Declaração de Duarte Alves, Deputado, Conferência de Imprensa

Sobre as conclusões da Comissão de Inquérito do Novo Banco

Sobre as conclusões da Comissão de Inquérito do Novo Banco

O PCP interveio na Comissão Parlamentar de Inquérito às perdas registadas pelo Novo Banco e imputadas ao Fundo de Resolução (CPI) no sentido de que esta Comissão pudesse apurar factos e apontar responsabilidades políticas relativamente ao seu objeto de análise, que abrange todo o período desde a queda do BES e da resolução até ao momento presente, passando pela privatização e pela gestão da Lone Star.

O PCP considera que os trabalhos desta Comissão permitiram reforçar as conclusões já apuradas em momentos anteriores, desde logo a responsabilidade dos governos de PS, PSD e CDS nas opções que levaram ao descalabro do BES e à sangria de recursos públicos para o Novo Banco.

A Comissão teve ainda o mérito de dar visibilidade pública aos negócios ruinosos realizados pelo BES com a complacência do supervisor e de sucessivos governos, bem como às graves consequências das opções de gestão do Novo Banco e das decisões políticas sobre este processo, que responsabilizam tanto o Banco de Portugal e a União Europeia, como os governos de PS, PSD e CDS.

A proposta de relatório da Comissão, abordando as principais temáticas que foram suscitadas ao longo dos seus trabalhos, não corresponde ao propósito de apurar as responsabilidades políticas sobre o que se tem passado no Novo Banco.

Há pelo menos três elementos novos desta CPI, em relação à CPI do BES.

Um dos novos elementos foi o acesso da Comissão, pela primeira vez e após vários anos de insistência por parte da Assembleia da República, ao Relatório interno de avaliação da atuação do Banco de Portugal, que ficou conhecido como “Relatório Costa Pinto”. O conhecimento deste relatório tornou inevitável a análise do período imediatamente anterior ao colapso do BES, sobretudo no que diz respeito à atuação do Banco de Portugal.

Além deste relatório, é relevante o conhecimento da lista dos maiores devedores do BES/Novo Banco, elemento que era desconhecido da anterior CPI ao BES, e a audição a alguns desses devedores.

Por fim, o relatório de auditoria do Tribunal de Contas que, tendo sido publicado durante os trabalhos da Comissão, foi incorporado no acervo e nos conteúdos das audições.

Principais conclusões

Estes três elementos novos, bem como o desenrolar dos trabalhos da Comissão, permitiram confirmar com maior evidência as conclusões que o PCP tinha já retirado de momentos anteriores:

  • a inadequação do modelo de supervisão dita independente e as graves falhas do Banco de Portugal, agravada pelas portas giratórias entre grandes auditoras, bancos e Banco de Portugal;
  • a fraude que representou a resolução decidida pelo Governo PSD/CDS, quando se disse que seria possível resolver o banco com 4.9 mil milhões de euros, criando um suposto “banco bom”;
  • o caráter ruinoso da privatização, decidida pelo Governo PS, entregando o banco a um fundo privado (a Lone Star), que ficou com todos os instrumentos para utilizar a totalidade da garantia pública de 3.9 mil milhões de euros, sem quaisquer mecanismos eficazes de controlo;
  • a situação inaceitável em que a limpeza do ativo do banco é feita com recursos públicos suportados pelos portugueses, sem que o banco seja colocado na esfera pública, colocando-o ao serviço do país e permitindo a nomeação de administradores comprometidos com o interesse público e com a necessidade de recuperar as dívidas deixadas pelos grandes devedores;
  • que o papel das autoridades europeias, designadamente da Direção Geral da Concorrência da Comissão Europeia (DGComp), e a aceitação dessas imposições pelos Governos, representou um ainda maior dano sobre o interesse público, tendo Portugal sido alvo de um autêntico experimentalismo das novas regras europeias de resolução;
  • que a gestão da atual administração do Novo Banco é marcada pelo interesse do acionista Lone Star, que procura utilizar toda a verba pública, rentabilizar os ativos a seu favor, com o objetivo de vir a vender o banco a um qualquer grupo privado estrangeiro, agravando a detenção da banca privada pelo capital estrangeiro;
  • que a arquitetura dos mercados financeiros no plano europeu e internacional, a falta de mecanismos de controlo, a utilização de entidades sediadas em offshores, aliadas às insuficientes explicações dadas ao longo desta Comissão, não afastam a forte possibilidade de que tenham sido feitas vendas de ativos a partes relacionadas com a própria Lone Star, com devedores e mesmo ex-proprietários do BES;
  • que o facto de não ter sido possível, ao longo dos trabalhos da Comissão, identificar o nome das diversas entidades e investidores na cadeia de propriedade que vai desde a Nani Holdings (entidade que diretamente detém as ações do Novo Banco) até ao fundo de topo Lone Star, demonstra a falta de transparência destes fundos de investimento, o que só por si justificaria que não se entregasse um dos maiores bancos nacionais a uma entidade com estas característica e sem vocação bancária;
  • que os recursos do Fundo de Resolução, entregues ao Novo Banco para benefício da Lone Star, são mesmo recursos públicos, como o PCP sempre afirmou e agora foi confirmado na auditoria do Tribunal de Contas.

