Intervenção de Agostinho Lopes na Assembleia de República

Privatizações são um crime contra o País

Interpelação sobre privatizações

Sr. Presidente,
Srs. Deputados e Sr.as Deputadas:
As privatizações são um dos mandamentos da cartilha neoliberal que tem presidido às teorizações e, sobretudo, às práticas políticas de sucessivos governos do PS e do PSD, com ou sem CDS-PP, nos últimos 20 anos. A sua aplicação conduziu o País ao triste estado em que se encontra: desemprego, dívidas, défices, dependências e desigualdades.
Na justificação do esbulho do património público, abundam na propaganda das privatizações mentiras sistemáticas e mistificações persistentes. Os governos nunca abdicaram da tentativa de as justificar, substituindo a teoria económica e política por propaganda.
Uns contidos, como os governos PSD de Cavaco Silva, outros exuberantes, como os governos do PS/António Guterres, de que apresento algumas «pérolas» publicitárias pagas pelo XIII Governo — isto é, por todos nós! —, uma boa síntese de mentiras e mistificações.
Ao longo dos anos de política de direita, a mentira dos prejuízos do sector público foi repetidamente propalada, mesmo depois de um livro branco, mandado elaborar por um ministro das finanças, demonstrar uma evidência: as nacionalizações foram financeiramente vantajosas para o Estado português!
Depois foi o capitalismo popular! O Livro Branco desfez a mentira: 99% dos accionistas detinham uma percentagem insignificante do capital social das empresas privatizadas.
Outra tese, hoje caída em desuso, pelo comportamento da GALP, da EDP, da Brisa, etc., foi a da «Privatização igual a fim de monopólios e mais concorrência». De facto, substituíram-se monopólios públicos dirigidos e regulados pelo Estado pela vontade majestática de monopólios privados!
Como é extraordinária a propaganda das vantagens para trabalhadores e consumidores: uns foram despedidos aos milhares, os outros passaram a ter ou continuaram a ter preços e tarifas e comissões elevadíssimos na energia, nas comunicações e transportes, nos serviços financeiros, etc., comparados com cidadãos de outros países europeus, com poderes de compra, salários e pensões várias vezes superiores! Os exemplos são bastante conhecidos.
Outro objectivo afirmado, e propaganda feita, foi o da redução da dívida pública. Se, inicialmente, tal aconteceu, tendo as privatizações permitido a dita convergência nominal a caminho da moeda única, rapidamente, como os gráficos tão flagrantemente exibem, a dívida pública se transformou num buraco sem fim nem fundo, onde desapareceram milhões e milhões de euros sem nunca a saciarem!
Srs. Deputados, o objectivo central das privatizações foi o da reconstituição dos grupos económicos monopolistas, liquidados pelo 25 de Abril e as nacionalizações. Os novos grupos privados que, no dizer do Ex-Primeiro-Ministro Guterres, seriam «os elementos racionalizadores das transformações económicas do País, da modernização e de um novo modelo de especialização».
Conhecemos a modernização feita na primeira década do século XXI: um modelo de mão-de-obra barata e precária, baixo valor acrescentado, dependência e subcontratação.
Sabemos, também, como esses grupos se especializaram na produção de bens e serviços não transaccionáveis.
Dá nisto confundir reestruturação económica com centralização e concentração de capitais, pela liquidação de unidades e sectores, pelo desmantelamento da coerência e racionalidade de fileiras produtivas e áreas de actividade das empresas públicas!
Não! Os grupos económicos privados e monopolistas não foram nem serão núcleos de racionalidade económica, mas núcleos de racionalização de interesses privados, segundo o seu muito antigo, conhecido e natural critério de racionalidade: a maximização da taxa de lucro.
Srs. Deputados, as privatizações anunciadas no PEC vão agravar todos os problemas decorrentes das anteriores privatizações, um criminoso programa de privatizações atingindo sectores estratégicos e monopólios naturais, eliminando qualquer resquício da presença do Estado em empresas estratégicas e estruturantes da economia e do território.
As inevitáveis consequências, tendo em conta 20 anos de privatizações, são fáceis de prever.
