Projecto de Resolução N.º 849/XIII-2ª

Recomenda ao Governo a realização de uma ampla reflexão sobre a situação da atividade cinegética em Portugal como base para adequações legislativas em matéria de caça

Recomenda ao Governo a realização de uma ampla reflexão sobre a situação da atividade cinegética em Portugal como base para adequações legislativas em matéria de caça

A atividade cinegética é uma atividade popular, lúdica e desportiva, intrinsecamente ligada e parte integrante do mundo rural, constituindo-se muitas vezes vista como um contributo importante para o desenvolvimento de muitos territórios rurais.

A caça representou ao longo de anos um atrativo que promoveu uma dinâmica económica não desprezível em territórios de baixa densidade, uma dinâmica na criação dos postos de trabalho associados à sua gestão e relacionados com as caçadas em si. Também a atividade turística, nomeadamente de alimentação e dormidas, beneficia do atrativo que a atividade cinegética exerce.

Por estas características da atividade cinegética e muitas outras, a caça é um elemento integrante do mundo rural e a sua existência e dinamização são parte do desenvolvimento, da manutenção de populações e até do próprio equilíbrio ecológico.

As alterações à lei da caça, com a colocação desta atividade assente essencialmente no chamado regime ordenado, com planos de gestão feitos a partir de cada território, foi apresentado com expectativas de um futuro risonho para a atividade cinegética e para os territórios em que ela tem maior peso. Estes mecanismos reduziram brutalmente o regime livre, que segundo muitos seria a razão do de uma gestão desadequada do património cinegético nacional.
Contudo, nos dias que correm, são muitos os problemas associados à atividade cinegética que têm motivado contestações várias

Recorde-se que a Lei de Bases Gerais da Caça, aprovada em 1999, contou com o voto contra do Grupo Parlamentar do PCP, afirmando que ela iria “introduzir novos e sérios motivos de preocupação e desestabilização sem qualquer garantia, entretanto, de que o ordenamento cinegético será conseguido.”

Para o PCP a caça é um bem público e como tal não pode ser objeto de privatização, pelo que, todas as intenções nesse sentido devem ser combatidas.

Quase duas décadas depois, muitos caçadores queixam-se de dificuldades de acesso à caça, quer pelos custos associados, quer mesmo pela escassez de caça. A escassez de caça é, de facto, um problema de fundo. Será certamente motivado por um conjunto de doenças que afetam particularmente o coelho-bravo e a lebre. Mas conhecedores da caça e do mundo rural referem que têm também efeito para a redução dos efetivos cinegéticos de lebre e coelho o abandono das práticas agrícolas em muitas regiões ou as alterações nas práticas agrícolas, nomeadamente na utilização da água como veículo para nutrir e tratar plantas ou a utilização massiva de químicos.

Os javalis ou os veados, também afetados com doenças com graves implicações económicas, não têm sentido para já efeitos nos efetivos, mas funcionam como reservatório das doenças e meio de transmissão aos efetivos pecuários, com profundas implicações económicas nas explorações pecuárias, situação agravada pelo não cumprimento em muitos casos da obrigação de acompanhamento dos abates por veterinário oficial. A fiscalização sanitária importante para a segurança alimentar, mas também pode ser um contributo para a regulação dos abates.

A escassez de caça leva as entidades gestoras de reservas a introduzir animais que ao escapar ao abate, permanecem no campo, cruzando-se com os animais selvagens, com receio de efeitos de médio prazo nas populações, por exemplo de perdizes.

O próprio Governo, com base na análise feita a partir dos resultados de exploração das zonas de caça, concluía em maio de 2016 em resposta ao PCP, que:
• “Existe um decréscimo de abate das várias espécies de caça menor a partir da época venatória de 2007/2008, destacando-se a quebra acentuada do coelho-bravo, onde os problemas sanitários terão tido uma influência determinante;
• O coelho-bravo é a espécie mais caçada (cerca de 60% do total);
• Das espécies migradoras mais caçadas destacam-se os tordos;
• Apesar do incremento da caça às espécies de caça-maior, estas apresentam populações estáveis;
• As espécies migradoras destacam-se como mais preocupante (também a nível internacional) a situação da rola-comum;
• As restantes espécies migradoras, de um modo geral, não apresentam para já preocupações importantes, tendo em conta as variações de quantitativos anuais fruto de oscilações sazonais meteorológicas ou de habitats nos países de origem.”