As responsabilidades políticas do Banco de Portugal e das autoridades europeias

O relatório proposto assume por diversas vezes, e mesmo no capítulo das conclusões, um registo de equidistância entre as críticas à atuação do Banco de Portugal e a defesa feita pelos seus protagonistas, o que, na opinião do PCP, não corresponde ao registo que claramente deve ser feito das graves falhas de supervisão ao longo de todo este processo.

As responsabilidades da União Europeia, do BCE à DGComp, embora explicitadas no relatório, precisariam de maior desenvolvimento, bem como da responsabilização das autoridades nacionais que, mesmo com essas imposições inaceitáveis, aceitaram fazer a resolução e depois a privatização, sem qualquer margem de intervenção pública. É significativo que, nas recomendações, nenhuma diga respeito à UE e à relação entre autoridades nacionais e europeias.

As responsabilidades políticas dos Governos PSD/CDS e PS

Mas se poderíamos exigir mais da parte relativa ao BdP e à UE, é na responsabilização dos governos que está a maior fragilidade desta proposta de relatório.

A ideia que passa deste relatório é de que os Governos, tanto do PSD/CDS como do PS, foram como que obrigados a tomar as decisões então assumidas, que seriam as “menos más”, em face das circunstâncias, que lhes seriam externas. Quanto muito, o relatório critica as “falhas na comunicação” destas medidas pelos Governos.

Ora, nunca esteve em causa um mero problema de “comunicação”. São graves as responsabilidades de quem decidiu uma resolução fraudulenta e uma privatização ruinosa, aceitando todas as imposições externas.

Os Governos de PSD, CDS e do PS foram quem, à vez, prosseguiram este rumo que nos levou à situação atual: um banco em que já foram enterrados mais de 8 mil milhões de euros de recursos públicos, e que sendo privado, serve os interesses dos seus acionistas e não o interesse público. O Estado paga, mas não manda. A gestão privada continua, apesar de ter sido a gestão privada que levou à ruína do BES.

Insuficiências do relatório

Haveria vários pontos a melhorar no relatório:

