Preâmbulo
No artigo 75.º da Constituição da República Portuguesa está plasmado a responsabilidade do Estado em garantir a criação de uma “rede de estabelecimentos públicos de ensino que cubra as necessidades de toda a população” que cumpra o também desígnio constitucional do direito à educação, enquanto pilar fundamental da democracia.
Durante décadas que há uma total ausência de políticas que promovam o alargamento da rede pública de educação com os adequados recursos humanos e materiais, em todas as suas modalidades, o que leva a que ainda seja necessário recorrer ao sector privado e cooperativo para colmatar as necessidades, designadamente na educação artística e na educação inclusiva.
O PCP tem sempre defendido que a prioridade no investimento público deve ser no reforço das condições materiais e humanas das escolas públicas e no alargamento da rede pública de escolas e que assim o ensino particular e cooperativo deve apenas assumir um carácter supletivo de garantia do direito à educação onde não existe resposta pública. É por este motivo que o PCP defendeu o fim dos contratos de associação que não eram supletivos e que não supriam qualquer necessidade e mantemos essa posição.
Diferente questão se coloca quanto aos contratos de patrocínio e contratos de cooperação (e contratos de associação que efetivamente supram necessidades). Nestes casos, dada a incapacidade pública para garantir uma resposta educativa a toda a população, admite-se o recurso de forma planificada ao ensino particular ou cooperativo, estabelecendo mecanismos legais e orçamentais para garantir a equidade relativa entre financiamento público, por aluno, dos estabelecimentos públicos de ensino e das instituições particulares e cooperativas de ensino, bem como das relações laborais e condições salariais dos profissionais de ambos os sectores, e da qualidade pedagógica. A contratualização deve ser rigorosa e devidamente fiscalizada, devendo ser exigida a aplicação das mesmas condições de trabalho aos trabalhadores que trabalham nessas escolas do que ocorre no público. Mas, esta contratualização em nenhuma medida pode significar o desvirtuar o carácter complementar do ensino privado, relativamente ao ensino público, e desviar alunos da Escola Pública para os colégios privados, tal como tem sido a opção do Governo PSD/CDS.
No caso da educação inclusiva, o novo ano letivo está a ser caótico, são muitas as queixas de pais que denunciam a falta de meios, humanos e materiais na Escola Pública, existindo ainda crianças e jovens que se mantêm em casa. A muitas foi-lhes negada a entrada na Escola Pública, outras não têm o acompanhamento necessário e devidamente formado, ainda outras que são colocadas em salas todo o tempo letivo, isoladas das outras crianças. Esta não é a escola inclusiva que está constitucionalmente definida, não é a defesa de que “todos têm direito ao ensino com garantia do direito à igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar”. A realidade é que o principal problema para a integração e inclusão de crianças e jovens com necessidades educativas específicas é a necessidade do reforço de meios humanos, de meios materiais e técnicos, na Escola Pública.
O mesmo problema se coloca no caso dos contratos de cooperação, que são contratualizados com o sector privado, cooperativo e que permitem a resposta às crianças e jovens com necessidades educativas específicas, cujo direito à educação não é cabalmente respondido em outra tipologia de escolas. Os valores desses contratos não eram atualizados desde 2008, tendo tido uma ligeira atualização em 2023, mas que não acompanhou de modo algum o aumento brutal do custo de vida, estando hoje em causa a continuidade de muitos estabelecimentos e deste modo o prejuízo para 487 crianças e jovens com necessidades educativas específicas.
No caso da educação artística, o problema também é referente à reduzida expressão territorial da oferta educativa pública o que condiciona, objetivamente, o desenvolvimento artístico das populações escolares em particular e, em geral, as comunidades que, invariavelmente, beneficiam da implantação no seu seio de estruturas de ensino artístico. O PCP tem defendido que é urgente o alargamento da rede pública do ensino artístico especializado a todos os distritos, que permita o acesso de todas as crianças e jovens a esta formação especializada.
Entretanto a educação artística é garantida através do recurso aos contratos de patrocínio, que tal como acontece com os contratos de cooperação, os valores não têm em conta as necessidades para o regular funcionamento.
