Intervenção de Vladimiro Vale, membro da Comissão Política do Comité Central, Encontro «Os comunistas e o movimento sindical – uma intervenção decisiva para a organização, unidade e luta dos trabalhadores»

A proletarização de camadas intermédias e a resposta sindical

A proletarização de camadas intermédias e a resposta sindical

Camaradas,
A
evolução da situação laboral tem a marca de duas tendências contraditórias do modo de produção capitalista. Por um lado, temos um desenvolvimento das forças produtivas, seja dos meios de produção, seja da força de trabalho. Por outro, e de forma particularmente visível no nosso país, as relações de produção capitalistas limitam, constrangem e desperdiçam o potencial criador e transformador existente.

Novas técnicas e tecnologias são incorporadas na produção, aumenta a produtividade e a força de trabalho é mais qualificada. Ao mesmo tempo persistem os traços mais negativos que caracterizam as condições laborais com que os trabalhadores se debatem:

- baixos salários, com dois milhões e duzentos mil trabalhadores a receberem 900€ ou menos por mês, 720 mil dos quais com o SMN;

- precariedade dos vínculos laborais que desestabiliza a vida de milhares de trabalhadores;

- desregulação dos horários de trabalho que coloca mais de metade dos assalariados a trabalhar por turnos, ou ao serão, ou de noite ou, ainda, aos sábados, domingos e feriados. Muitos são os que, simultaneamente, trabalham em mais do que um dos períodos descritos;

- prolongamento da jornada de trabalho, com 1 em cada 5 trabalhadores a fazer habitualmente 41 e mais horas por semana, em especial no sector dos serviços;

Numa situação complexa, evidenciam-se ainda outros traços fundamentais que caracterizam a evolução da situação laboral no nosso país. Ao longo das últimas décadas assistiu-se a uma transformação na estrutura e composição das classes sociais no nosso país.

Cresce o número de assalariados entre o total da população empregada, com mais de 8 em cada 10 trabalhadores a estarem nesta situação.

Nos últimos anos, como resultado da nova situação política, e ainda sem considerar os efeitos ocorridos a partir de 2020, o emprego cresceu, sendo criados mais 364 mil postos de trabalho. Um aumento que se sentiu em todas as actividades e de forma mais acentuada nos serviços, tendo como única excepção a agricultura e pesca.

Ao mesmo tempo aprofunda-se a tendência da incorporação crescente de trabalhadores intelectuais no processo de produção de mais-valia, bem como na crescente proletarização desta camada social.

Entre os “especialistas das atividades intelectuais e científicas”, perto de 9 em cada 10 são assalariados. A sua integração em todas as actividades económicas, seja na indústria, seja nos serviços, apresenta uma evolução crescente. Nos sectores tradicionalmente ligados às profissões intelectuais, onde antes predominava o trabalhador liberal, independente económica e tecnicamente, hoje ganha terreno o assalariamento, a dependência económica e a subordinação técnica que procura esmagar a margem de autonomia relativa do trabalho intelectual.

Como exemplos desta realidade, podemos dar o dos advogados com um número crescente de profissionais a exercer num contexto de sociedades do qual resulta uma subordinação jurídica, e que no plano material corresponde a uma situação de assalariamento efectivo.

Na mesma linha, a situação dos arquitectos cujo ideal como uma profissão liberal exercida em exclusividade está longe de corresponder à realidade, com estudos que apontam para 59% dos profissionais a encontrar-se numa situação de assalariamento.

Outro exemplo flagrante é o dos engenheiros informáticos, onde a existência de grandes multinacionais a operar no nosso país emprega milhares de profissionais desta área.

E poderíamos referir mais profissões, como os arqueólogos, que dada a situação de atropelo aos direitos e a necessidade de organizar e unir a resposta dos trabalhadores levou à constituição do STARQ.

Os desafios que se levantam ao Movimento Sindical para agregar esta camada na luta geral de todos os trabalhadores exige uma acção integrada e uma resposta a problemas que em parte são comuns aos restantes trabalhadores, mas que contêm especificidades que têm de ser atendidas.

Temos profissões onde o exercício se faz no sector público, outras onde predomina o emprego no privado, sendo que na maioria a prestação de trabalho é realizada em ambos os sectores.

Para o desenvolvimento do trabalho sindical nesta vertente deve ser potenciada a intervenção a partir de cada sindicato, do sector público e privado, onde deve ser dado um tratamento direccionado aos problemas concretos desta camada, o que exige que haja uma maior integração nos órgãos e/ou grupos de trabalho sindicais de assalariados oriundos destas profissões.

Casos há em que estes trabalhadores não se revêem nas estruturas sindicais existentes, o que exige a adopção de medidas que promovam a afirmação do sindicalismo de classe, processo complexo e difícil, onde muitas vezes seremos confrontados com o lastro de intoxicação e preconceito disseminado pela ideologia dominante contra a organização consequente dos trabalhadores.

Em zonas brancas, em que não há estrutura sindical representativa, poderá equacionar-se a possibilidade de dinamizar a criação de novos sindicatos. Em todos os casos, nesta frente de intervenção, a solidariedade sindical assume uma importância central, dando apoio, passando experiências, incorporando reivindicações e integrando na luta geral estas novas camadas de assalariados.

No momento actual, muitos destes trabalhadores estão numa situação de ainda maior isolamento e de maior atropelo aos seus direitos. O capital procura perpetuar esta situação, usando os avanços tecnológicos que neste contexto de pandemia servem para aproximar, para que uma vez debelada a situação sanitária, os mesmos meios que hoje aproximam, amanhã se convertam num elemento de maior separação e atomização do trabalhador.

O Movimento Sindical precisa de usar novas ferramentas que complementem a sua intervenção junto destes, mas também dos restantes trabalhadores. Sempre com a certeza que nada, nem nenhum método, substitui a presença no local de trabalho, o contacto directo com os trabalhadores, a mobilização e o esclarecimento, a acção sindical nas empresas e o desenvolvimento da luta.

Vivemos um tempo em que surgem novas formas de explorar, que tantas vezes mais não são que a recuperação de velhas práticas com modernas técnicas. A contradição fundamental do sistema capitalista não só não se alterou, como recrudesce, com um carácter cada vez mais social da produção, em que a emergência das transformações que descrevemos se inserem, e a apropriação privada dos meios de produção, desde logo dos que resultam do desenvolvimento da ciência e da técnica e que concentrados nas mãos de poucos são um elemento de acentuação das desigualdades.

Responder aos problemas dos trabalhadores, elevar a sua consciência, mobilizar e unir na luta são desafios que se nos colocam e para os quais teremos de trilhar novos caminhos.

VIVA O PCP!

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