Projecto de Lei N.º 78/XIII/1.ª

Reversão do Hospital Distrital de São João da Madeira para o Ministério da Saúde

Reversão do Hospital Distrital de São João da Madeira para o Ministério da Saúde

A reorganização da rede hospitalar anunciada e levada a cabo pelo então Governo, de desastre nacional, PSD/CDS, longe de garantir melhor acessibilidade e qualidade dos cuidados de saúde, obedeceu sim a uma matriz economicista, que resultou na redução da capacidade de resposta do Serviço Nacional de Saúde (SNS), na diminuição do investimento público, no encerramento, concentração e redução de serviços e valências, assim colocando em causa um direito fundamental e constitucional: o direito à Saúde.

Um dos instrumentos para a concretização da dita “reorganização” foi o Decreto-Lei nº 138/2013, de 9 de Outubro, que “define as formas de articulação do Ministério da Saúde e os estabelecimentos e serviços do Serviço Nacional de Saúde (SNS) com as instituições particulares de solidariedade social, bem como estabelece o regime de devolução às Misericórdias dos hospitais objeto das medidas previstas nos Decretos-Leis n.ºs 704/74, de 7 de dezembro, e 618/75, de 11 de novembro, atualmente geridos por estabelecimentos ou serviços do SNS.”

Este diploma preconiza a entrega de hospitais públicos às respetivas Santas Casas da Misericórdia, mediante a celebração de acordos de cooperação. Refere que o acordo tem um prazo de duração de 10 anos e que deve reduzir os encargos do SNS em pelo menos 25% – uma redução que terá necessariamente implicações na qualidade e na acessibilidade aos cuidados de saúde e ao nível dos profissionais de saúde.

A transferência de hospitais públicos para as Misericórdias é uma das medidas levadas a cabo pelo então Governo PSD/CDS, inserida numa estratégia de desmantelamento do Serviço Nacional de Saúde e de benefício das entidades privadas.
Este processo mais não é do que uma privatização encapotada – trata-se efetivamente da transferência de serviços públicos para entidades privadas, independentemente da natureza destas. A transferência de hospitais públicos para as Misericórdias significa ainda a desresponsabilização do Estado na garantia do direito universal à saúde e na prestação de cuidados de saúde eficazes e de qualidade.

Neste processo não há proteção dos interesses públicos nem dos utentes, para além de o mesmo ter avançado à margem dos profissionais de saúde, das organizações representativas dos trabalhadores, dos utentes e das autarquias.

O Decreto-Lei nº 138/2013, de 9 de Outubro, não é claro quanto à salvaguarda dos postos de trabalho existentes, nem à manutenção do número de profissionais necessários para prestar cuidados de saúde de qualidade, nem quanto aos direitos dos trabalhadores – é motivo de preocupação a possibilidade de retirada de direitos por via da imposição dos contratos individuais de trabalho ou da mobilidade. As condições de transferência de equipamentos, adquiridos com recursos públicos, ou os investimentos entretanto realizados ao longo dos anos nos edifícios, são matérias que também não encontram resposta neste diploma.

Estes hospitais passaram para a gestão pública, por um processo de “nacionalização” após o 25 de Abril, sob o primado da criação de um serviço público de saúde universal e com cobertura nacional, ficando o Estado a pagar rendas para as respetivas Misericórdias. Muitas das instalações encontravam-se em levado estado de degradação, com os seus equipamentos obsoletos, o que obrigou o Estado a proceder a requalificações, a ampliações e a adquirir equipamentos tecnologicamente mais avançados, concretizando-se um investimento público de largos milhões, suportado por dinheiros públicos, para benefício da saúde dos utentes.

E contrariamente à ideia que se procura passar, durante todos estes anos o Estado pagou uma renda às misericórdias pela utilização dos edifícios onde funcionam os hospitais que são sua propriedade.

Numa primeira fase deste processo, foram transferidos para as misericórdias os Hospitais de Anadia, Fafe e Serpa, com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2015, e cujas consequências desastrosas desta sua entrega é já possível observar – por exemplo, com a perda de postos de trabalho e direitos laborais.

A segunda fase de retirada de serviços e bens públicos do SNS tem efeitos já a 1 de Janeiro de 2016 e contempla o Hospital Distrital de São João da Madeira.

II
O Hospital Distrital de São João da Madeira, atualmente integrado no Centro Hospitalar de Entre Douro e Vouga, EPE, serve os concelhos de São João da Madeira, Oliveira de Azeméis e Vale de Cambra.

