Exposição de motivos
A Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto (“novo regime do arrendamento urbano”), ficou até hoje conhecida, e não por acaso, como “Lei dos Despejos”. Tal diploma, com os múltiplos fatores de injustiça, arbitrariedade, conflitualidade que veio trazer ao arrendamento, continua a motivar profundas preocupações e problemas neste sector da vida do país.
O regime em vigor suscita preocupações e oposição, não apenas entre os inquilinos, mas também entre todos aqueles que se preocupam em responder ao imperativo constitucional de garantir que todos os portugueses tenham “direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar” (artigo 65.º da Constituição da República).
É um facto que pequenas alterações que foram introduzidas, durante a anterior Legislatura, permitiram atenuar os efeitos mais nefastos da referida lei. Mas não é menos verdade que graves fatores de discricionariedade – de que é exemplo o chamado Balcão de Arrendamento – se mantêm atualmente em vigor.
Não é menos verdade, igualmente, que a epidemia de COVID-19, com o seu cortejo de impactos sociais e económicos (com destaque para o elevado número de famílias a viver situações próximas de exclusão extrema), veio tornar ainda mais gritantes as diferenças entre os fracos recursos da imensa maioria dos inquilinos habitacionais – e os grandes interesses ligados à financeirização do imobiliário.
É indispensável uma nova legislação do arrendamento urbano que inclua designadamente, nesta importante área de resposta aos problemas da habitação, muita da regulamentação da Lei de Bases da Habitação, que já deveria estar em vigor (e que caberia ao Governo aprovar).
Neste contexto, com perfeita consciência de que é necessário ir mais além no processo legislativo, mas também com profundo conhecimento de situações reais que exigem, com absoluta urgência, alterações essenciais à atual legislação, o PCP propõe com a presente iniciativa legislativa um importante e amplo conjunto de alterações aos principais instrumentos que, ao nível do arrendamento urbano, infernizam o dia-a-dia de milhares de famílias portuguesas.
Assim, com este Projeto de Lei propomos o seguinte:
Com as alterações ao Código Civil:
- Obstar à caducidade do contrato de arrendamento pelo facto de ter sido celebrado com usufrutuário, representante legal, cabeça de casal de herança, tutor, curador, ou figura similar ou, ainda, com base num direito temporário ou em administração de bens alheios;
- Impedir a recusa, aquando do final do contrato, da devolução das quantias entregues a título de caução;
- Terminar com as abusivas exigências, lesivas da privacidade, descanso e sossego do arrendatário, no referente ao mostrar do local locado, quando em situação de final de contrato;
- Defender a estabilidade e a segurança do contrato ainda que celebrado a prazo certo, fixando-se uma duração inicial de 5 anos, com renovações automáticas mínimas de 3 anos se nenhuma das partes manifestar a sua oposição na forma e prazo consignado na Lei;
- Tornar claro que, se o senhorio não pretender manter o contrato, deve utilizar, única e especificamente, a faculdade conferida por Lei que é a de comunicar ao arrendatário, no tempo e pela forma consignada, a sua oposição à renovação, eliminando a expressão “Salvo estipulação em contrário…”;
- Impedir que se faculte ao senhorio que celebrou um contrato de arrendamento com prazo certo a possibilidade de, durante a sua vigência, que é definida temporalmente, denunciar o contrato para sua habitação própria ou para descendente em 1º grau;
- Tornar mais realista (deixando de ser excessivo) o período que possibilita a denúncia do contrato de arrendamento;
- Repor o valor da indemnização; da antiguidade na qualidade de proprietário, comproprietário, usufrutuário; da impossibilidade da denúncia do contrato de arrendamento se tiver casa arrendada. Impor que, nos casos em que o senhorio tenha vários prédios arrendados, só possa ser denunciado o contrato mais recente, de entre aqueles que satisfaçam as suas necessidades de habitação;
- Impedir que na apresentação de processos de alteração ao edificado possam ser ignorados contratos de arrendamento e consequentes situações de uso de habitações.
