Intervenção de Jerónimo de Sousa na Assembleia de República

Uma censura ao governo e à política de direita - Um compromisso com os trabalhadores e o povo

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Pôr fim ao desastre — rejeitar o pacto de agressão, por uma política patriótica e de esquerda
(debate da moção de censura n.º 3/XII/2.ª)
Sr.ª Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
Srs. Membros do Governo,
Sr.as e Srs. Deputados:
O vertiginoso agravamento da situação nacional e da vida dos portugueses, a manifesta incapacidade de uma política e de um Governo de responderem aos verdadeiros problemas que Portugal enfrenta e a clara e inequívoca noção de que o País se afundará por muitos anos com as receitas desse Memorando/pacto de agressão são razões muito fortes para a tomada de decisão do PCP de apresentação de uma moção de censura ao Governo.
Três meses depois de uma nossa idêntica iniciativa que então se justificou plenamente, não só a situação é agora mais grave e mais dramática como a perspetiva que se apresenta é a da falência total, falência que estava inscrita desde o início nas políticas adotadas no pacto de agressão assinado por PS, PSD e CDS.
Com este Governo do PSD e do CDS, é hoje muito evidente que não há luz ao fundo do túnel, nem sequer há túnel!
Com este Governo, não há passagem para a esperança nem saída para qualquer vida com futuro, apenas estagnação, retrocesso e injustiça. Retrocesso da economia com a perspetiva de mais um ano de recessão e sem fim à vista; retrocesso social com um desemprego brutal, com milhões de portugueses em acelerado processo de empobrecimento e com muitos milhares empurrados para a pobreza, para um vazio de proteção social; retrocesso cultural com a criação artística e a fruição cultural à míngua de uma política inexistente; retrocesso do próprio regime democrático com a Constituição colocada em regime de exceção para os trabalhadores, para o povo e os seus direitos; retrocesso na soberania e no direito do povo a decidir do seu destino; retrocesso e declínio do País, cada vez mais endividado, subalternizado e dependente.
Anunciaram, com a arrogância dos predestinados, que as suas receitas eram a terapia para os problemas do País, mas tudo falhou. Só não falhou, nem fracassa, a obstinada ideia deste Governo de promover e acelerar a concentração da riqueza nas mãos de uns poucos, espalhando desgraça e miséria pelo País.
Hoje, poderíamos lembrar Almeida Garrett, quando aqui, há 150 anos, perguntava quantos pobres é preciso o Governo criar para fazer um rico.
Prenunciavam a perspetiva de recuperação para 2013, mas, como aconteceu com todos os seus anúncios e previsões, não só não há qualquer perspetiva de recuperação como, com as medidas que o Governo acaba de anunciar, de um aumento brutal do IRS de 35% e do IMI, somadas às já antes tornadas públicas de novos e mais profundos cortes na saúde, na educação e nas prestações sociais, o próximo ano será ainda mais duro, dramático e brutal para os trabalhadores e o povo em geral.
Entretanto, enquanto pela via do aumento do IRS se mantém o roubo de dois salários da Administração Pública e dos reformados e de um salário ao sector privado, uma vez mais os rendimentos do capital são poupados.
O País não tem futuro com esta política, com este Governo e com o pacto de agressão assinado pelos três partidos.
O País precisa de uma outra política patriótica e de esquerda. Patriótica, porque o novo rumo e a nova política de que Portugal precisa têm de romper com a crescente submissão e subordinação externas, recolocando no centro da orientação política a afirmação de um desenvolvimento económico soberano. De esquerda, porque rompe com a política de direita de anos e anos, inscreve a necessidade de valorização do trabalho, a efetivação dos direitos sociais e das funções sociais do Estado, uma distribuição de rendimento mais justa e o controlo público dos sectores estratégicos, assume a defesa dos trabalhadores e de todas as camadas e setores não monopolistas.
