Nota do Grupo de Trabalho do PCP para as Questões das Toxicodependências e do Narcotráfico

Sobre os problemas da toxicodependência e a necessidade de medidas de emergência para os enfrentar

Assinala-se, amanhã o Dia Internacional das Nações Unidas Contra o Tráfico Ilícito e o Abuso de Drogas e, nesta oportunidade, afigura-se-nos indispensável avaliar a situação existente no nosso país e as medidas para a enfrentar.

Uma situação preocupante, uma política de insensibilidade

1. A toxicodependência tem raízes numa sociedade baseada na exploração, no lucro e no sucesso sem princípios, uma sociedade doente, geradora de toxicodependência, cuja organização é cada vez mais nociva para milhões de pessoas. Os problemas daí resultantes atingiram uma dimensão que se reflecte na situação dramática de muitas dezenas de milhar de toxicodependentes e suas famílias, na expansão de drogas já conhecidas, na generalização de novas drogas, na proliferação de autênticos santuários de tráfico e degradação humana, num elevado numero de mortes e em problemas de criminalidade associada.

Vivemos uma situação preocupante que coloca importantes interrogações com que confrontamos o governo e para as quais chamamos à atenção do povo português.

Porque é que não foi feito qualquer estudo epidemiológico consequente sobre a dimensão do fenómeno da droga em Portugal à excepção de estudos parciais em meio escolar?

Porque é que o Observatório Vida não tem tido condições para fornecer dados e estudos nacionais minimamente significativos?

Porque é que o relatório anual que a "lei da droga" obriga o governo a apresentar à Assembleia da República até ao dia 31 de Março, ainda não foi apresentado?

Porque é que a resposta nacional à toxicodependência está pelo menos com 10 anos de atraso em relação às necessidades sentidas permitindo o agravamento progressivo do problema?

Porque é que a prevenção primária tem sido deixada ao acaso e não tem havido qualquer planificação e coordenação das acções e avaliação dos seus resultados?

Porque é que o Estado se desresponsabiliza no tratamento de toxicodependentes, obrigando aqueles que se querem tratar a esperar 3 e 6 meses por uma primeira consulta ou empurrando-os para estruturas privadas contribuindo para o desenvolvimento de um autêntico negócio à custa dos toxicodependentes e das suas famílias?

Porque é que as camas em instituições públicas para tratamento prolongado, (comunidades terapêuticas), não ultrapassam as 60 para um universo que alguns especialistas calculam em mais de 100.000 toxicodependentes?

Porque é que constituindo os reclusos toxicodependentes cerca de 40% da população prisional, isto é cerca de 5000, apenas existem três alas destinadas ao tratamento que envolvem escassas dezenas de presos?

Porque é que não há "casas de saída" e não há programas credíveis de reinserção social de ex-toxicodependentes?

Porque é que são lentas e escassas as medidas de coordenação da investigação no combate ao tráfico e persistem debilidades enormes de meios técnicos e no dispositivo das forças de segurança?

Porque é que a investigação do branqueamento de capitais tem sido escassamente dotada de meios e só agora o primeiro caso está em julgamento?

São algumas questões a que muitas outras se poderiam suceder.

Na prática não houve e não há uma verdadeira acção de prevenção da toxicodependência e de combate ao tráfico de droga, com a vontade política e os meios correspondentes à extraordinária gravidade que estes problemas atingiram.

As perguntas que fazemos são uma acusação àqueles que privilegiam a propaganda, os dias "D", a mediatização para factos políticos, manifestando depois na prática uma insensibilidade intolerável para com centenas de milhar de pessoas, para com o conjunto da sociedade portuguesa que sofre as consequências deste flagelo, uma insensibilidade que não pode continuar.

Um debate viciado

2. Os últimos dias têm sido férteis em abordagens da toxicodependência, que em muitos casos, têm como nota dominante a demagogia, o conformismo e a resignação.

