Intervenção de Vasco Cardoso, Membro da Comissão Política do Comité Central, Seminário «O papel da produção nacional na promoção do desenvolvimento do país - Os impactos das políticas da União Europeia»

A produção nacional constitui um eixo central da política alternativa patriótica e de esquerda que o PCP propõe ao Povo português e pela qual continuará lutar

A produção nacional constitui um eixo central da política alternativa patriótica e de esquerda que o PCP propõe ao Povo português e pela qual continuará lutar

Para o PCP a defesa produção nacional não é uma moda recente à qual decidiu aderir, nem tão pouco um novo critério para aceder à disponibilização de fundos comunitários. A produção nacional constitui um eixo central da política alternativa patriótica e de esquerda que propõe ao Povo português e pela qual continuará lutar.

Muitos nos acompanham nesta preocupação genérica. Às vezes até o actual governo. Mas depois, incapazes de romperem os seus compromissos com o grande capital monopolista, submetidos à ideologia dominante, ajoelhados aos pés dos dogmas do «mercado» e da «concorrência», recusam tomar as medidas necessárias para valorizar a produção nacional, e acabam por contribuir é para a sua destruição.

Destruição que se tem verificado ao longo de décadas de política de direita e de integração capitalista europeia. Destruição de centenas de milhar de pequenas explorações agrícolas, quase 400 mil nestes anos de Política Agrícola Comum. Destruição da nossa capacidade pesqueira com o abate ao longo de anos de centenas de embarcações e o definhar paulatino de um sector que teria todas as condições de garantir o auto-abastecimento do País. Destruição de importantes fileiras industriais, da metalurgia pesada ao vidro plano, dos comboios a sectores químicos e petroquímicos, entre tantos e tantos outros. Este percurso, permanentemente silenciado ao longo dos anos, não foi, nem é obra do acaso. Antes correspondeu a uma programada operação de desmantelamento da capacidade produtiva do País, tornando-o mais dependente dos excedentes das grandes potencias e integrado numa divisão internacional de trabalho em que Portugal assume um papel periférico na produção de bens transacionáveis, subsidiário das grandes potenciais e das grandes multinacionais. A dívida do País, medida hoje em mais de 130% do PIB é sobretudo o resultado de uma política em que, em vez de se produzir cada vez mais para se dever cada vez menos, se faz contrário.

No entanto, poderíamos ser levados ao engano se tomássemos como genuína a aparente viragem no discurso das principais figuras da UE em defesa da dita “reindustrilização” da Europa. Sim. Os mesmos que durante anos nos andaram a vender a necessidade da absoluta liberalização dos mercados, das vantagens da dita globalização, da desmaterialização da economia e por aí fora, das virtudes de uma economia de serviços, aparecem agora preocupados com a constatação óbvia das cadeias de dependência que foram inevitavelmente criadas. Mas cometeríamos um erro se julgássemos que é com o definhamento da indústria portuguesa que a Srª Merkel ou o Srº Macron estão preocupados. As suas preocupações são seguramente outras, designadamente a do alinhamento com a administração norte americana e outras grandes potenciais ocidentais, perante a afirmação no plano internacional de países como a China.

Na verdade, mais do que industrialização, aquilo a que assistimos nos últimos meses no nosso País foi ao encerramento de activos industriais estratégicos como a refinaria de Matosinhos, e ao desenvolvimento de novas ameaças em torno de sectores como o leite, ou em torno de empresas âncora para actividade económica e produtiva do País como é o caso da TAP, também ela, responsável por um dos mais prestigiados centros de manutenção aeronáutica no plano internacional. Tal como no passado, também agora, parece que não vão faltar os cheques vindos da UE para se comprar lá fora aquilo que ainda fazemos cá dentro. Aliás, é a contar com esses cheques, e não com as preocupações ambientais que dizem perseguir, que a GALP e a EDP estão a encerrar instalações. Na verdade, quando se fala do chamado Plano de Recuperação e Resiliência e dos postos de trabalho que este poderá vir a criar no futuro, a única certeza que já temos é que o dito plano se prepara para financiar o despedimento de centenas de trabalhadores ligados a estas actividades produtivas na área da energia.