No campo de forças económico, o avolumar e consolidar da potência económica, social e política de um número restrito de grupos (económicos e financeiros) acentuará uma estrutura monopolista/oligopolista, em sectores de serviços e bens essenciais, reforçará uma hierarquia de relações de domínio e desfavoráveis a grandes, médias e pequenas empresas privadas e ao próprio Estado. Em matéria de mercados, no acesso a fundos públicos e comunitários, na definição das normas e regras económicas pelo poder político, nos preços e tarifas daqueles bens e serviços.
Não haverá, como a experiência suficientemente tem demonstrado, entidades reguladoras que respondam a este problema.
No plano das contas públicas, o Estado vai continuar a perder as receitas dos dividendos que deixa de receber — trata-se, no fundamental, de empresas bastante lucrativas —, e também perde receitas fiscais — as mesmas empresas, privatizadas passam, em geral, a pagar menos! —, agravando o défice orçamental. Só entre 2004 e 2009, o Estado recebeu de dividendos mais de 1400 milhões de euros de dividendos. É uma parcela significativa desta fonte de receitas públicas que o Governo pretende agora vender aos grandes grupos económicos.
Agrava-se a balança de pagamentos pela crescente saída de rendimentos por exportação de dividendos correspondentes à forte presença do capital estrangeiro no capital social das empresas privatizadas! Mais de 50% do capital accionista da PT, da EDP, do BCP, do BES, do BPI e da Brisa está hoje na mão de capital estrangeiro. O Governo PS acha pouco! Em 2008, os rendimentos pagos ao exterior, desta forma, atingiram 20 mil milhões de euros.
Vinte anos depois, 36 milhões de euros de privatizações depois, o rácio dívida pública/PIB quase duplicou! E vai continuar a agravar-se, como o próprio Governo reconhece no PEC.
Vão continuar a ser fortemente atingidos os sectores produtivos, como a agricultura, pescas e indústria, pelas condições (fundamentalmente preços) de acesso a factores de produção tão diversos como a energia e os transportes, e pelo agravamento dos efeitos, já referidos, da monopolização dos mercados. Facilitando o domínio do capital estrangeiro, vão abrir caminho, no quadro da relocalização à escala europeia de importantes sectores industriais, para a sua liquidação em Portugal, o que pode acontecer com a Empordef e os com os estaleiros navais de Viana do Castelo.
Vão agravar a dependência estrutural da economia portuguesa do capital transnacional e o lógico comando estratégico de importantes sectores por centros de decisão não nacionais.
Só um forte sector empresarial público pode garantir a soberania nacional em centros fulcrais de decisão económica, para resistir com êxito à concorrência feroz no mercado comunitário e mundial e a uma divisão internacional do trabalho desfavorável a Portugal. Só assim será possível manter o controlo nacional sobre o essencial da estratégia de desenvolvimento do País. As privatizações anunciadas remarão em sentido contrário.
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados,
No plano do ordenamento do território e do uso dos recursos naturais, o carácter estruturante de muitas das empresas públicas a privatizar, pela sua natureza de organização em rede, pela sua índole estratégica, reforçará a incapacidade do Estado, representante do interesse geral, público, para intervir no ordenamento do território, inclusive na resposta às assimetrias regionais e na defesa de um desenvolvimento sustentável e criterioso uso dos recursos naturais.
Finalmente, os processos e as políticas de privatizações conduziram a uma situação em que quem determina a política nacional é cada vez menos o povo português, mas os que, ilegitimamente, se vão apropriando dos mecanismos fundamentais da economia portuguesa.
A degradação do regime democrático de Abril é também indissociável do processo de domínio dos principais grupos económicos monopolistas sobre a sociedade e a vida dos portugueses. A corrupção é indissociável da promiscuidade dos grandes negócios com o poder político e da violação do princípio constitucional da subordinação do poder económico ao poder político. Se quisermos um exemplo recente, recordemos a forma arrogante como os gestores de algumas grandes empresas, ainda com forte presença pública, reagiram e agiram face ao envergonhado recado do Governo em matéria dos seus bónus e remunerações de jackpot.
A Constituição da República Portuguesa continua a estabelecer, como princípios fundamentais da organização económico-social e como incumbências prioritárias do Estado para sua concretização a subordinação do poder económico ao poder político democrático e a coexistência dos sectores público, privado, cooperativo e social, no âmbito de uma economia mista. Ora, tal não é compatível com a política de privatizações.
