos os preparativos, mesmo do 28 de Setembro, muito menos do 11 de Março.

No 11 de Março, os camaradas verificaram que apareceu uma parte dos conspiradores, a agressiva, militar. Mas é evidente que um homem experiente como Spínola pode não querer a democracia no nosso país, mas o que ele não queria certamente era a sua própria perda. Foi um homem que calculou, o que é que calculou mal. E não calculou triunfar com aquilo que apareceu. Certamente tinha outras peças para jogar mas que não chegou a jogar. Quais são essas peças? Quem estava no 11 de Março? É difícil dizer quem estava e quem não estava. Nós não sabemos. Spínola não o disse ainda. E não cremos que o inquérito feito tenha aprofundado suficientemente o problema, que tenha ido até às raízes.

Há uma pergunta que um camarada fez a esse respeito. Há notas do inquérito que então apareceram a público. Parece que era um documento interno que até apareceu publicado por inadvertência, mas de qualquer forma esse documento não esclarece devidamente o 11 de Março, ainda que avance vários aspectos relativos à preparação política do 11 de Março, e em relação a alguns encontros esquisitos entre pessoas que não apareceram depois no 11 de Março, mas que podem ter tido antes contactos um pouco comprometedores.

É pena que nós não possamos acompanhar por um observador invisível as viagens que certos portugueses fazem ao estrangeiro. Alguns certamente têm uma vida completamente normal, fazem viagens e aquilo que se conhece é aquilo que é. Mas noutros casos vêm depois uns zum‑zuns que através de um trabalhador que informa outro trabalhador, que informa outro trabalhador, e os trabalhadores são solidários de uns países para os outros e acabam por saber o que se passa nos outros países através dos seus irmãos de classe. Aparecem zum‑zuns que no hotel tal esteve o senhor fulanito, depois esteve lá o senhor cicranito, e portanto assim umas coisas que não parecem muito claras. Infelizmente os serviços de segurança portugueses não são tão operativos que consigam ainda decifrar todos esses mistérios, mas um dia virá em que todos esses mistérios se tornarão mais claros e que as responsabilidades históricas nos golpes e tentativas de golpes reaccionários no nosso país serão conhecidos do nosso povo.

O PCP tem uma só política

E é evidente, camaradas, que nós não fazemos segredo da nossa política. Os camaradas, entretanto, fazem aqui uma pergunta um pouco indiscreta.

Foi aqui dito que eu vinha atrasado por ter sido chamado pelo Presidente da República. Perguntam: O que é que se passou lá? É evidente que eu não posso dizer aos camaradas que em nome do Partido Comunista disse isto e o senhor Presidente da República respondeu aquilo. Não posso dar essa informação, como muito bem compreendem.

Entretanto alguma coisa posso dizer em termos gerais. Já foi afirmado que os comunistas onde quer que se encontrem defendem sempre a mesma política. Já aqui disse qual é a nossa política em relação ao momento actual, o que nós defendemos para a solução da crise. Nós defendemos que é necessário começar a castigar a reacção, que é necessário terminar os saneamentos à esquerda e sanear os reaccionários, seja dos comandos militares, seja dos postos responsáveis do aparelho de Estado. Pensamos que o PPD não tem nada que fazer no Governo. Pensamos que é necessária a reestruturação dos órgãos superiores das Forças Armadas com fortalecimento das forças da esquerda revolucionária. Pensamos que o Governo é necessário modificar‑se no momento apropriado, no sentido da esquerda. São as nossas opiniões quanto à solução da crise.

Pensamos que a disciplina e a ordem democráticas se asseguram nas Forças Armadas com a coincidência da linha de comando com o espírito revolucionário e a confiança dos inferiores nos superiores. Isso só se consegue com oficiais revolucionários, fiéis à Revolução, e não com a existência ainda de muitos reaccionários. A opinião do nosso Partido é defendida através dos materiais do Partido, é nas fábricas, é nos campos, é aqui neste comício, e naturalmente é em Belém.

A independência do PCP

Uma última pergunta foi feita em relação ao nosso Partido e no que toca à sua independência, ou seja uma pergunta que é feita referindo uma acusação dos que dizem que nós somos escravos do imperialismo russo. Assim é que foi reproduzida. Eu vou responder a essa pergunta. Como se sabe, já nos tempos do fascismo, no tempo do nazismo, uma das acusações que se fazia aos comunistas era a de serem agentes do estrangeiro. Acusavam‑se os comunistas de estarem ao serviço de Moscovo. Foi primeiro o olho de Moscovo, depois foi a mão de Moscovo. Variou um pouco a designação, mas sempre se dizia que os comunistas estavam ao serviço de Moscovo, recebiam ordens de Moscovo. Isto, naturalmente, é uma coisa que se pode desmentir dizendo apenas isso não é verdade, isso é uma invenção e uma calúnia. Mas eu posso citar alguns factos que interessam no caso do Partido Comunista Português.

Não tanto porque camaradas que aqui estão e os que aqui não estão sendo camaradas necessitem do desmentido à calúnia. Mas na história do Partido Comunista Português há algumas coisas que interessam.

