Declaração de António Filipe, Deputado e membro do Comité Central do PCP, Conferência de Imprensa

Sobre a gravidade da crise na Administração Interna

O PCP promove a presente conferência de imprensa com o objectivo de alertar para alguns dos aspectos mais graves da actual política de Administração Interna, preocupado com a crise profunda por que passa esta área governativa, com o crescimento da criminalidade violenta que afecta as populações, com os problemas de segurança do Euro 2004 e com a debilidade da resposta na prevenção rodoviária.

Vale a pena relevar cinco traços essenciais da situação nesta área:

1 – A desastrosa política deste Governo motivou uma crise profunda que percorre todos os sectores da área da Administração Interna, com consequências profundamente negativas na segurança, nos direitos e liberdades dos cidadãos e na operacionalidade e estabilidade das forças e serviços de segurança.

A ausência de uma orientação estratégica que corresponda aos problemas objectivos da área da segurança interna traduz-se designadamente nas contradições entre o Ministro e os seus Secretários de Estado, evidenciadas no caso da Brigada de Trânsito, na instabilidade por que passam as forças de segurança, no abandono a que foi deixada a segurança dos cidadãos, bem como na confusão que se instalou na Protecção Civil. Nos quase dois anos de vida deste Governo são inúmeras as promessas persistentemente não cumpridas, de reorganização na segurança interna, de mais polícias no patrulhamento, de diminuição da criminalidade, de contenção da sinistralidade rodoviária, de garantias de direitos para os agentes das forças de segurança, etc., etc.

2 – Um segundo traço de preocupação prende-se com a perigosa degradação das condições de segurança, principalmente nas áreas urbanas e com o aumento da criminalidade violenta e grupal.

O crescimento da criminalidade é, antes de mais, um resultado da degradação da situação social do nosso país provocada pelas políticas neoliberais de sucessivos governos, mas que, com o actual, se tem vindo a agravar de forma muito substancial e com contornos que, não poucas vezes, configuram ameaças ao próprio regime democrático.

Mas a degradação da segurança pública e a ruptura dos programas de polícia de proximidade, a escassez de elementos afectos a missões de policiamento, e os cortes orçamentais que atingem o funcionamento e a operacionalidade das forças de segurança, são aspectos que dependem directamente das políticas do MAI e são responsáveis pela ausência de resposta ao acréscimo da criminalidade violenta e grupal, pelo sentimento de insegurança que atinge a população e pela quebra da confiança dos cidadãos na polícia.

Em 2002 o somatório de seis tipos de crimes graves e violentos - roubo por esticão, na via pública, assaltos a bancos e postos de combustível e de associação criminosa, aumentou 478,6% em relação a 2001. Nos primeiros seis meses deste ano, os assaltos a bancos triplicaram e os homicídios violentos e raptos registaram um crescimento de 50% em relação a 2002.

Um Relatório recente sobre a qualidade da vida urbana na cidade do Porto, em que foram inquiridas 2400 pessoas, constata que 44,7% valoriza como factor mais negativo a insegurança e a criminalidade e teme pela sua segurança.

Recentemente, a televisão russa ORT noticiou que ficam por identificar nos Institutos de Medicina Legal em Portugal, centenas de “mortos de ninguém”, cadáveres de imigrantes do Leste, muitos deles certamente assassinados pelas mafias. E há indícios fortes duma internacionalização crescente da criminalidade organizada e violenta que opera no nosso país.

Na delinquência juvenil e grupal as ocorrências referidas no Relatório de Segurança de 2002 somam 5.615 delitos, com uma subida de 9%. E foi o próprio Coordenador da Comissão de Segurança do MAI que veio afirmar recentemente que a criminalidade juvenil vai registar em 2003 um aumento de 11%.

3 – Em terceiro lugar, a obsessão militarista do Governo na área da Administração Interna tem vindo a revelar-se cada vez mais como inadequada e tem gerado um clima de conflito, instabilidade e descontentamento que resultou em demissões e na paralisia dos programas integrados de policiamento de proximidade e da capacidade preventiva das forças de segurança, e na degradação da sua imagem junto das populações.

A crise que ainda se faz sentir na GNR, evidenciada pelas demissões no Comando da BT, é parte integrante de uma crise mais geral que não se resolve com a substituição deste ou daquele comandante.