É com o objetivo de concretizar uma tal política e de promover um Governo que a concretize que o PCP tem apelado à convergência de todos os democratas e patriotas, das forças e setores que verdadeiramente se disponham a assumir a rutura com a política de direita, e que neste momento renova esse apelo, reafirmando que mesmo na dramática situação em que a política de sucessivos Governos colocaram o País há alternativa e há soluções.
Soluções que exigem a rejeição imediata do pacto de agressão e a renegociação da dívida. Uma renegociação dos seus prazos de pagamento, da reconsideração da sua parte ilegítima e da imediata e inadiável baixa das taxas de juro.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — Não uma renegociação «à grega», parcial e realizada por um poder submisso e comprometido com as opções e os interesses da especulação e dos que são responsáveis pela crise, mas, sim, por um poder que verdadeiramente assuma os interesses nacionais.
Uma renegociação não para esmagar o País com novas e mais duras exigências, mas que permita estabelecer novas soluções e vias de financiamento que permitam a canalização de recursos para a promoção do investimento produtivo, o crescimento económico, a criação de emprego e outras necessidades do País.
Uma política que aposte decisivamente na produção nacional, que defenda e desenvolva o aparelho produtivo, aproveitando os recursos do País, reduzindo os custos dos fatores de produção, apoiando as micro, as pequenas e as médias empresas.
Uma política que avance na reindustrialização do País, no combate ao défice agroalimentar, que potencie o mar e as suas múltiplas atividades e que tenha como objetivo o pleno emprego.
Uma política que melhore as condições de vida dos portugueses, valorizando os rendimentos do trabalho, as reformas e as prestações sociais, contribuindo assim para a melhoria das condições de vida do povo mas também para a dinamização da nossa economia.
Uma política que garanta uma efetiva justiça fiscal, diminuindo a carga sobre os rendimentos do trabalho, as micro e pequenas empresas e a população em geral.
Uma política fiscal que concretize a efetiva taxação da banca, que ponha fim à especulação financeira e ao escândalo dos paraísos fiscais, que combata a fraude, a evasão fiscal e a fuga de capitais.
Uma política que trave e reverta o processo de privatizações que vai delapidando o património nacional e que recupere para o Estado o controlo dos setores estratégicos da economia, desde logo com a nacionalização da banca comercial, para os pôr ao serviço do desenvolvimento e do progresso.
Uma política que combata a exploração, que defenda e reponha os direitos dos trabalhadores, dos reformados e pensionistas.
Uma política que garanta o direito à educação, à saúde, à segurança social e à justiça, salvaguardando o carácter público dos seus serviços e eliminando as restrições de acesso por razões económicas, e que contribua para combater as desigualdades e as assimetrias regionais.
Uma política que respeite o poder local democrático e o seu papel junto das populações.
Uma política que defenda a soberania nacional e os interesses do País, designadamente face à União Europeia.
Uma política alternativa que exige um Governo que a concretize. Um Governo patriótico e de esquerda, capaz de romper com a lógica e o círculo vicioso que se instalou no País do sistema de alternância sem alternativa de políticas.
Sr.ª Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
Srs. Deputados:
O Governo que hoje é confrontado com a nossa moção de censura é um Governo cada vez mais isolado, um Governo cada vez mais desacreditado aos olhos dos portugueses. Os portugueses afirmam-no todos os dias, enchendo as praças e as ruas deste País, como fizeram no passado dia 29, convocados pela CGTP (Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses), fazendo transbordar o Terreiro do Paço, exigindo o fim deste Governo, um ponto final nesta política e no pacto de agressão que tudo arruína, como haviam feito em 15 de setembro e em muitas outras ações de luta, em particular nas empresas, contra o aproveitamento pelo capital das alterações do Código do Trabalho.
O clamor de indignação e protesto que se ouve por todo o País resulta de o País sentir e ver que neste Governo a injustiça perpassa todas as suas decisões, que é a iniquidade que reina em cada medida tomada. O grito de revolta que atravessa o País resulta de hoje se saber, com cristalina evidência, que a preocupação central e única deste Governo é descobrir e escolher a melhor forma de transferir os custos da crise para os trabalhadores e para o povo.
