Intervenção de Bernardino Soares na Assembleia de República

As privatizações são um atentado ao interesse nacional

(http://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheActividade...)

Sr. Presidente,
Sr. Ministro de Estado e das Finanças,
O Sr. Ministro não referiu nem podia referir a legitimação do Governo no programa eleitoral e no Programa do Governo que apresentou à Assembleia, para fazer este programa de privatizações!...
É porque não existe! É porque este extenso programa nunca foi apresentado aos portugueses como um dos objectivos da política do Partido Socialista!
E nem vale a pena dizer que a isso somos obrigados por imposições externas. A decisão é sempre nossa, a decisão é sempre do Governo e da Assembleia da República! É aqui que está a responsabilidade do que se vai fazer!
O Sr. Ministro não se conseguiu explicar… Tentou, de forma técnica, esconder o problema de que nem do ponto de vista financeiro as privatizações compensam, quer porque se as empresas se mantiverem no Estado acabarão por dar mais dividendos ao Estado do que aquilo que significa o valor embolsado com as privatizações, quer porque as empresas, assim que são privatizadas, passam a pagar menos impostos, passam a usar mais benefícios fiscais e a diminuir assim a receita fiscal, como aconteceu no passado.
Diz o Sr. Ministro que a entrada de capitais privados traz ganhos de eficiência às empresas públicas. Essa é a velha linha de que o que é público é incompetente e o que é privado é eficiente. Ora, Sr. Ministro, como é o senhor e o seu Governo que nomeiam o gestores das empresas públicas, talvez o incompetente aqui seja o Governo e os gestores que nomeia… Ou talvez até o façam de propósito, para degradar as empresas públicas e assim justificarem a sua privatização…!
Mas explique-nos lá qual foi o ganho de eficiência para a economia nacional que resultou de pagarmos combustíveis mais caros do que os outros países da Europa? Qual foi o ganho para a eficiência da economia nacional pagarmos a energia eléctrica mais cara do que outros países da Europa? Explique-nos onde é que ficou o serviço público para aquelas populações que ficaram sem transporte rodoviário por causa da privatização, há uns anos, da empresa nacional de transporte rodoviário de passageiros? Onde é que fica a eficiência nacional nessas matérias?
Diz o Sr. Ministro que vai haver dinheiro para a educação, para a saúde e para o subsídio de desemprego..., quem o diz é o mesmo Governo que vai cortar agora mesmo no subsídio de desemprego, com a justificação mais uma vez da crise!...
Explique-nos finalmente, Sr. Ministro, como é que uma empresa como os CTT, que tem um papel essencial no desenvolvimento e na coesão regional, na coesão social e que presta um serviço público indispensável às camadas mais favorecidas, vai cumprir bem o seu papel (e ainda por cima é lucrativa) se for privatizada?
Explique-nos, se puder, como é que tudo isto ajuda o Estado português, como ajuda o nosso país a ser mais desenvolvido. É porque não ajuda, Sr. Ministro! Não ajuda!!
(…)
Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados:
Começo por esta última afirmação do Sr. Ministro das Finanças.
Sabe, Sr. Ministro, há uma grande diferença entre o PCP e o Governo: é que o PCP defende o interesse nacional e dos portugueses e o Governo defende o interesse privado e daqueles que querem lucrar à custa dos portugueses, do nosso país.
Esta interpelação ao Governo provou como é irracional, desastrosa e contrária aos interesses do País, no presente e no futuro, a política de privatizações proposta pelo Governo.
É errada porque prejudica o desenvolvimento do País. Entregar sectores-chave, como o dos transportes, da energia, das telecomunicações, ou da banca ao sector privado é perder instrumentos fundamentais para o desenvolvimento da nossa economia. E isso está bem à vista, nas empresas que já são maioritariamente privadas, como a Galp e a EDP. O domínio privado sobre elas significa que o pagamento da energia e dos combustíveis é mais caro para os portugueses, significa a destruição de milhares de pequenas empresa e a eliminação dos respectivos postos trabalho, significa penalizar drasticamente a competitividade da nossa produção e também das nossas exportações.
Esta política é errada porque prejudica as populações. Com empresas públicas privatizadas, os serviços passam a estar submetidos não à prioridade de servir bem as populações mas à prioridade do lucro do dono.
É errada porque não tem qualquer vantagem, mesmo do ponto de vista do encaixe financeiro. A receita que o Estado embolsaria, se as privatizações avançassem, corresponderia, provavelmente a uma meia dúzia de anos de dividendos pagos. É uma decisão totalmente irracional! É a venda ao desbarato do património nacional!