O nosso Partido, como os camaradas sabem, criou‑se em 1921. Teve anos acidentados, em que há períodos em que as actividades foram muito reduzidas. É o período de 1926, altura do golpe fascista, até à reorganização de 29. Foram os anos de 39 e 41, quando novamente foi fortemente atingido e teve um período difícil, em que, se não paralisaram as suas actividades, viveu‑se um período em que a imprensa clandestina não aparecia e havia um número muito reduzido de camaradas com actividades regulares. Veio a reorganização de 40‑41 (o nosso Partido reorganiza‑se em 40‑41) e ainda que isto seja pouco conhecido, o nosso Partido esteve praticamente isolado de todo o mundo, de todos os Partidos irmãos, até 47‑48.

De 1939 até 1947 o nosso Partido não teve contactos com qualquer partido irmão a não ser com os camaradas espanhóis com quem tivemos contactos acidentais, nem chega a ser um segredo, podemos dizer, para auxiliar os nossos camaradas espanhóis, num período difícil em que acabava a guerra na Europa, a caminharem para a reorganização do seu trabalho no interior. Albergámos nas nossas casas clandestinas em Portugal camaradas espanhóis com quem partilhámos o pão amargo que nesta altura comíamos mas que talvez depois não tenham compreendido os seus deveres solidários para com a nossa revolução e a nossa luta, como nós compreendemos os nossos deveres para com eles. Isto para dizer, camaradas, que nos anos de reorganização do Partido, de 40 a 47, estando o nosso Partido completamente isolado, não havia dia nenhum em que o Diário da Manhã e a propaganda fascista não dissessem que os comunistas portugueses recebiam ordens de Moscovo.

As relações do nosso Partido com o Movimento Comunista Internacional foram restabelecidas em 1948. As condições físicas da nossa luta desmentem só por si a calúnia do inimigo.

Os partidos comunistas são completamente independentes. É condição da sua própria vida, da sua própria luta, organizarem a sua política na base das realidades nacionais. O nosso Comité Central reúne e decide. Podia eventualmente haver um problema tão complicado de ordem internacional que nos levasse a consultar um partido irmão. Podia haver um problema que nós sentíssemos necessidade de consultar os nossos camaradas de um outro partido; há este problema assim, qual é a vossa opinião, também vos interessa a vós. Podemos consultar qualquer outro partido irmão. Mas não há, sobre a linha política de um partido, consulta de um partido a outro.

Reúne o Comité Central e decide. Reúnem os organismos executivos do Comité Central e decidem. Faz‑se um Congresso e decide‑se.

Os camaradas viram no nosso Congresso Extraordinário realizado o ano passado. Em virtude de uma série de circunstâncias, nem sequer tivemos convidados estrangeiros. Foi uma conjuntura muito difícil e não tivemos tempo para convidar camaradas estrangeiros. Mas para o próximo vamos ter e teremos certamente muitos convidados que virão aqui para nos ouvir. Estamos sempre prontos a ouvir a opinião dos nossos irmãos, dos partidos irmãos, ouvir a sua opinião acerca da nossa actividade, a ouvir as suas opiniões críticas, mas quem decide da nossa política somos nós, os comunistas portugueses, e mais ninguém. Isto em nada diminui as nossas relações fraternais e de cooperação com esse grande partido que tem uma experiência única, de que somos profundamente amigos, que é o Partido Comunista da União Soviética.

Creio, camaradas, ter respondido a todas as perguntas que foram feitas. Se alguma escapou, desculpem, mas assim termino a exposição, dizendo mais duas ou três palavras sobre o momento actual.

Os camaradas têm participado, certamente a maioria dos que aqui estão, se não a totalidade, nas lutas que se desenvolvem no momento presente no nosso país. A direita reaccionária e as forças conservadoras diziam que, desde o momento em que se fizesse uma viragem à direita, seriam resolvidos os problemas da crise política nacional. Vê‑se que a coisa não é assim. Uma viragem à direita sai pela culatra às forças da direita. Vemos que as forças revolucionárias estão a levantar‑se de norte a sul do País e vemos que até em zonas que a reacção afirmava serem posições incontestadas, como o Porto e Coimbra, mesmo aí, segundo as informações que recebemos, são 40 000 manifestantes entre os quais milhares e milhares de soldados com uma manifestação incomparavelmente superior àquela que a direita... [Aplausos não deixando perceber.]

Na vigência do V Governo Provisório, as forças da direita, as forças conservadoras, estavam muito lançadas nas manifestações, faziam manifestações por tudo e por nada, contra o Governo e contra o MFA, mas agora, pelo que dizem nos discursos, já começam a estar um bocadinho enjoadas das manifestações e compreende‑se, mas nós dizemos que ainda se hão‑de enjoar mais.

A força da classe operária, a força do povo trabalhador, aliado às forças armadas revolucionárias, aos soldados, sargentos e oficiais progressistas, ao MFA como vanguarda revolucionária das Forças Armadas, está em condições de assegurar a construção do Portugal democrático, de não deixar desviar ocurso da Revolução para a social‑democracia, de assegurar este caminho escolhido pelo nosso povo para uma sociedade sem exploração do homem pelo homem.

  • 25 de Novembro de 1975
  • Central
  • 25 de Novembro
  • Álvaro Cunhal