Declaração de

Sobre o Dia Internacional da ONU contra o Tráfico e o Abuso de drogas, as acções anunciadas pelo Governo e as medidas que se impõem

1. As declarações de responsáveis nacionais e internacionais, recentemente conhecidas, vêm comprovar a existência de um enorme agravamento dos problemas da toxicodependência e tráfico de drogas nos últimos anos, com real significado no nosso país, onde o número de toxicodependentes atingiu já mais de 100.000 com todos os problemas sociais e de sofrimento pessoal e familiar que lhe estão associados.

Face à gravidade da situação da toxicodependência e num quadro em que a resposta nacional tem uma década de atraso em relação à dimensão deste flagelo, as acções apontadas pelo Governo hoje referidas por vários órgãos de comunicação social não estão de acordo com as exigências da resposta à situação de verdadeira emergência que existe nesta área.

Prevê-se algum alargamento de Centros de Atendimento a Toxicodependentes (CAT's), mas de forma que não permite ultrapassar o problema de toxidependentes que se desejam tratar e têm que esperar 3 e 6 meses por uma primeira consulta.

Continua a não haver uma aposta na criação de comunidades terapêuticas públicas, quando a capacidade da rede pública não ultrapassa as 60 camas para um número de toxicodependentes que ultrapassa a centena de milhar.

Prevê-se apenas o alargamento das alas livres de droga nas prisões de três para cinco atingindo uma capacidade total de cerca de 1% dos reclusos, quando se sabe que 40% destes têm problemas de toxicodependência.

Aponta-se para a criação de apartamentos de reinserção social com uma lotação que não chega aos 100 ex-toxicodependentes, o que não dá minimamente resposta às necessidades nesta área.

As medidas anunciadas são assim profundamente insuficientes. São também medidas parciais que deixam de fora áreas essenciais, em particular elementos estruturais da sociedade e a necessidade de mudança das políticas económicas e sociais que contribuem para gerar condições que conduzem à toxicodependência.

2. Não chega classificar a droga como inimigo público numero um, promover dias "D" ou anunciar medidas tímidas. A situação existente em Portugal impõe uma nova política e medidas de emergência para enfrentar este flagelo, de entre as quais o PCP destaca:

- A realização de um estudo nacional, sistemático, que permita o conhecimento real da situação. A adopção de um vasto conjunto de incentivos à investigação científica.

- A adopção de novas medidas de prevenção primária, a sua coordenação e avaliação.

- A consideração que o toxicodependente tem direito a ser tratado e recuperado e que o Estado tem a responsabilidade de contribuir para que tal se verifique. A criação de novos Centros de Atendimento de Toxicodependentes (CAT.s) e extensões que permitam a eliminação dos tempos de espera para primeiras consultas, com garantia de qualidade no seu funcionamento. O alargamento dos programas e estruturas para tratamento de grávidas toxicodependentes. A criação de mais 1000 camas em comunidades terapêuticas públicas a par de uma exigente fiscalização de instituições particulares nesta área.

- A formação dos médicos e a articulação dos centros de saúde com os serviços do SPTT para o aproveitamento de todas as potencialidades existentes.

- A consideração dos mais diversos métodos de tratamento, com o devido acompanhamento e avaliação e consequentemente o uso de antagonistas, de produtos de substituição e de outras soluções com critérios definidos e de forma mais ou menos alargada. A possibilidade de ensaiar a utilização de drogas, para fins terapêuticos, com normas estabelecidas, acompanhamento e avaliação idónea e independente. A adopção de uma estratégia de redução de riscos tendo em vista o tratamento e reinserção de toxicodependentes.

- O levantamento dos locais críticos do país e a criação de um dispositivo nacional de centros de apoio que permitam cuidados básicos de assistência e saúde a toxicodependentes e o seu encaminhamento para tratamento. A elaboração e execução de programas prioritários de intervenção integrada.

- A adopção de um plano em meio prisional que permita até ao final de 1998 a criação de oportunidades de tratamento aos reclusos toxicodependentes.

- A eliminação das penas de prisão por consumo de droga, continuando entretanto a considerar-se que, de uma ou outra forma, a legislação deve estabelecer normas que apontem para a defesa do bem que é a saúde dos indivíduos.

- o reforço do dispositivo e capacidades para o combate ao tráfico de droga e ao branqueamento de capitais.

- A intervenção de Portugal no quadro internacional, contribuindo para uma nova ordem mundial, com efectivas oportunidades de desenvolvimento para os países mais pobres.

Tudo isto implica, vontade política, coordenação de esforços, dotação extraordinária de meios e formação de quadros.

3. Estas são orientações e medidas que se impõem, e que contrapomos às abordagens da toxicodependência, que têm sido férteis nos últimos dias, em muitos casos, tendo como nota dominante a demagogia, o conformismo e a resignação.

Numa matéria tão sensível e tão complexa, é necessário um debate alargado, aprofundado, rigoroso, responsável e sem preconceitos.

Mas questionamos um debate redutor e maniqueísta que se limita a colocar o problema da proibição/legalização, um debate viciado, que omite a abordagem das mais profundas causas sociais que estão na base do agravamento da toxicodependência, que silencia a falta de vontade política e a insuficiência de medidas efectivas para lhe fazer frente.

Questionamos um caminho que pretende transformar este problema, num género de leilão de penas - como se mais um ou mais cinco anos de prisão resolvessem a questão - quando está à vista, nos países em que existem e são aplicadas as penas mais pesadas, que não é assim.

Questionamos igualmente um caminho que a pretexto da redução de riscos, na saúde e na sociedade, não só tende a aceitar a perpetuação da toxicodependência, como a admitir a sua expansão.

Queremos reafirmar que, quaisquer que sejam, as estratégias a desenvolver devem ter como objectivo enfrentar e fazer recuar a toxicodependência, evitando que mais pessoas, particularmente jovens, caiam na dependência das drogas, e procurando saídas para aqueles que se deixaram enredar nesse percurso dramático.

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