A questão é que as FS devem estar subordinadas à legalidade democrática, não sujeitas a uma militarização inadequada que contraria e anula os factores democráticos e cívicos que são essenciais à sua missão policial.

Por outro lado, é evidente o fracasso da política de segurança rodoviária, incapaz de inverter as estatísticas de sinistralidade nas estradas portuguesas, a mais grave da Europa.

Nesta área, continua a não atribuição de recursos humanos e materiais de acordo com as exigências operacionais, persiste a militarização da Brigada de Trânsito e uma política assente na “caça à multa”, que em vez de apostar na formação e na pedagogia cívica dos automobilistas privilegia novas e gravosas sanções pecuniárias.

Neste período das Festas de Natal e Fim de Ano, em que infelizmente acontecem tantos acidentes rodoviários, o PCP insiste na urgência de criar uma cultura de civilidade e segurança rodoviária e de investir na eficiência preventiva da actuação das patrulhas da BT, que devem ser totalmente empenhadas na dissuasão do acidente nos pontos negros do trânsito rodoviário.

4 – Quarto traço, a sanha privatizadora do Governo, de alienação dos serviços públicos e responsabilidades sociais do Estado, começa a atingir, também, a segurança e protecção dos cidadãos. Quando o Governo afirma que “a segurança privada tem uma função complementar das actividades das forças e serviços de segurança”, abre o caminho para entregar áreas vitais da segurança pública nas mãos da iniciativa privada, onde a segurança se torna um negócio, em vez de um serviço público, e dá mais um passo na policialização militarizada da sociedade, com consequências perversas.

Estamos hoje confrontados com um quadro nebuloso na realidade da segurança privada em Portugal. É uma evidência que os corpos de segurança privados já invadiram espaços do domínio público e usurparam responsabilidades que devem ser exclusivas das forças de segurança públicas, em ostensiva violação da Constituição da República e dos direitos dos cidadãos.

É desta realidade nebulosa, estimada em 60 empresas e quase 80 mil seguranças, a maioria em situação ilegal, que o Euro 2004 e os milhares de cidadãos/adeptos vão estar dependentes em termos de segurança. E a situação é tanto mais grave quanto as forças de segurança foram completamente afastadas do interior dos estádios, não têm informação, não estão articuladas e não têm conhecimento das novas instalações e dos equipamentos que vão manusear.

O PCP manifesta a sua preocupação e pronuncia-se energicamente contra a política de segurança do Governo, neste importante evento desportivo. E responsabiliza directamente o MAI pelos atrasos e omissões que podem pôr em risco a segurança de milhares de cidadãos.

5 – Entretanto, o que é conhecido dos projectos do Governo para a área da segurança interna - a fusão dos Serviços de Informações, um “novo modelo de policiamento”, a obsessão de “mais autoridade do Estado” e a crescente confusão entre forças policiais e corpos militares – não apontam para uma melhor capacidade de resposta na salvaguarda da segurança e da tranquilidade dos cidadãos, mas visa criar melhores condições para a vigilância e repressão de movimentos sociais e para a intervenção em missões externas, como no caso do Iraque, a que o PCP frontalmente se opôs e cuja regresso imediato continua a exigir.

Estes traços, que caracterizam a acção do Governo, repercutem-se de forma grave e negativa em toda a área e em diversos aspectos da situação da Administração Interna, são altamente lesivos dos interesses dos cidadãos e das populações e do próprio regime democrático, e são-no igualmente dos direitos e dignidade dos profissionais das forças de segurança.

Face à profundidade da crise que assola a área da Administração Interna, ao mesmo tempo que responsabiliza o Governo pelas suas consequências e recorda que o PS tem também importantes responsabilidades na situação a que se chegou, o PCP reafirma que tudo fará para concretizar as iniciativas e medidas políticas que melhor garantam a segurança e tranquilidade públicas, a estabilidade e eficácia das Forças de Segurança e a dignidade dos agentes que as integram, no estrito respeito pelas liberdades e direitos dos cidadãos e a legalidade democrática.

E nesse sentido, sem prejuízo do rápido agendamento das reuniões necessárias à discussão urgente desta matéria na 1ª Comissão, o PCP tomará a iniciativa de propor em Janeiro a realização de um debate no Plenário da Assembleia da República sobre a política de segurança interna com o objectivo de confrontar publicamente o Governo com as consequências da sua política e de debater as opções políticas mais adequadas para a superação da crise que presentemente afecta esse sector.

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