Com as alterações ao NRAU- Novo Regime do Arrendamento Urbano:
- Extinguir o Balcão do Arrendamento;
- Impedir, especialmente na atual situação de pandemia, a penhora de contas bancárias do inquilino, não obstante a moratória de rendas no arrendamento;
- Transpor para o NRAU a norma transitória do artigo 14.º, nº 3 da Lei n.º 13/2019 de 27 de fevereiro abarcando as situações daqueles que, residindo no locado à data da transição para o NRAU, preencham as circunstâncias legais da idade e/ou da deficiência, conferindo assim aos arrendatários que tinham contratos de arrendamento vinculisticos e que viram os seus contratos transitados para o NRAU por aplicação do artigo 30.º, a mesma proteção que foi atribuída aos arrendatários com contratos de arrendamento de duração limitada celebrados ao abrigo do artigo 98.º do RAU;
- Salvaguardar situações dramáticas criadas com a morte do arrendatário (primitivo ou cônjuge) por levar à caducidade do contrato, defendendo o interesse de filhos ou incapazes residentes com o dever legal de assistência;
- Dar garantias de acompanhamento social nas situações de despejo e garantir a suspensão dos despejos, sempre que se verifique grave risco social, até que seja encontrada solução alternativa.
Com as alterações ao Regime de Celebração do Contrato de Arrendamento Urbano:
- Deixar clara, como já referido nas alterações ao Código Civil, a natureza do direito do locador, sempre que o contrato seja celebrado com base num direito temporário ou em poderes de administração de bens alheios.
Com as alterações à Lei n.º 1 -A/2020, de 19 de março:
- Manter a situação de suspensão e entrega dos locados até 31 de dezembro, mês que é tido como referência de o país atingir a imunidade de grupo;
- Fazer coincidir com o início do ano civil o fim do diferimento no pagamento da renda.
Com as alterações à Lei n.º 4-C/2020 de 6 de abril:
- Alargar o prazo de pagamento da quantia em mora, dando sustentabilidade quer à manutenção do contrato quer ao pagamento da renda;
- Fixar o início da regularização da dívida para 1 de janeiro por se considerar ser a data mais precisa para a normalização da situação pandémica.
Nestes termos, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição da República e da alínea c) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados abaixo-assinados, do Grupo Parlamentar do PCP, apresentam o seguinte Projeto de Lei:
Artigo 1.º
Alterações ao Código Civil
São alterados os artigos 1051.º, 1076.º, 1081.º, 1094.º, 1096.º, 1097.º, 1098.º, 1102.º e 1103.º do Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47344/66, de 25 de novembro, na sua redação atual, que passam a ter a seguinte redação:
«Artigo 1051º
(Casos de caducidade)
- (atual corpo do artigo).
- No arrendamento urbano, o contrato não caduca pela verificação dos factos previstos na alínea c) do número anterior se o arrendatário, no prazo de seis meses após tomar conhecimento, comunicar ao senhorio por carta registada com aviso de receção, que pretende manter a sua posição contratual.
Artigo 1076.º
(Antecipação de rendas)
- O pagamento da renda pode ser antecipado por período não superior a três meses desde que a respetiva cláusula seja inserida no texto escrito do contrato assinado pelas partes.
- As partem podem caucionar, por qualquer das formas legalmente previstas, o cumprimento das obrigações respetivas, no limite máximo de uma renda.
- No caso da situação prevista do número anterior, a devolução tem de ocorrer até à data da desocupação e entrega do local e constar de documento escrito e assinado pelas partes.
Artigo 1081.º
(Efeitos da cessação)
- (…).
- (…).
- (…).
- Na falta de acordo, o horário é, nos dias úteis, das 18 horas às 19 horas e 30 minutos e, aos sábados das 17 horas às 18 horas e 30 minutos.
Artigo 1094.º
(Tipos de contratos)
- (…).
- (…).
- No silêncio das partes, o contrato considera-se celebrado por prazo certo, pelo período inicial de cinco anos, e renovação automática no fim do prazo e por períodos mínimos de três anos se não for impedida a renovação por qualquer das partes nos termos dos artigos seguintes.