Este Hospital tem sido paulatinamente esvaziado das suas principais valências, de forma progressiva: inicialmente foi o serviço de Urgência e, posteriormente, as especialidades de Cirurgia, Ortopedia, Urologia, Oftalmologia e Otorrinolaringologia, tendo perdido os respetivos profissionais e equipamento – encerramentos que mereceram a contestação da população e a denúncia e a intervenção do PCP.

A liquidação destes serviços hospitalares, designadamente da Urgência, fez com que estas populações fossem obrigadas a dirigir-se a outros hospitais, nomeadamente para ao serviço de Urgência do Hospital São Sebastião, em Santa Maria da Feira, resultando numa consequente sobrecarga, com riscos de rutura daquele serviço – o que, infelizmente, a realidade comprovou. Esta situação só trouxe graves prejuízos para as populações destes concelhos.

As opções políticas e ideológicas de sucessivos governos têm sido de fragilização, descredibilização e desmantelamento do Serviço Nacional de Saúde, enquanto resposta universal, geral e gratuita. E é neste contexto, que se insere este processo de entrega do Hospital Distrital de São João da Madeira à Santa Casa da Misericórdia de São João da Madeira – um caminho rejeitado pela população do concelho, como o protesto ocorrido em Julho passado o reafirma.

Importa referir que o Acordo de Cooperação assinado entre o Hospital Distrital de São João da Madeira e a Santa Casa da Misericórdia de São João da Madeira data de 20 de Novembro, tendo sido celebrado numa data em que o Governo PSD/CDS está já demitido de funções pela Assembleia da República.

A transferência dos hospitais, designadamente do Hospital Distrital de São João da Madeira, para as Misericórdias, é mais um passo de fragilização do Serviço Nacional de Saúde, fugindo-se assim a medidas que reforcem efetivamente o SNS e a sua capacidade de resposta.

Acresce a preocupação quanto ao futuro e à salvaguarda dos direitos dos trabalhadores do Hospital Distrital de São João da Madeira, bem como quanto ao serviço que será prestado à população, sem esquecer os interesses públicos que são profundamente lesados neste processo.

A solução que defende os utentes, os profissionais e o Serviço Nacional de Saúde é manter o Hospital de São João da Madeira na esfera pública.

O direito à saúde só será garantido, integralmente, a todos os utentes, quando for assumido diretamente por estabelecimentos públicos de saúde, integrados no SNS.

E só a gestão pública dos hospitais integrados no SNS cumpre os princípios constitucionais, nomeadamente, a universalidade e a garantia da qualidade dos cuidados de saúde, independentemente das condições económicas e sociais dos utentes.

Neste sentido o PCP propõe que o Hospital Distrital de São João da Madeira se mantenha sob gestão pública e integrado no SNS.

Assim, nos termos regimentais e constitucionais, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1º
Objeto
A presente lei determina a reversão do Hospital de São João da Madeira para o Ministério da Saúde.

Artigo 2º
Serviços e valências
1 - A reversão do Hospital de São João da Madeira não implica a perda ou redução do número de valências nem interfere na qualidade das prestações de saúde.
2 - O disposto no número anterior não prejudica a entrada em funcionamento de novas valências que, não se encontrando ainda em fase de implementação, foram e/ ou venham a ser objeto de análise, estudo e decisão quanto à sua inclusão no conjunto de cuidados prestados à população.

Artigo 3º
Profissionais
1 - Os profissionais que, independentemente do âmbito, modalidade e vínculo contratual exerçam à data da reversão funções no Hospital de São João da Madeira transitam de forma automática para o Ministério da Saúde.
2 - Os trabalhadores que não sejam integrados pela Santa Casa da Misericórdia de São João da Madeira, à data da produção de efeitos do Acordo de Cooperação, e que pretendam continuar a exercer funções no Hospital de São João da Madeira, devem manifestar tal vontade, sendo-lhes assegurada colocação no respetivo mapa de pessoal.

Artigo 4º
Processo de reversão
1 – O processo de reversão deve ocorrer no prazo máximo de seis meses após a publicação da presente lei.
2 – O processo de reversão abrange o pessoal em funções à data da publicação da presente lei, bem como o pessoal referido no nº 2 do artigo anterior.
3 – O processo de reversão inclui todos os bens e equipamentos que integram o estabelecimento.

Artigo 5º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

Assembleia da República, em 18 de dezembro de 2015

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