  • O papel das auditoras externas, monopolizadas por quatro grandes auditoras que também são consultoras, e que realizam funções enquadradas no sistema de supervisão, sempre com conflitos de interesses, uma vez que são as mesmas que trabalham com os bancos para apoiar os seus negócios;
  • O que representou a aceitação de que grupos com a importância sistémica do GES tivessem a sua sede fora do país, retirando poderes de intervenção dos supervisores, o que continua a acontecer atualmente;
  • Quanto à falta de atuação do Banco de Portugal, o significativo exemplo de que, perante as manobras do BES para contornar as medidas de separação entre Banco e Grupo (ring-fencing), passando ativos da ESI para a Rioforte, se tenha mantido a estratégia de mera “persuasão moral” face a Ricardo Salgado e outros administradores;
  • A comprovação de que as afirmações do governador Carlos Costa, na COFAP de dia 18 de julho de 2014, quando disse que a situação no BESA não teria impactos no BES, se revelaram falsas, caso contrário seria inaceitável que se tenha dado o pretexto para a revogação da garantia pública angolana, em vez de se procurar a sua execução.
  • A conclusão de que os acordos entre Banco de Portugal e CMVM sobre o acompanhamento da venda de produtos financeiros ao balcão não iliba o Banco de Portugal das responsabilidades que lhe estão legalmente atribuídas;
  • As responsabilidades do ISP (hoje ASF) no descalabro da Tranquilidade, não tendo atuado preventivamente para evitar a utilização de recursos da seguradora para financiar empresas do GES, e depois as responsabilidades na sua venda a preço de saldo, beneficiando o Fundo Apollo, que comprou a Tranquilidade por 40 milhões de euros, vendendo-a mais tarde por 600 milhões de euros;
  • A comprovação de que, tendo sido interrompido o procedimento de venda do banco em 2015 devido ao pedido dos concorrentes de garantias públicas sobre os ativos, pelo menos desde essa altura haveria dados suficientes para dizer a verdade aos portugueses sobre a toxicidade dos ativos que transitaram para o suposto “banco bom”, por muito que isso atrapalhasse a propaganda do então Governo sobre a suposta “saída limpa” do programa da troika;
  • Seria preciso corrigir a afirmação de que o Tribunal de Contas reconhece que a venda salvaguardou o interesse público, quando não é isso que o tribunal afirma. O diz a auditoria é que o financiamento público assegurou a estabilidade do sistema financeiro, o que poderia ser feito em diversas modalidades. Mas também o Tribunal de Contas diz que os recursos do Fundo de Resolução são recursos públicos e que a venda, como foi feita, não assegurou a melhor utilização do erário público, o que é omitido do relatório proposto;
  • Ignora que a hipótese da nacionalização foi excluída, sem qualquer estudo que avaliasse eventuais custos e benefícios dessa solução, pelo Governo PSD/CDS em 2014, conforme foi confirmado por Maria Luís Albuquerque; e que o governo PS, no momento da privatização (que veio a custar ao Estado quase 3.9 mil milhões de euros), estimou os custos diretos essa hipótese em 4 a 5 mil milhões de euros, como afirmou Mário Centeno, sem que tenha sido feito um estudo custo-benefício. Uma solução que manteria o banco na esfera pública, o que tendo custos, traria também vantagens, desde logo a nomeação de administradores e não o recurso a supostos mecanismos sem consequência prática;
  • Falta referir que a exclusão da hipótese da nacionalização, bem como a decisão, a partir de janeiro de 2017, de negociar em exclusividade com a Lone Star, fragilizou a posição negocial pública, em favor do comprador;
  • No procedimento de venda que levou à entrega do Novo Banco à Lone Star, as afirmações de Sérgio Monteiro na audição acerca dos concorrentes à compra indiciam que tenha havido tentativas, por parte da família Espírito Santo, de recuperar o controlo sobre o banco;
  • Falta referir que, aos 3.9 mil milhões de euros a coberto do CCA e à possibilidade de utilização do mecanismo de backstop, o contrato de venda à Lone Star não protegeu o erário público de outras possibilidades de utilização de recursos públicos, que ainda estão presentes e que podem levar a novos gastos:
  • a cláusula que garante que a conversão dos DTA’s apenas dilui a participação do Fundo de Resolução e não a participação da Lone Star, que pode significar a utilização de mais cerca de 700 milhões de euros sem que aumente a participação de entidades públicas no capital do banco;
  • ou as disposições que desoneram o Novo Banco e a Lone Star de quaisquer responsabilidades que venham a ser atribuídas ao Novo Banco por sentença transitada em julgado e por indemnizações eventualmente devidas a entidades que, por diversas razões, colocaram ações judiciais contra o Novo Banco ou o BES, incluindo ou não o Banco de Portugal;
  • Falta uma maior clareza naquela que é uma conclusão óbvia dos trabalhos da CPI: nenhum dos mecanismos de controlo funcionou, como era de esperar pelo desenho destes mecanismos, designadamente a Comissão de Acompanhamento, que ainda por cima só começaram a funcionar com um considerável atraso;
  • Falta sobretudo assinalar que não foi definido nenhum mecanismo de controlo ou acompanhamento para a gestão de ativos fora do CCA, cujas opções de gestão, totalmente nas mãos da Lone Star, representam uma das duas componentes que determinam o valor das injeções públicas;
  • Não é assinalado que a falta desses mecanismos de controlo ou acompanhamento deu “rédea solta” à Lone Star para esta realizar vendas de ativos mobiliários e imobiliários em carteira, adquiridos por fundos numa total opacidade, levando por um lado a registos de perdas de centenas de milhões de euros, que se refletem nas injeções públicas, e por outro, a situações inaceitáveis de dívidas compradas por uma fração do seu valor aos próprios devedores ou a seus associados, como aconteceu com a dívida da Imosteps;
  • Para lá da perplexidade com as perdas nos ativos imobiliários ou com as perdas registadas na venda da GNB Vida, seria necessário afirmar que não foram delineados quaisquer mecanismos de controlo e acompanhamento por parte de entidades públicas sobre estes ativos, a sua avaliação contabilística, a sua gestão e a sua venda;
  • À indignação manifestada pelo relatório com a atribuição de bónus e remunerações variáveis aos administradores do Novo Banco, falta a conclusão de que essas manobras só são realizadas porque nem o Governo nem o Banco de Portugal colocaram cláusulas no contrato que as impedissem.

