Intervenção de Alma Rivera na Assembleia de República, Reunião Plenária

A promiscuidade entre poder político e económico é uma afronta à democracia

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A polémica em torno da intenção de contratação de uma antiga Secretária de Estado por parte de uma empresa que obteve benefícios do Estado, sob a sua tutela, suscitou a questão da adequação e eficácia do regime de incompatibilidades e impedimentos aplicável aos ex-titulares de cargos políticos.

Este caso vem juntar-se a tantos outros, que ao longo do tempo e sob vários governos, do PS, do PSD e do CDS, alimentam um sentimento de impunidade de práticas como a das chamadas portas giratórias entre o exercício de cargos públicos e a contratação por empresas privadas, de corrupção, do tráfico de influências e de criminalidade económico-financeira. 

Como se pode confiar nas opções de governos que, descaradamente, submetem o interesse público a interesses particulares e ao poder económico, com os resultados que estão à vista? Que são fortes com os fracos mas dóceis e amigos dos grupos económico-financeiros.

Não é possível. 

E por isso a promiscuidade entre poder político e económico, a corrupção, a impunidade dos crimes de colarinho branco, dos escândalos da banca, da utilização indevida dinheiro público, são afrontas à democracia. 

Numa democracia isto não é aceitável. O combate a estes fenómenos é imprescindível para a defesa da democracia e do Estado de Direito Democrático.

Sem escamotear as causas de fundo destas práticas e a sua intrínseca raiz num sistema económico assente na acumulação capitalista, o PCP exige um real combate a estes fenómenos, com o aperfeiçoamento dos mecanismos legislativos existentes, mas também dotando as autoridades judiciárias e a investigação criminal dos meios necessários para garantir a eficácia das suas missões. 

No antigo regime, no fascismo, a corrupção era política do Estado. Em ditadura, a censura e o estrito controlo da imprensa tal como a perseguição dos opositores políticos tratavam de abafar a absoluta fusão entre o poder político e os grandes interesses económicos e financeiros. 

No mais profundo silenciamento e promiscuidade, o regime servia bem o capital e as famílias do regime. 

Não por acaso o 25 de Abril se fez contra a subordinação do poder económico ao poder político e, por isso, logo no Programa do MFA se inscreveram entre as medidas imediatas:

- Medidas que conduzam ao combate eficaz contra a corrupção e especulação; e

- vigilância e controle rigorosos de todas as operações económicas e financeiras com o estrangeiro;

Se no fascismo a corrupção e a promiscuidade era corolário da podridão do regime, numa democracia não se aceita o sacrifício do bem comum para favorecer uns poucos. 

Por isso, a subordinação do poder económico ao poder político, inscrita na nossa Constituição, e o combate à corrupção e à criminalidade económico-financeira são problemas do regime democrático e da acção em sua defesa, mas também objectivos da luta por uma plena democracia nas suas dimensões política, económica, social e cultural.

Em democracia temos liberdade e essa liberdade é um instrumento de combate à corrupção.

Pode o Portugal Democrático aceitar a sucessão de casos em que se vislumbra favorecimento de interesses que não o interesse público?

Pode o nosso País aceitar, como aconteceu recentemente, a contratação de dois ex-ministros por sociedades de advogados com exercício em áreas que coincidem exatamente com o âmbito das áreas por si tuteladas enquanto ministros? contratações que aconteceram imediatamente após a saída do governo?

Não pode. É contrário à Democracia.

Se o período de inibição de funções privadas após a cessação de funções públicos se afigura demasiado curto, e o regime sancionatório se afigura inócuo; 

Se sancionar o titular cessante de um cargo político executivo com a inibição do exercício de cargos públicos por três anos por ter assumido funções numa empresa privada é uma sanção praticamente irrelevante e se, para que esta proibição se efetive, é violadora da lei, então é preciso melhorar o regime. 

Por isso propomos:

-O alargamento de três para cinco anos do período de inibição do titular de um cargo político executivo para o exercício de funções numa empresa privada do setor por si tutelado, fixando-se um período de duração superior ao de uma legislatura e procurando dessa forma assegurar a quebra temporal com o período em que as funções governativas foram exercidas;

- A aplicação dessa inibição relativamente a qualquer empresa do setor e não apenas sobre empresas que tenham sido objeto de operações de privatização, tenham beneficiado de incentivos financeiros ou de sistemas de incentivos e benefícios fiscais de natureza contratual, ou relativamente às quais se tenha verificado uma intervenção direta do titular de cargo político;

- A aplicação da inibição a situações de contratação do próprio ou de entidade em que o próprio detenha participação ou à qual preste serviços;

- O alargamento de três para cinco anos do período de interdição do exercício de cargos públicos por parte do antigo titular de cargo político que seja contratado por empresa privada em violação da lei;

- A obrigação, nestas situações, de devolução pela empresa dos apoios, benefícios ou fundos que lhe tenham sido atribuídos por decisão daquele antigo titular de cargo político;

- O impedimento das empresas que contratem titulares de cargos políticos em violação da lei, de celebrar contratos com o Estado ou com quaisquer entidades públicas, de beneficiar de quaisquer incentivos ou isenções que envolvam recursos públicos, bem como de aceder a fundos comunitários, por um período de cinco anos a contar da prática da infração.

Srs deputados, 

A promiscuidade, a corrupção, a impunidade destes comportamentos é inimiga do regime democrático, é inimiga do país.

Quem quer defender a Democracia, quem quer honrar aquilo que a Revolução de Abril quis para o país tem de tomar medidas. 

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