Não há outras políticas, não há outra preocupação senão esta: promover o sistemático empobrecimento dos trabalhadores e do povo, cortando salários e reformas, cortando nos direitos laborais e sociais, aumentando impostos sobre o trabalho e sobre o consumo, cortando nos serviços públicos e aumentando os seus preços, retirando e diminuindo o alcance das proteções sociais no desemprego, na doença e na velhice.
É um Governo que chegou onde chegou usando o engano, sem disfarce e sem pudor, na conquista dos eleitores.
Na caça ao voto valeu tudo!
Não havia aumentos do IVA, dizia o PSD; nem de impostos, afirmava o CDS; nem cortes no 13.º mês. Depressa esqueceram tudo para fazer o contrário.
Dizia o PSD no seu programa eleitoral: «(…) queremos ser diferentes daqueles que nos governam e que não têm qualquer sentido de respeito pela promessa feita ou pela palavra dada. Assumimos um compromisso de honra para com Portugal. E não faltaremos, em circunstância alguma, a esse compromisso».
O resultado, Sr. Primeiro-Ministro, é conhecido.
O sentimento de repulsa que se colhe por todo o lado resulta da impossibilidade de já não haver artifício que possa encobrir a farsa do discurso da equidade nos sacrifícios; de se saber que o anúncio de medidas de agravamento fiscal sobre os rendimentos de capital é mera operação de diversão, areia para os olhos do povo; de se saber que tudo cai, e de forma dolorosa, sempre sobre os mesmos — sobre os trabalhadores e sobre as camadas intermédias do povo; da tomada de consciência de que o País competitivo de que falam é com o povo na miséria.
O País não pode esperar até 2015. Os que se apressam a proclamar que a rua não manda, que afirmam que o Governo não pode atirar a toalha ao chão porque está legitimado para governar, mostram a sua indiferença sobre os destinos do País.
Os que dizem que são uma referência de estabilidade, quando são, sim, uma referência de continuidade, não estão a pensar no País mas tão-só neles, no taticismo eleitoral, na possibilidade de o poder lhes cair de podre no regaço para continuarem a mesma política de sempre, indiferentes ao sofrimento do povo e à derrocada do País. Não, Srs. Deputados!
Não, do caos nunca nascerão as soluções!
Esta moção de censura dá expressão à inequívoca censura popular que se alarga a todo o território nacional. É uma moção de censura ao Governo, mas é também uma moção de confiança na força e na luta dos trabalhadores e do povo, na política alternativa que o País exige.
Como já tivemos oportunidade de afirmar, esta será uma moção de censura a olhar para o futuro a que os portugueses têm direito. Um futuro que não comporta nem este Governo nem a política que destrói o País. Um futuro que retome os valores de Abril e o projeto de progresso que a Constituição da República consagra.
O rumo de desastre nacional pode ser interrompido, o caminho para um País mais desenvolvido e mais justo acabará por ser aberto.
Nesta situação sem paralelo desde o fascismo, o Partido Comunista Português reafirma o compromisso de usar todas as energias e capacidades ao serviço dos trabalhadores, da juventude e do povo português, para garantir esse Portugal com futuro. Eis a razão principal para estarmos aqui.
(…)
Estou há muitos anos nesta Casa, e isto, de facto, é uma novidade, é um precedente. Mas, enfim… Andemos para a frente.
Sr.ª Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
Na sua intervenção, fica sempre algo de profundamente contraditório, diria mesmo de esquisito, porque sistematicamente vem anunciando sucessos desta governação, como se o Governo fosse bem. O problema é que o País vai mal e o povo português pior.
E esta é uma contradição que o Sr. Primeiro-Ministro tem de resolver. É que aquilo que diz não corresponde à realidade nacional, não responde aos sentimentos que hoje prevalecem na sociedade portuguesa. E di-lo de forma ligeira, superficial, até indiferente, diria, sabendo que há hoje milhões de portugueses profundamente inquietos ou atingidos pelo desemprego, pela pobreza, pela exclusão. Mesmo aqueles setores e camadas intermédias que constituem muito da sua base social de apoio — como dizia Brecht, «levaram os trabalhadores à pobreza, mas eu não me importei porque não era nada comigo» —, percebem que, neste momento, nem eles escapam a esta voragem do Governo.
