Intervenção de Bernardino Soares na Assembleia de República

"A orquestra, desafinada, ainda toca, mas o navio já se afunda a grande velocidade."

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Pôr fim ao desastre — rejeitar o pacto de agressão, por uma política patriótica e de esquerda
(debate da moção de censura n.º 3/XII/2.ª)

Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados,
Srs. Membros do Governo:

No final deste debate, é inquestionável afirmar que a apresentação da moção de censura foi não só justa e fundamentada, mas uma iniciativa inevitável. De facto, antes e depois dos anúncios de ontem, a maioria dos portugueses considera que é preciso travar esta política e o Governo que a caracteriza.

Perante um Governo já derrotado, ficou claro que este caminho não serve.

Vem o Sr. Primeiro-Ministro falar de indignidade das acusações que lhe fazemos. Era o que faltava que não transmitíssemos aqui a indignação da generalidade dos portugueses. Indigna, Sr. Primeiro-Ministro, é a sua política! Indigno do lugar que ocupa é um Governo que esmifra o seu povo para beneficiar alguns.

O Sr. Ministro das Finanças falou há pouco de pantominice, e eu fui ver ao dicionário o significado de «pantomina». Um primeiro significado é «mímica», mas nisso não é muito hábil o Sr. Ministro das Finanças, que é uma pessoa totalmente inexpressiva. Mas tem outro significado, popular, que é o seguinte: «conto ou história para enganar; intrujice; logro.» Ora aí está uma boa qualificação para o Sr. Ministro das Finanças. Passa a ser o pantomineiro das Finanças, que é o que anda a fazer nos últimos meses, nos últimos anos.

Diz o Sr. Ministro das Finanças que a renegociação da dívida é igual à rotura descontrolada. É falso. Queremos uma renegociação controlada pelo interesse nacional e não aquela que os senhores estão à espera que lhes imponham quando chegar a altura e não tiverem dinheiro para pagar a dívida. Queremos pagar o que é legítimo e não pagar o que é ilegítimo. Queremos pagar com o crescimento económico, queremos seguir aquele exemplo da Alemanha, que, a seguir à Segunda Guerra Mundial, tinha uma regra para o pagamento da sua dívida de indexação ao crescimento das exportações. Se essa regra fosse aplicada hoje a Portugal, permitiria pagar menos 5000 milhões de euros de juros — era isso que significaria.

Este caminho que o Governo está a seguir é que é o do não pagamos, é o caminho do empobrecimento, porque quando não se cria riqueza não há dinheiro para pagar a dívida.

Neste debate, caíram, um por um, os já frágeis argumentos do Governo.

Temos o estafado argumento — sempre repetido pelas bancadas da maioria e do Governo — de que é assim porque vivemos acima das nossas possibilidades. E pergunta-se: quem é que viveu acima das suas possibilidades? Os milhares de pessoas que deixaram de ir às consultas e de fazer os tratamentos médicos, porque não têm dinheiro para as taxas, para os medicamentos, para os transportes?! Será que estas pessoas adoecem acima das suas possibilidades?! Os estudantes que abandonam o ensino superior, porque não têm dinheiro para as propinas e para o resto dos custos?! As crianças que hoje mesmo vão para a escola sem livros e sem comer e que, mesmo assim, não têm apoio escolar?! Será que é porque estudam acima das suas possibilidades?!

E as famílias que compraram habitação com crédito bancário, porque era a única hipótese viável que tinham e agora perdem a casa por falta de emprego ou de salário e que foram enganadas e abandonadas, de forma torpe, pela maioria, aqui, na Assembleia da República? Será que para estas famílias ter uma casa para morar é viver acima das suas possibilidades?!

E aqueles que hoje enfrentam as privações mais básicas, porque perderam o emprego e já não têm subsídio, porque lhes cortaram o salário ou a reforma, porque lhes retiraram o apoio social, aqueles que passam fome, será que é porque se alimentam acima das suas possibilidades, Srs. Deputados da maioria?!