Camaradas

É dever do PCP alertar que a “reindustrilaização” da Europa não pode ser alcançada por conta de uma ainda maior desindustrialização do nosso País. As condicionalidades que estão por detrás do chamado Plano de Recuperação e Resiliência associadas às visíveis e crónicas dificuldades do Estado português na execução de fundos comunitários fazem temer que uma parte importante destes recursos – os do PRR, mas também os dos quadros financeiros plurianuais – constituam sobretudo uma transferência de recursos públicos para alimentar os lucros privados do grupos económicos nacionais, mas também, de grupos económicos estrangeiros – alemães, franceses e outros – que em Portugal são também financiados por esta via.

Nós não queremos que nos paguem para deixar de produzir porque esse é o caminho mais curto para o definhamento económico e para a dependência. O país não pode estar condicionado ou mesmo impedido, como está actualmente, de apoiar e defender empresas e sectores que são estratégicos para o seu desenvolvimento e soberania, ou mesmo tempo que as grandes potencias asseguram e mobilizam colossais recursos para defender as suas empresas e sectores estratégicos.

A dependência do País de fundos comunitários em matéria de investimento público é hoje um problema que precisa de ser resolvido. Por um lado, o Orçamento do Estado não pode ser apenas para gestão corrente, com valores de investimento público claramente insuficientes em virtude das regras do Euro e dos critérios do défice e da dívida. Por outro, os recursos que são disponibilizados a partir da UE, recursos claramente insuficientes mas que são do País por direito e não uma dádiva de Bruxelas, não podem estar condicionados a fins que não são os prioritários.

Na verdade chega a ser confrangedor o facto de Portugal, com o Governo PS à cabeça, depois de todos os impactos provocados pela epidemia estar quase um ano e meio à espera das verbas do chamado PRR para arrancar com a dita recuperação económica. A consideração do chamado PRR como bóia de salvação do País é uma ilusão, e só vem confirmar o grau de submissão e dependência com que é preciso romper.

A reindustrialização que o País precisa implica políticas de substituição de importações por produção nacional.

Implica uma intervenção directa do Estado nos sectores produtivos, incluindo nos que não podem estar eternamente à espera da iniciativa privada, como aliás o PCP já tem vindo a propor em áreas tão distintas como os medicamentos, os comboios, navios e embarcações, alimentos

Implica a reconstituição de fileiras produtivas que possam ir desde a indústria extractiva à transformadora, garantindo a existência de cadeias de valor que assegurem que a riqueza produzida fica cá, em vez de ir parar aos lucros e dividendos das multinacionais.

Implica uma redução substancial da componente importada da produção nacional existente, matéria tão mais relevante quando estamos precisamente a assistir a problemas diversos, seja no abastecimento, seja no preço de matérias-primas e bens intermédios que estão a subir.

Implica um forte investimento no aparelho científico nacional, nos laboratórios de Estado, no ensino superior, nos centros de investigação existentes e noutros a criar.

Implica um apoio direccionado às milhares de micro, pequenas e médias empresas, sejam as que se dirigem ao mercado interno, seja às restantes, que lhes assegurem a independência face à pressão dos grandes grupos económicos e sua sobrevivência e desenvolvimento depois do fortíssimo impacto da epidemia.

Implica a recuperação do controlo público de sectores estratégicos, como é o caso da energia, para que os problemas e preocupações ambientais em vez de se transformarem numa nova fonte de negócio para especuladores e outros, sejam considerados e respondidos a partir de critérios de gestão e investimento publico incluindo nas energias renováveis e nas alterações que urgem fazer na promoção do transportes público, da eficiência energética de edifícios e equipamentos e no aproveitamento dos recursos nacionais.

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