São aqueles que transformam este problema, num género de leilão de penas ao estilo "quem dá mais" - como se mais um ou mais cinco anos de prisão resolvessem a questão. Está à vista nos países em que existem e são aplicadas as penas mais pesadas e se verificam igualmente os mais graves problemas de toxicodependência, que não é assim.

São alguns dirigentes e responsáveis do PS e do PSD, que com profunda insensatez e falta de rigor, têm encarado os problemas da toxicodependência como palco de um concurso de vaidades e passa culpas, para ver qual faz a proposta mais espectacular.

Pela nossa parte, queremos reafirmar que numa matéria tão importante, tão sensível e tão complexa, consideramos necessário um debate alargado, aprofundado, rigoroso, responsável e sem preconceitos.

Mas questionamos um debate viciado, que omite a abordagem das mais profundas causas sociais que estão na base do agravamento da toxicodependência e a necessidade de intervir sobre elas, um debate que silencia a verdadeira dimensão da toxicodependência a falta de vontade política e a insuficiência de medidas efectivas para lhe fazer frente, um debate redutor e maniqueísta que se limita a colocar o problema da proibição/legalização, quando a questão essencial é saber que estratégias e medidas concretas podem contribuir para prevenir e fazer recuar a toxicodependência.

Questionamos igualmente um caminho que a pretexto da redução de riscos, na saúde e na sociedade, não só tende a aceitar a perpetuação da toxicodependência, como a admitir a sua expansão.

Pela nossa parte, queremos reafirmar que não contemporizamos, nem nos resignamos a uma sociedade que produz toxicodependência, ou a políticas que tenham como perspectiva o ser humano alienado, dominado e destruído pela droga ou que aceitam e se conformam com a sua inevitabilidade. Pensamos que quaisquer que sejam, as estratégias a desenvolver devem ter como objectivo enfrentar e fazer recuar a toxicodependência, evitando que mais pessoas, particularmente jovens, caiam na dependência das drogas, e procurando saídas para aqueles que se deixaram enredar nesse percurso dramático.

Agir com a urgência que a situação impõe

3. Não chega fazer declarações que classificam a droga como inimigo público numero um. Em outras épocas, com muito menos recursos e conhecimentos, perante outras epidemias, mobilizaram-se quadros, criaram-se infra-estruturas, disponibilizaram-se meios e esses problemas foram enfrentados. Face à epidemia da toxicodependência que avança em Portugal e no mundo, não foi feito até agora algo de semelhante.

Na actual situação é necessário debater mas é sobretudo necessário agir.

A situação existente em Portugal impõe medidas de emergência para enfrentar este flagelo, no plano da prevenção primária, do atendimento e tratamento, na reinserção social de toxicodependentes e no combate ao tráfico e ao branqueamento de capitais.

Uma nova política, uma política de esquerda, uma política que dê perspectivas de futuro aos jovens, que garanta emprego aos mais de 110000 jovens desempregados e concretize o direito ao ensino e à formação com qualidade, o acesso à habitação, ao desporto, à cultura e aos tempos livres.

A realização de um estudo nacional, sistematizado, elaborado com os instrumentos científicos hoje disponíveis no âmbito das ciências sociais, que permita dotar o país, as instituições que intervêm nesta área e os órgãos de soberania, do conhecimento real da situação.

A adopção de novas medidas de prevenção primária e a sua coordenação. A abordagem deste problema nos currículos escolares. A preparação dos professores nesta área. O reforço da atenção dos órgãos de comunicação social com o estudo das mensagens mais ajustadas. A concretização de programas especiais para grupos de risco, como por exemplo os jovens que abandonam a escola.

A consideração que o toxicodependente tem direito a ser tratado e recuperado e que o Estado tem a responsabilidade de contribuir para que tal se verifique.

A criação de condições para tratamento dos toxicodependentes com o alargamento da rede pública. A criação de novos Centros de Atendimento de Toxicodependentes (CAT) e extensões. O alargamento dos programas e estruturas para tratamento de grávidas toxicodependentes. A criação de mais 1000 camas em comunidades terapêuticas públicas a par de uma exigente fiscalização de instituições particulares nesta área.

