Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-Geral, Apresentação do projecto de lei de alterações ao Novo Regime do Arrendamento Urbano

«A protecção do arrendamento é fundamental como garantia do direito à habitação»

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Temos afirmado que Portugal precisa de outra política para dar uma resposta cabal aos problemas do País e que tais problemas só encontrarão completa satisfação na política alternativa, patriótica e de esquerda que o PCP defende.

Essa necessidade está patente nos mais diversos sectores da vida nacional, na solução dos seus défices estruturais e na superação das enormes carências que o País apresenta nos mais diversos domínios, como naquele que aqui nos trás – o da habitação e, em particular, o do arrendamento habitacional - que anos e anos de política de direita, prosseguida por PS, PSD e CDS não resolveram em resultado da sua opção de divinização do mercado como fonte exclusiva da sua produção e consequente com o desinvestimento e a desresponsabilização do Estado da sua função constitucional.

Uma opção reforçada e justificada por uma política submetida a fortes constrangimentos da União Europeia e do Euro limitadores do investimento público e de orientações internas e externas que privilegiavam as actividades financeiras e especulativas, em detrimento das populações e da satisfação das suas necessidades.

Esta nossa iniciativa, tendo como principal preocupação e objectivo a protecção do arrendamento como garantia do direito à habitação, enquadra-se e insere-se quer na acção continuada e persistente do PCP sobre a questão da habitação em Portugal, de que se releva o inestimável e insubstituível contributo na elaboração e aprovação da Lei de Bases da Habitação.

Para o PCP, o direito à habitação deve concretizar-se pela garantia aos cidadãos e famílias de residência que satisfaça as suas necessidade e assegure o seu bem-estar, privacidade e qualidade de vida.

Todos nós temos consciência que há toda uma realidade que é necessário alterar para que o direito humano à habitação seja realizado, nomeadamente nos domínios das políticas de solos e do ordenamento do território, de edificabilidade, de regeneração, da mobilização do património habitacional público.

A batalha que agora temos em mãos não visa a solução dos complexos problemas da habitação no País, mas a resposta a um problema a solicitar premente intervenção – o do arrendamento.

Uma questão que precisa de ser analisada a dois níveis como aqui se evidenciou.

Por um lado no global, em que terá de ser entendida no contexto da financeirização do acesso à casa e, inclusive, à cidade.

Por outro lado, e é esse que nos trás a este encontro, no concreto das situações de injustiça e precarização na contratação do arrendamento, a que não é alheia a referida financeirização do mercado habitacional e o domínio dos solos por grandes fundos imobiliários com relevo para as grandes cidades.
Permitam-me que comece por alguns curtos apontamentos sobre o nível global. Essencialmente para deixar claro que não será possível solucionar os graves problemas de habitação do País sem um aumento substancial do número de habitações arrendadas e sem uma séria intervenção do Estado enquanto promotor público de uma habitação condigna para todos e de acordo com o rendimento disponível das famílias.

A exiguidade do parque habitacional de arrendamento prende-se, não especialmente com políticas de habitação, mas principalmente com políticas financeiras – e no caso do nosso País com o objetivo de recriar, num clima de progressiva liberalização e desregulamentação do setor bancário, os antigos grupos monopolistas do fascismo. Grupos que, com a privatização da Banca, receberam a oferta de milhões de euros sob a forma de bonificação aos créditos bancários na aquisição de habitação. Foi este o processo que conduziu a que, de 1970 a 2011 a percentagem de famílias com habitação própria tenha passado de 49% a 73%. Enquanto isso, no mesmo período, a percentagem de fogos no regime de arrendamento caiu de 46% para cerca de 21%.

A dominância da transferência de meios para a Banca em prejuízo de verdadeiros programas de habitação é claramente percebida com os seguintes números: entre 1987 e 2011 o Estado transferiu para a Banca, sob a forma de bonificações de juros de crédito à habitação, 7047 milhões de euros (73,3 % de todo o investimento público em habitação), enquanto destinou apenas 1353 milhões de euros para programas de realojamento e 194 milhões de euros para programas de custos controlados.