A política alternativa exige a ruptura com o domínio do capital monopolista; a afirmação da propriedade social e do papel do Estado em sectores estratégicos, nomeadamente com a suspensão do processo de privatizações em curso; e um sector público forte e dinâmico, ao serviço da democracia e do desenvolvimento independente do País.
(…)
Sr. Presidente,
Sr. Deputado Afonso Candal,
Obrigado pelas questões colocadas. Infelizmente, o tempo é curto para responder a uma intervenção…!
De qualquer das formas, gostaria de começar por notar uma questão: eu julgava que me vinha explicar, relativamente a esta matéria de bónus e remunerações de alguns gestores de empresas com forte participação pública, a razão por que o Estado não utilizou o seu poder na divisão dos dividendos para impor a esses gestores aquilo que dizia querer como salários, vencimentos e remunerações.
Talvez hoje o Sr. Ministro de Estado e das Finanças nos possa explicar porque é que o Governo abdicou desse poder que tem relativamente a algumas dessas empresas.
Depois, Sr. Deputado, em matéria de privatizações, depois de 20 anos de privatizações, depois de 36 000 milhões de euros de receitas de privatizações — e podíamos juntar mais, ou seja, depois de 50 000 milhões de euros de fundos comunitários —, os senhores, e os seus parceiros aí da bancada ao lado, quando estiveram à frente do governo, conduziram o País ao triste estado em que ele se encontra, Sr. Deputado!
Explique-nos como é que esse instrumento das privatizações foi uma política ajustada, adequada e correcta para responder aos problemas do País, para responder à situação que o País vivia!
O Sr. Deputado diz que nós somos em absoluto contra o capital estrangeiro nas empresas. Está enganado, Sr. Deputado!
Não, não disse!
Ouviu mal, mas permita-me que lhe explique. Não estamos contra investimento estrangeiro que venha para Portugal, que monte empresas novas — novas, Sr. Deputado! —, criando emprego, trazendo tecnologia, assegurando o crescimento do valor acrescentado e das exportações deste País.
Estamos contra o capital estrangeiro que venha para Portugal para entrar em empresas que já existem, que já funcionam, que já produzem para, pura e simplesmente, devolver ao estrangeiro vultosos dividendos, como aconteceu em 2008!
Foram 20 000 milhões de euros, Sr. Deputado!!
De facto, não estamos de acordo com esta vinda de capital estrangeiro para comandar estrategicamente empresas portuguesas nem para se apropriar dos rendimentos destas empresas portuguesas!
Mas o Sr. Deputado, certamente, vai poder esclarecer-nos, dizendo se está de acordo em que esse capital venha para cá, por exemplo, tome conta da EDP, da Galp ou da REN e leve os centros de decisão destas empresas para o estrangeiro, para os seus países. Responda-me a esta questão!
(…)
Sr. Presidente,
Sr. Ministro das Finanças,
Gostaria de começar por dizer que a avaliação do processo de privatizações que aqui fez lembra alguém que, tendo feito uma dívida para comprar uma casa, depois vende o emprego para pagar parte dessa dívida, esquecendo-se que tem que comer todos os dias, tem que pagar a educação dos filhos, etc., etc.
É uma contabilidade um pouco esquisita, Sr. Ministro das Finanças.
Sr. Ministro, o senhor não desconhece, certamente, a importância do sector energético para o País, não desconhece, certamente, a importância de empresas como a EDP, a REN e a GALP para a sociedade e a economia portuguesas. Estamos a falar de empresas que permitem o acesso a um bem hoje absolutamente essencial, como é a energia.
É assim que lhe pergunto se o Sr. Ministro nos pode informar como vão ficar as posições do Estado relativamente a estas três empresas, nomeadamente a REN, que é um monopólio natural de transporte de energia eléctrica e de gás natural. Pergunto-lhe como vai assegurar que os preços da energia que estas empresas fornecem passarão a ser compatíveis com os níveis de competitividade da economia portuguesa, particularmente as pequenas e médias empresas.
Já agora, independentemente da bondade — e ela não é muita — do programa Energia 2020, do Governo, gostaria de lhe perguntar, Sr. Ministro, como vai concretizar este programa com estas três importantes empresas estratégicas privatizadas.

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