As estatísticas dos abates, também fornecidas pelo o Governo, confirmam estas preocupações. Entre as épocas venatórias de 2005/06 e 2014/15 o número de coelhos-bravos abatidos reduziu em mais de metade. No mesmo período o número de lebres abatidas reduziu em 1/3 e o de tordos em quase 2/3, sendo que os números relativos a esta espécie são menos estáveis entre anos. Também a rola comum teve uma redução no mesmo período de mais de metade dos exemplares abatidos.

Na realidade a redução dos efetivos cinegéticos é verificada na redução drástica de avistamentos das espécies. Motivada por estas dificuldades algumas estruturas da caça defendem moratórias para algumas espécies. Experiências efetuadas nos anos 80 do século passado, com a interdição regional da caça às lebres, teve resultados evitou-se o desaparecimento das espécies em muitas sub-regiões do sul do país.

Estas circunstâncias limitam o acesso à atividade venatória. Como tal, as estatísticas enviadas pelo Governo à Assembleia da República em formato de resposta a pergunta parlamentar, demonstram que dos quase 233 mil caçadores com carta válida em 2014, para apenas 120 mil foi emitida licença para a época 2014/15.

Outras questões que merecem preocupação prendem-se com a transparência nos processos em torno da atividade cinegética, como por exemplo, caçadores a reclamar da falta de recibos e outros. O Governo, questionado pelo PCP em audição, informou que tem recebido algumas preocupações com formas menos transparentes de acesso à caça e que pretende introduzir clareza nessa matéria.

Surgem também como queixas diferenças no acesso à caça no regime livre e no chamado regime ordenado. Não é compreensível para os caçadores que espécies migratórias como o tordo ou o pombo estejam reservadas apenas para os caçadores do regime ordenado. Por isso muitos defendem a uniformização dos que os períodos, dos dias de caça e das espécies no regime não ordenado e no regime ordenado.

Tendo em conta a problemática em torno desta atividade, o PCP questionou o Governo sobre o que pretendia fazer, tendo este, em resposta em maio de 2016 afirmado que “tenciona, no momento próprio e após auscultação dos parceiros, nomeadamente no seio da recém-criada sessão especializada de caça do Conselho Nacional Florestal, proceder à atualização do atual quadro legislativo sobre a caça.”

Contudo, em julho de 2016, confrontado novamente pelo PCP, o Ministro da Agricultura já referia que o governo não pretende introduzir alterações à lei da caça, mas pretende fazer cumprir a legislação existente.

Para o PCP é fundamental realizar uma reflexão profunda e alargada sobre a problemática da caça em Portugal, partindo do princípio de que, por um lado, os recursos cinegéticos são um bem renovável, mas finito, importando promover a sua preservação e fomento, no quadro de uma política de ordenamento do território, mas que, por outro lado, esse objetivo não pode ser conseguido apenas à custa da possibilidade do exercício da caça pela maioria dos caçadores, os de mais baixos recursos.

As opções cinegéticas serão sempre alvo de apoios e contestações e por isso e porque se trata de matérias em que a avaliação e decisão técnicas têm de ser o suporte estrutural da decisão política, o PCP avança com as resoluções que se seguem.

Nestes termos, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adote a seguinte:

Resolução

A Assembleia da República resolve, nos termos da alínea b) do artigo 156.º e do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República, recomendar ao Governo que:

1. Promova um amplo debate sobre a situação da atividade cinegética em Portugal, com a participação e envolvimento alargado dos diferentes interesses em presença e extravasando as entidades que integram o Conselho Florestal Nacional;
2. Com base nos resultados obtidos, promova as adequações legislativas e/ou regulamentares adequadas à salvaguarda da biodiversidade, da atividade cinegética e do desenvolvimento regional potenciado por ela, tendo sempre como base o princípio que a caça é um bem público e como tal deve ser gerido.

Assembleia da República, 5 de maio de 2017

  • Ambiente
  • Assembleia da República
  • Projectos de Resolução
  • Caça