Havendo estes e outros aspetos da proposta de relatório que poderiam ser melhorados, o maior problema que identificamos nesta proposta de relatório está nas conclusões em que o relator assume a posição de que os Governos de PSD/CDS e de PS tomaram a melhor opção quando decidiram a resolução e a privatização, nos termos que são conhecidos e com as consequências que continuam a pesar sobre todos os portugueses, em particular as conclusões 4.27 e 4.49.

Não contem com o PCP para isentar as responsabilidades dos Governos nestas opções políticas.

Desde 2014 que o PCP afirma a necessidade de garantir o controlo público sobre o Novo Banco.

Esta CPI só veio confirmar, com ainda mais informação, a convicção que temos de que essa teria sido e continua a ser a opção que melhor serve o país.

Hoje, em face da grave situação económica e social que vivemos, poderíamos ter um banco público dedicado de forma particular ao investimento, aproveitando uma ampla rede de contactos junto de MPME. Poderíamos ter administradores nomeados pelo Estado, em vez de uma Comissão de Acompanhamento pouco mais que simbólica. Administradores comprometidos com o interesse público, com a recuperação das maiores dívidas. Administradores a quem o Estado, enquanto acionista, poderia impedir a atribuição de prémios de gestão milionários, afrontando todos os portugueses. Uma opção que naturalmente teria custos, mas que permitiria que o dinheiro dos portugueses, em vez de dado como perdido a favor dos lucros de um fundo abutre, fosse aproveitado para termos um banco ao serviço da economia e do país.

O que se passou no BES e no GES é o retrato da queda de um grupo monopolista, que se serviu da privatização da banca concluída nos anos 90, da restituição do poder do grande capital em resultado da política de direita de PS, PSD e CDS, da submissão do poder político ao poder económico, da liberalização dos mercados de capitais e dos offshores, de uma rede de especuladores que apoiaram os seus investimentos em créditos de favor e em dívidas insustentáveis e permanentemente reestruturadas, bem como de uma supervisão que não funciona porque está desenhada para não funcionar.

Mas se a queda do BES é um retrato das consequências de opções da políticas de direita, o que se tem passado desde então, com o Novo Banco, representa a continuidade dessas mesmas políticas, que levaram a que os portugueses continuem a pagar a fatura dos desmandos da gestão privada da banca.

Concluídos os trabalhos da Comissão de Inquérito, o PCP reafirma a necessidade de recuperar o controlo público sobre o Novo Banco. Reafirma a necessidade de responsabilizar a Administração do Novo Banco, mas também os supervisores, os governos de PS, PSD e CDS, bem como a União Europeia, aspeto que o relatório proposto não contempla de forma satisfatória.

  • Economia e Aparelho Produtivo
  • Assembleia da República
  • BES
  • Comissão de Inquérito do Novo Banco
  • Novo Banco