Não! Quem viveu e vive acima das possibilidades do País são os de sempre, aqueles que o Governo serve com a sua política: os 13 principais grupos económicos de base nacional que tiveram, no primeiro semestre, mais de 1500 milhões de euros de lucros; os bancos privados, que receberam mais de 5000 milhões de euros de dinheiros públicos; o BPN, que recebeu, só em 2012, entre 500 e 600 milhões de euros e que já tinha recebido (o BIC), no processo de privatização, mais de 1100 milhões de euros; são as concessionárias das PPP, que mantêm intocáveis as suas taxas de rendibilidade. Estes é que vivem acima das suas possibilidades, das possibilidades do País!

O Sr. Primeiro-Ministro sublinhou dois factos de sucesso na política do Governo: a consolidação orçamental e a consolidação do défice externo. Mas, a consolidação orçamental ou, como dizia ontem o Ministro das Finanças, "a redução da despesa pública que é inquestionável", é o quê? Que despesa é esta que é reduzida? São os salários e as reformas cortados, são os cortes nos serviços da saúde, são as escolas sem dinheiro, são as universidades falidas, são os desempregados sem subsídios! Isto é que é o corte na despesa pública que os senhores estão a fazer! Não é uma coisa abstrata, são estes cortes que estão a prejudicar os portugueses.

Nós dizemos aqui — e dizemos ao Sr. Ministro Mota Soares — que rejeitamos totalmente a ideia de que o País é um País de preguiçosos e de aldrabões que andam a enganar o Governo e a receber subsídios que não deviam. Isso não são os portugueses. Podem ser alguns com quem os senhores se relacionam, mas não são os portugueses. Os portugueses não são aldrabões e não são preguiçosos!
Quem vive à conta do Orçamento não são os pobres, são os ricos!

Isso é que os senhores não querem mudar e por isso é que sempre acusam os pobres de serem aldrabões e preguiçosos.
A outra questão é a correção do défice externo. Mas não há qualquer correção. Correção haveria se substituíssemos importações por produção nacional. Mas o que está a acontecer é que a diminuição das importações é o resultado da destruição da economia nacional, da atividade produtiva e da procura interna.

Ontem, o Ministro das Finanças falou em, cito, «ajustamento notável» da procura interna. O gáudio do Ministro das Finanças revela bem que não percebeu que isso é o desastre da nossa economia, e se não percebeu isso, não percebeu nada. É isto que temos no Ministério das Finanças! O ajustamento da procura é feito à custa do desemprego, da miséria e da fome no nosso País. Notável é o descaramento do Ministro das Finanças e do Governo!

Falam de uma suposta credibilidade do País que ninguém vê, como se um país destruído fosse um País credível. O Governo bem pode vangloriar-se de uma colocação da dívida, enquanto continua a não querer fazer a verdadeira renegociação. O Sr. Primeiro-Ministro sabe — e sabe bem — que pode falar de regresso ao mercado, mas, com esta política, as famílias é que não vão regressar aos mercados para aquilo que precisam de comprar para as suas vidas.

Dizem, depois, que, sem a troica, não há dinheiro para salários. Já o PS dizia isso. Não há dinheiro para salários? Mas porquê? Por que é que não dizem, antes, que sem o financiamento não vai haver dinheiro para pagar ao BPN? Que não vai haver dinheiro para pagar as rendas das PPP?

Que não vai haver dinheiro para pagar os 5000 milhões de euros para a banca? Que não vai haver dinheiro para perdoar os impostos que os grupos económicos não pagam?

Para isso, continuaria a haver dinheiro e para pagar salários é que não haveria dinheiro. Dinheiro há! Os senhores é que querem entregá-lo aos mesmos de sempre.

O Sr. Ministro Mota Soares veio aqui querer dizer-nos que é preciso o dinheiro da troica e o Memorando para pagar as prestações sociais, para pagar os salários, para pagar as reformas.

Mas, então, o que aconteceu às prestações sociais nestes últimos anos? Aumentaram? Então, com o Memorando da troica, que é para pagar as prestações, elas foram ou não cortadas? Então, com o Memorando da troica, o que aconteceu aos salários, aos subsídios? Foram cortados! O que aconteceu ao investimento público? Foi cortado!

Então, o dinheiro da troica é para isto, ou é para a banca, ou é para o setor financeiro, ou é para pagar os juros agiotas da dívida? É para isso, e por isso é que este acordo tem de ser rompido!