Artigo 1096.º
(Renovação automática)
- O contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração, ou de três anos se este for inferior sem prejuízo do disposto no número seguinte.
- (…).
- (…).
Artigo 1097.º
(Oposição à renovação deduzida pelo senhorio)
- (…).
- (…).
- (…).
- Revogado.
Artigo 1098.º
(Oposição à renovação ou denúncia pelo arrendatário)
- (…).
- (…).
- Sem prejuízo do número seguinte, decorrido um décimo do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação, o arrendatário pode denunciá-lo a todo o tempo, mediante comunicação ao senhorio com a antecedência mínima seguinte:
- (…);
- (…).
- (…).
- (…).
- A inobservância da antecedência prevista nos números anteriores não obsta à cessação do contrato, mas obriga ao pagamento das rendas correspondentes ao período de pré-aviso em falta, exceto se resultar de desemprego involuntário, incapacidade permanente para o trabalho ou morte do arrendatário ou de pessoa com quem este viva em economia comum há mais de um ano ou da verificação de situação derivada do regime excecional de moratória no pagamento das rendas constante de diploma próprio.
Artigo 1102.º
(Denúncia para habitação)
- O direito de denúncia para habitação do senhorio depende do pagamento do montante equivalente a dois anos e meio de renda e da verificação dos seguintes requisitos:
- Ser o senhorio proprietário, comproprietário ou usufrutuário do prédio há mais de cinco anos ou, independentemente deste prazo, se o tiver adquirido por sucessão;
- Não ter o senhorio, há mais de cinco anos, na área dos concelhos de Lisboa ou do Porto e seus limítrofes ou no respetivo concelho quanto resto do País, casa própria ou arrendada que satisfaça as necessidades de habitação própria ou dos seus descendentes em 1.º grau;
- Não ter ainda usado esta faculdade.
- (…).
- (…).
- O senhorio que tiver diversos prédios arrendados só pode denunciar o contrato relativamente àquele que, satisfazendo as necessidades de habitação própria da família, esteja arrendado há menos tempo.
Artigo 1103.º
(Denúncia justificada)
- (…).
- (…):
- (…);
- (…);
- Comprovativo de que com o procedimento de controlo prévio da operação urbanística a efetuar no locado foi indicada a situação do arrendamento existente.
- (…).
- (…).
- (…).
- (…).
- (…).
- (…).
- (…).
- (…).
- (…).»
Artigo 2.º
Alterações ao NRAU (Novo Regime do Arrendamento Urbano)
São alterados os artigos 14.º A e 57.º do NRAU (Novo Regime do Arrendamento Urbano), aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, na sua redação atual, que passam a ter a seguinte redação:
«Artigo 14.º A
(Título para pagamento de rendas, encargos ou despesas)
- O contrato de arrendamento, quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida, é título executivo para a execução para pagamento de quantia certa correspondente às rendas, aos encargos ou às despesas que corram por conta do arrendatário, salvo discordância das partes quanto aos valores
- (…).
Artigo 57.º
(Transmissão por morte)
- O arrendamento para habitação não caduca por morte do primitivo arrendatário ou do cônjuge sobrevivo quando lhe tenha sido transmitido o direito ao arrendamento, se lhe sobreviver:
- (…);
- (…);
- (…);
- (...);
- (…);
- (…).
- (…).
- (…).
- (…).
- (…).
- (…).»
Artigo 3.º
Aditamento ao NRAU (Novo Regime do Arrendamento Urbano)
São aditados os artigos 14.ª B e o 34.º A ao NRAU (Novo Regime do Arrendamento Urbano), aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, na sua redação atual, com a seguinte redação:
«Artigo 14.ºB
Apoio e proteção nas situações do procedimento de despejo
- A notificação de procedimento de despejo deve conter informação concreta relativa aos serviços públicos a quem o arrendatário se possa dirigir caso não tenha alternativa de habitação.
- Os serviços de segurança social que acompanham o procedimento de despejo mantêm, até ao final do processo, ligação com o tribunal e com o agente de execução, com obrigatoriedade de elaboração de relatório sobre a situação social do arrendatário.