A formação dos médicos e a articulação dos centros de saúde com os serviços do SPTT para o aproveitamento de todas as potencialidades existentes.

A consideração dos mais diversos métodos de tratamento, com o devido acompanhamento e avaliação e consequentemente o uso de antagonistas, de produtos de substituição e de outras soluções com critérios definidos e de forma mais ou menos alargada.

A adopção de uma estratégia de redução de riscos que tenha em vista o tratamento dos toxicodependentes. No plano da saúde que contribua para a redução dos perigos de contracção da SIDA, da tuberculose ou das hepatites. No plano da sociedade que permita baixar o nível da criminalidade ligada à angariação de dinheiro para sustentar o consumo dos toxicodependentes.

A possibilidade de ensaiar a utilização de drogas, para fins terapêuticos, de acordo com normas estabelecidas, com o acompanhamento devido e uma avaliação idónea e independente, designadamente da OMS tendo em vista o tratamento e reinserção de toxicodependentes.

O levantamento dos locais críticos do país e a criação de um dispositivo nacional de centros de apoio fixos ou móveis que permitam cuidados básicos de assistência e saúde a toxicodependentes, bem como outras soluções de redução de riscos visando o seu encaminhamento para tratamento.

A elaboração e execução de programas prioritários de intervenção nos guetos de toxicodependência, integrando e coordenando medidas de (re)inserção social, (re)qualificação urbana e segurança das populações, com a responsabilização dos serviços qualificados do Estado em coordenação com o poder local e as populações.

A adopção de um plano em meio prisional que permita até ao final de 1998 a criação de oportunidades de tratamento aos toxicodependentes que o desejem, de acordo com as regras definidas, bem como o estabelecimento de políticas de redução de riscos que facilitem o encaminhamento para tratamento em todos os estabelecimentos prisionais.

A adopção de um vasto conjunto de incentivos à investigação científica, designadamente sobre as vulnerabilidade que conduzem à toxicodependência como forma de seleccionar os melhores programas de prevenção e sobre os mecanismos da dependência de modo a aumentar a eficácia dos processos de tratamento.

A eliminação das penas de prisão por consumo de droga. No caso dos toxicodependentes, porque são indivíduos que em grande medida perderam a vontade própria e a liberdade de decidir, são doentes e consequentemente a prisão só agravaria a sua situação. Nos casos de simples consumidores de drogas porque sujeitá-los a penas de prisão seria envolve-los num meio prisional extremamente degradado e nocivo. Continua entretanto a considerar-se que, de uma ou outra forma, a legislação deve estabelecer normas que apontem para a defesa do bem que é a saúde dos indivíduos.

O reforço do dispositivo e capacidades para o combate ao tráfico de droga e a multiplicação dos meios especializados no combate ao branqueamento de capitais, das magistraturas e autoridades policiais.

A intervenção de Portugal no quadro internacional, no âmbito da União Europeia e da ONU designadamente na preparação da Sessão Especial dedicada a este problema, contribuindo para uma nova ordem mundial, com efectivas oportunidades de desenvolvimento para os países mais pobres, que viabilizem a substituição de culturas de drogas e a redução da dívida externa, factor de crescimento dos negócios ilícitos ligados à droga.

Tudo isto implica, vontade política, coordenação de esforços, dotação extraordinária de meios e formação de quadros.

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Face à situação que vivemos o PCP considera indispensável uma intervenção de todas as forças políticas e sociais que querem fazer frente ao flagelo da toxicodependência e uma acção mais esclarecida e mais forte do povo português para que sem demora se tomem as medidas de emergência que a prevenção da toxicodependência impõe.

Pela sua parte, o PCP continuará a intervir na Assembleia da República, nas autarquias locais, no Parlamento Europeu, em todas as instituições e fora delas, tal como a JCP, para que sejam adoptadas as orientações e as medidas concretas capazes de fazer recuar o flagelo da toxicodependência, sem subterfúgios ou adiamentos.

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