Foi sobre a exígua percentagem de habitação arrendada, os 21%, que o capital financeiro voltou a incidir a sua ação, com a financeirização brutal das políticas de reabilitação urbana.

Reabilitação urbana que era essencial e urgente face ao abandono sistemático dos centros históricos dos núcleos urbanos do País. Abandono a que foram condenados pela urbanização periférica que melhor servia à captação de elevadas rendas fundiárias pelo capital financeiro.

Reabilitação urbana que, face ao esgotar – e as imparidades bancárias aí continuam a demonstrá-lo – do negócio da urbanização periférica, se tornou o novo modo de captação das rendas fundiárias obtidas a partir de investimentos públicos na melhoria do espaço e dos equipamentos urbanos.

Para a captação de tais rendas só faltava aos grandes grupos financeiros, apropriar-se dos imóveis construídos, alguns em mau estado de construção mas muitos ocupados por famílias que pensavam ter, nos seus contratos de arrendamento e no cumprimento dos seus compromissos, a garantia de uma habitação para a vida.

Foi para resolver este problema do capital financeiro que o Governo PSD/CDS, na linha aliás do que havia sido encetado pelo anterior Governo PS, fez aprovar a Lei nº 31/2012, depressa conhecida por “lei dos despejos”. São múltiplos os factores de injustiça, arbitrariedade e conflitualidade que esta Lei veio trazer ao arrendamento urbano. Os despejos sucederam-se e, sobre imóveis despejados dos seus moradores, avançou um enorme processo de gentrificação, que gerou angústia em milhares de famílias, alterou vivências colectivas de vida, com impactos diversos, incluindo no associativismo popular, no comércio local tradicional de proximidade, com particular relevo nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto.

Um flagelo social que se intensificou e acelerou com o fenómeno da turistificação, com as consequências que conduziram ao aumento galopante das rendas. Em Lisboa, por exemplo, como aqui se afirmou, o custo da habitação mais que duplicou nos últimos sete, oito anos.

Defendemos, desde sempre, a necessidade de revogar tal “lei dos despejos”. Face ao facto de as propostas de revogação chocarem com a oposição do PS, do PSD e do CDS, avançamos, durante a anterior legislatura, com um vasto conjunto de propostas no sentido de minorar os aspetos mais gravosos da Lei. E, é verdade, pequenas alterações foram introduzidas. Mas graves factores de discricionariedade – como o chamado Balcão do Arrendamento, a que o povo chama e bem “dos despejos”, mantêm-se por imposição dos mesmos partidos.

Acresce que a epidemia de COVID-19, com o agudizar de situações de miséria e de exclusão, veio tornar ainda mais difícil a resistência de inquilinos com fracos recursos, face ao poder dos grandes grupos financeiros dominantes no imobiliário.

É neste quadro que o PCP avança de novo com propostas concretas de melhoria de um conjunto de legislação do arrendamento. De entre estas – e são cerca de duas dezenas – saliento as seguintes.

Defendemos a extinção do Balcão do Arrendamento. Pretendemos impedir a penhora de contas bancárias do inquilino de acordo aliás com a moratória das rendas. Defendemos o interesse de filhos ou incapazes residentes aquando da morte do arrendatário. Pretendemos que exista acompanhamento social nas situações de despejo e a suspensão do mesmo quando se verifiquem situações de grave risco social. Defendemos que se mantenha a suspensão da entrega dos locados até ao final do corrente ano e o alargamento do prazo para pagamento da quantia em mora, fixando em 1 de Janeiro do próximo ano o início do período de regularização da renda.

Sabemos que é necessário, num futuro próximo, ir além do agora proposto. É necessário criar um significativo parque habitacional de arrendamento nos regimes de renda livre, de renda condicionada e de renda apoiada. Tal só será possível com forte investimento público e a criação de parcerias para a produção de habitação não lucrativa ou não mercantilizada.

É necessário tudo isso mas é essencial que não se avance com políticas de relançamento do arrendamento sem antes terminar com o atual clima de arbitrariedade e precariedade.

Na luta por assegurar a todos o direito à habitação, as populações podem contar com o activo empenhamento do PCP.

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