Para o PCP, o Estado, de acordo com o texto constitucional, deve garantir o acesso à educação e o instrumento para o fazer é a Escola Pública universal, de qualidade e gratuita em todo o ensino obrigatório, independentemente das condições económicas e sociais de cada um. Objetivo que exige um investimento adequado na rede pública e nas condições de funcionamento da Escola Pública que permitam a melhoria do processo ensino/aprendizagem.
Assim, o PCP pretende com o presente Projeto de Lei que o Estado intervenha de forma eficaz nas modalidades de educação artística e de educação inclusiva, garantindo numa primeira linha o reforço dos apoios adstritos à integração e inclusão das crianças e jovens com necessidades educativas específicas na Escola Pública e o alargamento da rede pública de ensino artístico especializado.
Numa segunda linha e sendo é fundamental a valorização e defesa do ensino artístico especializado e da educação inclusiva e a garantia das condições materiais e humanas para que estas escolas cumpram o seu papel de formação da cultura integral do indivíduo, o PCP defende que sejam revistos os modelos de financiamento dos contratos de patrocínio e cooperação.
Assim, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea c) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados abaixo-assinados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projeto de Lei:
Artigo 1.º
Objetivo
A presente lei procede a criação de um plano estratégico de investimento no âmbito da educação inclusiva e ensino artístico especializado, garantindo:
- O alargamento da rede pública de ensino artístico especializado;
- O reforço dos meios da educação inclusiva na Escola Pública.
- A atualização do modelo de financiamento dos contratos de patrocínio e de cooperação.
Artigo 2.º
Reforço dos meios da educação inclusiva
O Governo procede ao levantamento das necessidades no âmbito da educação inclusiva na Escola Pública, procedendo no prazo de 30 dias após a aprovação da presente lei:
- À contratação do número adequado de trabalhadores afetos à educação inclusiva, designadamente, docentes de educação especial, assistentes operacionais e técnicos especializados, permitindo o reforço das equipas multidisciplinares;
- À formação específica a todos os trabalhadores da educação afetos à educação inclusiva, incluindo os trabalhadores das valências de alimentação, bibliotecas, serviços académicos, reprografias, entre outros;
- Proceda à aquisição dos recursos materiais e pedagógicos adequados ao processo de ensino aprendizagem das crianças e jovens com NEE;
- À garantia da formação pedagógica específica para professores, nomeadamente em instrumentos de avaliação dinâmica, planos educacionais individualizados, planos de transição entre disciplinas e ciclos, procedimentos de inovação e intervenção pedagógico-clínica, práticas e estratégias de inclusão efetiva;
Artigo 3.º
Alargamento da rede pública de ensino artístico especializado
Em vista ao desenvolvimento artístico das populações escolares, o Governo procede, a partir de 2025, ao alargamento da rede pública de ensino artístico especializado, garantindo a cobertura de todo o território nacional.
Artigo 4.º
Atualização do modelo de financiamento dos contratos de patrocínio e contratos de cooperação
- O Governo procede à atualização do modelo de financiamento dos contratos de patrocínio e contrato de cooperação, atualizando o valor por aluno, tendo em conta a garantia das condições materiais e humanas das escolas.
- A atualização do modelo de financiamento referido no número anterior tem em consideração os seguintes critérios:
- Pagamento integral dos encargos com os vencimentos do pessoal docente, de acordo com o seu estatuto remuneratório, e respetivos encargos sociais;
- Bonificação de sete horas/semana/turma equiparadas a horas letivas, para a desempenho de funções a determinar pelo estabelecimento de ensino de acordo com o projeto específico da escola;
- Pagamento do pessoal não docente e das despesas de funcionamento;
- Aquisição de material e recursos pedagógicos.
Artigo 5.º
Entrada em vigor
- A presente lei entra em vigor no dia seguinte à sua publicação e produz efeitos com o Orçamento do Estado subsequente, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
- Compete ao Governo a criação de condições para que a presente lei produza efeitos em 2025, considerando a disponibilidade orçamental para o ano económico, incluindo a possibilidade de recurso a financiamento comunitário.