O Sr. Ministro fala numa diferença entre 200 milhões do abatimento aos juros da dívida e 160 milhões dos dividendos anuais de uma parte das empresas que estão previstas no programa de privatizações. Sabe, Sr. Ministro, o problema é que os dividendos destas empresas, se elas se mantiverem públicas, continuaram a vir todos os anos e podem até aumentar, quando a actividade económica for um pouco melhor, e a receita que vai obter com as privatizações é única e nunca mais se repetirá, e é por isso que essa política prejudica o País.
Esta política é errada porque abre caminho ao domínio dos sectores visados, fundamentais da nossa economia, e à riqueza por eles criada por interesses económicos privados e não nacionais. Foi assim que saíram, em 2008, 20 mil milhões de euros das empresas já privatizadas.
Estes capitais privados não vem trazer mais eficiência económica nem diversificação da actividade económica, vêm apenas buscar os lucros das empresas que já existiam.
Para além disso, esta é uma opção que o PS não incluiu no seu Programa Eleitoral. Para quem, tantas vezes, usou como argumento para não aprovar medidas positivas o facto de não as ter incluído no seu Programa Eleitoral, é estranho que não tenho agora nenhum problema em querer avançar com este programa de privatizações.
Aliás, isso foi bem visível na falta de argumentos do Sr. Ministro, que resumiu a sua legitimidade a dizer que as privatizações são possíveis pela legislação em vigor. O que queremos dizer é que, politicamente, este Governo não tem legitimidade para levar a cabo decisões que podem condicionar o futuro do nosso País por muitas décadas.
Mas nós sabemos bem o que quer o Governo e o que querem o PSD e o CDS, que, no fundamental, estão de acordo com estas medidas. O que querem, no fundo, não é sequer resolver o problema financeiro da dívida, o que querem, de facto, é entregar o valioso património que estas empresas constituem aos grupos económicos privados cujos interesses servem no Governo.
São empresas – dizem alguns, preocupados – que até dão prejuízo, e logo garante o Governo que serão reestruturadas, que vão ser reorganizadas. E nós já sabemos o que isto quer dizer! O que isto quer dizer é que o Governo vai despedir trabalhadores, eliminar postos de trabalho e cortar nos serviços prestados pelas empresas enquanto elas forem públicas, para entregar as empresas «limpinhas» e lucrativas ao privado que vier a tomar conta delas!
Diz o Sr. Ministro que «é o maior nas privatizações», que conduziu a privatização da PT, que conduziu a privatização da EDP, etc., etc., etc.
Já tínhamos aquele anterior Secretário de Estado, José Penedos, que depois esteve na REN, como todos sabemos, a dizer que abria uma garrafa de champanhe de cada vez que privatizava uma empresa e agora temos o Ministro Teixeira dos Santos que conduz todas as privatizações! É o verdadeiro «Fangio» das privatizações em Portugal!
O Sr. Ministro não conseguiu responder à questão acerca dos Estaleiros de Viana do Castelo. O Sr. Ministro, no meio dessa baralhação em relação aos Estaleiros, poderia explicar-nos por que razão, como confirmou, na terça-feira, o Presidente da Comissão das Contrapartidas em relação aos equipamentos militares, estiveram nos Estaleiros, cinco anos, sem serem montados equipamentos que vinham para Portugal ao abrigo dessas contrapartidas? De quem é a culpa? É dos trabalhadores dos Estaleiros ou é da gestão que os senhores têm nos Estaleiros de Viana do Castelo e que faz o jogo da privatização que os senhores querem?!
O Governo, sem argumentos, veio para aqui tentar insultar e falou, então, da nomenclatura. Logo nos ocorreu de que nomenclatura é que o Governo está a falar. Certamente do Dr. Rui Pedro Soares; certamente do Dr. João Carlos Silva, que foi Secretário de Estado do Orçamento, depois foi Presidente da PT, esteve na Tagusparque e não sabemos, agora, para onde irá; ou de Armando Vara, nomeado para a administração da Caixa Geral de Depósitos por um governo do PS; ou do Dr. Luís Nazaré, que foi do Secretariado do PS, Presidente da ANACOM, Presidente dos CTT, agora é do Conselho Estratégico dos CTT e ao mesmo tempo trabalha para uma consultora privada que presta pareceres e apresenta estudos para a reestruturação dos mesmos CTT. Deve ser desta nomenclatura que o Sr. Ministro está a falar!
Ou, então, é daquela questão a que o Sr. Ministro não quer responder, que é o facto do Secretário de Estado da Indústria do anterior governo estar a ser nomeado, ilegalmente, com o aval deste Governo, para uma empresa que antes tutelava. E o Governo a apadrinhar esta ilegalidade para servir interesses que não o interesse público!
É por isso que dizemos que, para além de tudo o resto, as privatizações são um «pasto» para a promiscuidade entre público e o privado e um «campo fértil» para a corrupção, como vemos em muitos exemplos neste país.
O Governo PS e os seus acólitos à direita, em vez de submeterem as suas decisões políticas ao interesse público, como obriga a Constituição, o que fazem é submeter o interesse público ao império das negociatas e à ganância do lucro.
As privatizações são um crime de lesa-pátria, um atentado ao interesse nacional, e é por isso que continuaremos a lutar contra elas e havemos de as derrotar.

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