Sr. Primeiro-Ministro, sabe qual é o plafond da sua política de austeridade, de sacrifícios, de expropriação e de roubo? São, de facto, as camadas e as classes médias, deixando intocáveis os grandes interesses, os grupos económicos que concentram e centralizam cada vez mais riqueza.
Queria dizer-lhe, Sr. Primeiro-Ministro, que por mais que se esforce não consegue negar uma realidade incontornável: é que cada vez que o Governo vem anunciar novas medidas é para piorar a vida dos portugueses, é para sacar mais aos trabalhadores, aos pensionistas e aos reformados. Desta vez, não foi diferente.
Tentando fazer os portugueses de parvos, enfim, recuando naquela ideia que transmitiu com muita força, que era «cada vez que anunciar uma medida de austeridade, serei eu a fazê-lo!», preferiu uma voz macia, como veludo, a apresentar a punhalada e a pancada aos portugueses, desta vez com novas medidas. Faltou-lhe a coragem! Disse uma coisa e fez outra. Mas não pense que o tom do Sr. Ministro das Finanças conseguiu evitar que, digamo-lo com clareza, o anúncio das medidas que foram feitas pelo Sr. Ministro visasse, mais uma vez, penalizar os trabalhadores e a população em relação às pensões e às reformas. É que não só mantem, e até agrava, o roubo dos salários dos trabalhadores da Administração Pública e dos reformados e pensionistas, como vai roubar um subsídio, ou mais, aos trabalhadores do setor privado.
Mais: o Governo vai penalizar ainda mais os trabalhadores e a população com outras medidas, como é o caso do IMI, em que, para além do aumento brutal já previsto com a reavaliação dos imóveis, será eliminado o período de deferimento do aumento, ou seja, aumenta tudo de uma só vez em 2013.
Vai haver ainda mais cortes na proteção social, na educação, na segurança das populações, na defesa — porventura, cortes ainda maiores em 2013 do que neste ano.
Sr. Primeiro-Ministro, num País em que no ano de 2012 o Governo prevê que se paguem mais de 7500 milhões de euros de juros da dívida, o Governo continua a negar aquilo que é evidente: a renegociação da dívida é inadiável. Não se ponha com essa ideia de que não queremos pagar. Não é isso! É que um dia serão aquelas bancadas da direita a dizer também: «Não podemos pagar»! Há que renegociar a dívida enquanto é tempo, porque o devedor também tem direitos. E quando digo «renegociar» não é «à grega» porque aquilo não foi renegociação nenhuma, mas negociar do ponto de vista da defesa do interesse nacional, da defesa dos interesses do devedor, pagando o que é legítimo e não pagando o que não é legítimo.
É uma proposta irrealista? Não é, não, Sr. Primeiro-Ministro! Esta é uma posição que interessa a Portugal, ao contrário da sua posição de submissão ficando todo contente porque os mercados olharam de uma forma simpática para as vossas medidas! Pudera, Sr. Primeiro-Ministro…! É que assim, com esta política, cada vez mais os mercados ficarão satisfeitos, os grupos económicos, o capital financeiro aplaudirão o Sr. Primeiro-Ministro.
Mas sabe por que é que vai ser demitido, porque é que vai perder, por que é vai ser derrotado? Porque está a governar à revelia dos interesses dos trabalhadores, dos reformados, dos pequenos e médios empresários, no fundo, está a governar à revelia da força do futuro, que é a juventude, e é essa a causa que um dia, mais cedo do que tarde, acabará por levá-lo à derrota.
É importante derrotá-lo, Sr. Primeiro-Ministro! Não porque derrotamos mais um Governo, não! É para evitar a derrota do País que propomos esta moção de censura ao Governo do PSD/CDS-PP.

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