- Constitui motivo de suspensão excecional do processo de despejo a conclusão, no relatório previsto no número anterior, ada situação de fragilidade por falta de alternativa habitacional ou outra razão social imperiosa do arrendatário.
Artigo 34.º A
Novos Contratos
Aos contratos habitacionais celebrados antes da vigência do RAU e que tenham transitado para o NRAU, cujo arrendatário, à data da entrada em vigor da presente lei, resida há mais de 20 anos no locado e tenha idade igual ou superior a 65 anos ou grau comprovado de deficiência igual ou superior a 60 %, o senhorio apenas pode opor-se à renovação ou proceder à denúncia do contrato com o fundamento previsto na alínea b) do artigo 1101.º do Código Civil havendo lugar à atualização ordinária da renda, nos termos gerais.»
Artigo 4.º
Alterações Regime de celebração do contrato de arrendamento urbano
São alterados os artigos 2.º e 3.º do Regime de celebração do contrato de arrendamento urbano aprovado pelo Decreto-Lei n.º 160/2006, de 8 de agosto, republicado pelo Decreto-lei n.º 266-C/2012, de 31 de dezembro, na sua redação atual, que passam a ter a seguinte redação:
«Artigo 2.º
(Conteúdo necessário)
Do contrato de arrendamento urbano deve constar:
- (…);
- (…);
- (…);
- (…);
- (…);
- (…);
- (…);
- A natureza do direito do locador, sempre que o contrato seja celebrado com base num direito temporário ou em poderes de administração de bens alheios.
Artigo 3.º
(Conteúdo eventual)
- O contrato de arrendamento urbano deve mencionar, quando aplicável:
- (…);
- Revogado.
- (…);
- (…);
- (…);
- (…);
- (…).
- (…).
- (…).»
Artigo 5.º
Alteração à Lei n.º 1- A/2020, de 19 de março
O artigo 8.º da Lei n.º 1- A/2020, de 19 de março, na sua redação atual, que estabelece medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS- CoV-2 e da doença COVID-19, na sua redação atual, com a seguinte redação:
«Artigo 8.º
(Regime extraordinário e transitório de proteção dos arrendatários)
- Sem prejuízo do disposto no n.º 4, ficam suspensos até 31 de dezembro de 2021:
- (...);
- (...);
- (...),
- (...);
- (...).
- (…).
- O disposto no número anterior aplica -se às rendas devidas nos meses de julho a dezembro de 2021.
- (…).
- (…).
- (…).»
Artigo 6.º
Alteração à Lei n.º 4- C/2020, de 6 de abril
O artigo 4.º da Lei n.º 4- C/2020, de 6 de abril, na sua redação atual, que estabelece o Regime excecional para as situações de mora no pagamento da renda devida nos termos de contratos de arrendamento urbano habitacional e não habitacional, no âmbito da pandemia COVID-19, na sua redação atual, com a seguinte redação:
«Artigo 4.º
(Mora do arrendatário habitacional)
- Nas situações previstas no artigo anterior, o senhorio só tem direito à resolução do contrato de arrendamento, por falta de pagamento das rendas vencidas se o arrendatário, tendo diferido o pagamento da renda, não efetue o seu pagamento, no prazo de 24 meses contados do termo desse período, em prestações mensais não inferiores a um vigésimo do montante total, pagas juntamente com a renda de cada mês.
- O período de regularização da dívida tem início a 1 de janeiro de 2022 e termo a 31 de dezembro de 2023.»
Artigo 7.º
Norma revogatória
São revogados os artigos 15.º, 15.º- A, 15.º- B, 15,º- C, 15.º- D, 15.º- E, 15.º- F, 15.º- G, 15.º- H, 15.º- I, 15.º- J, 15.º- K, 15.º- L, 15.º- M, 15.º- N , 15.º- O, 15.º- P, 15.º- Q, 15.º- R e 15.º- S do NRAU (Novo Regime do Arrendamento Urbano), aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, na sua redação atual.