Queríamos, ainda, dizer, Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, que houve quem dissesse que a apresentação das moções de censura era um «número de circo» — houve quem dissesse isso —, que era uma qualquer manobra para condicionar um partido. Quem diz e pensa isto está completamente desligado do que é, hoje. a realidade do País e ignora qual é o verdadeiro sentimento dos trabalhadores e das populações.

Nós sabemos — e o Sr. Deputado Francisco de Assis referiu-o aqui — que o PS chegou tarde a este debate. Passou a semana a tentar desvalorizar as moções de censura e só tardiamente percebeu o que as pessoas estão a sentir no nosso País e ou não compreendeu isso ou a sua hesitação confirma que continua de acordo com o fundamental das opções políticas deste Governo. E não venham dizer que a moção de censura é que ajuda a direita. Não! O PS aprovou o Orçamento de 2010 com o PSD e com o CDS; aprovou o Orçamento de 2011 com o PSD; aprovou o PEC 1, o PEC 2, o PEC 3, com o PSD; já nesta Legislatura, aprovou o Código do Trabalho do PSD e o Tratado Orçamental, o Orçamento para 2012 e o Orçamento retificativo. Aprovou tudo o que era fundamental. Não venham dizer que nós é que andamos de braço dado com a direita, porque nisso já ninguém acredita.

Perante a brutalidade do roubo aos portugueses, perante a destruição do património nacional e da nossa economia, não pode haver equidistâncias, não há três posições possíveis: ou se está contra a calamidade da política de direita e se rejeita o pacto de agressão ou se aceita, de forma mais ou menos explícita, que este caminho prossiga.

Seria possível, Srs. Deputados, deixar prosseguir o caminho deste Governo até 2015? Imaginam o que aconteceria a este País se este Governo continuasse a fazer o que está a fazer, até 2015? Não poderíamos imaginar a destruição do nosso País. É por isso que apresentamos uma moção de censura.

É hoje evidente para todos que, para além de não ter base social de apoio, o Governo já não tem sequer coesão interna. É um Governo sem condições políticas; e perdeu-as não pelas contradições da coligação — aliás, hoje, o Ministro Paulo Portas já nem falou —, embora também elas sejam uma consequência desta desagregação, mas devido à fortíssima luta e combate social, que enfrentou esta política, que já derrotou este Governo e que exige uma outra política. O Governo não tem condições políticas para continuar. A orquestra, desafinada, ainda toca, mas o navio já se afunda a grande velocidade!…

Esta Assembleia tem 230 Deputados. Todos vão votar, a seguir, estas moções de censura e cada um será responsável pela continuação ou pela interrupção deste desastroso caminho. Cada um que não votar a favor destas moções de censura é responsável pela continuação do desastre.
Não digam, depois, que não têm nada a ver com o roubo dos salários, com o bombardeamento fiscal, com a falta de emprego, com a negação da saúde, com a negação da educação.

Os Srs. Deputados da maioria, quando chegarem às vossas terras e aos vossos círculos, quando falarem com os vossos amigos, com os vossos familiares, não lhes digam que não estão de acordo com aquilo que o Governo está a fazer, porque, se vão votar aqui para continuar este Governo e a sua política, são responsáveis pelo desemprego, pelo corte dos salários, pela destruição do País. Essa é a vossa responsabilidade!

Um Governo que desrespeita os direitos dos trabalhadores, que atinge brutalmente e de forma cega os salários e as reformas, que vende o País ao desbarato a grupos económicos com as privatizações, que abdica da nossa soberania, é um Governo que não assegura o regular funcionamento das instituições democráticas que a Constituição impõe.

Neste debate, restou ao Governo a chantagem de sempre: ou nós ou o descalabro; ou esta política ou o caos. Nada de mais falso! A situação do País não é fácil, mas continuar a cavar o buraco onde 36 anos de política de direita nos meteram não é a solução.

Por isso, dizemos que é possível e necessária, que é indispensável a alternativa. O PCP tem propostas para uma política alternativa — esse será, aliás, o tema das nossas jornadas parlamentares. Porque só com a renegociação da dívida, com mais produção nacional, com melhores salários e reformas, com investimento, com a defesa soberana dos interesses nacionais é que este País vai para a frente.

E assim será, custe o que custar ao Governo, aos que defendem o pacto de agressão, ao grande capital, porque Portugal tem futuro!

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