Intervenção de Fernanda Mateus, membro da Comissão Política do Comité Central, Sessão «25 de Abril uma Revolução libertadora e emancipadora. Abril é mais futuro!»

As conquistas de Abril

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Camaradas e Amigos,

As conquistas de Abril são fruto de uma Revolução libertadora e emancipadora e a sua defesa no presente, porque Abril é mais futuro, exige manter viva na memória colectiva como ela foi determinante para pôr fim à pesada herança desse mal designado «Estado Novo», essa feroz ditadura fascista que ao longo de 48 anos  suprimiu as liberdades, oprimiu e explorou o nosso povo. 

Uma Revolução que pôs fim à ditadura, extinguiu a polícia política – a PIDE – e outras estruturas do regime fascista, aboliu a censura, instaurou as liberdades e a democracia, o direito de associação e de manifestação, de constituição de partidos políticos, o sufrágio universal e directo, a liberdade sindical, o direito à greve, à contratação e negociação colectiva, o direito de participação das associações sindicais na gestão da segurança social e na elaboração da legislação do trabalho. 

Uma Revolução que promoveu a melhoria das condições de vida dos trabalhadores e do povo, institucionalizando o salário mínimo nacional, o aumento dos salários reais, das reformas e das pensões mínimas, o direito à segurança social para largos sectores da população, o direito a 30 dias de férias e o subsídio de férias, a redução do horário de trabalho, a criação do subsídio de desemprego que abrangeu a generalidade dos trabalhadores por conta de outrem, incluindo os trabalhadores rurais, e de um subsídio especial para situações especiais de desemprego não enquadráveis pelo regime geral. Foi assegurada a licença de maternidade e aumento significativo do  abono de família.  

Indissociável do processo de democratização política do País  foram as profundas transformações nas estruturas sócio-económicas – as nacionalizações, a reforma agrária, o controlo operário – libertando-o da ditadura dos monopólios, com sete grandes grupos económicos a dominar a economia nacional, a impor uma brutal exploração e repressão sobre os trabalhadores e a recorrer à exploração do trabalho infantil.

Rasgaram-se novos horizontes no combate ao atraso social do País, pesada herança do fascismo: salários mais baixos da Europa; 25% dos portugueses viviam em locais sem condições mínimas de salubridade e segurança; proliferação de  bairros de lata; 52% dos alojamentos sem abastecimento de água; 53% sem energia elétrica: 60% sem rede de esgotos; 67% sem instalações sanitárias; elevados índices de mortalidade materna e infantil; a maioria dos partos em casa e sem assistência médica; mais de um milhão e meio de portugueses a emigrar para fugir à pobreza, entre 1961 e 1973.

Foram dados passos decisivos na consagração de direitos civilizacionais desde logo, reconhecendo  o direito das mulheres à igualdade em todos os domínios, pondo fim à  opressão e subalternidade que lhe foi imposta pelo fascismo; os direitos das pessoas com deficiência, até então obrigadas a viver da mendicidade e pobreza extrema; os  direitos para os reformados, pensionistas e idosos, desenhando-se novos caminhos de elevação da sua qualidade de vida e envelhecimento com direitos. 

Nas conquistas de Abril inscrevem-se passos dados na promoção da educação, cultura e desporto, ocupação dos tempos livres. Conquistas assentes em novos valores e objectivos, interrompendo a herança do fascismo que monopolizou o direito à instrução e à cultura a favor das elites privilegiadas,  em contraponto ao  analfabetismo da maioria da população, das crianças e jovens  que cedo abandonavam a escola, pondo fim a uma sociedade marcada por forte condicionamento cultural, com um desporto de cariz elitista, com um limitado número de praticantes.

O contributo decisivo para a paz é uma das grandes conquistas do processo revolucionário, pondo fim à guerra colonial  e reconhecendo o direito à autodeterminação e independência dos povos das colónias. Pôs fim à exploração e opressão coloniais e a uma história de crimes contra povos explorados e subjugados que usou milhares de jovens portugueses nessa guerra, causando a morte, mutilações físicas e psicológicas em milhares deles. 

Todas estas extraordinárias conquistas da Revolução de Abril são indissociáveis das suas características: um levantamento militar, que é simultaneamente acompanhado por um levantamento popular, que deu corpo a uma aliança entre os militares progressistas do MFA e o povo, constituindo-se como o motor  da democratização da sociedade portuguesa e das transformações realizadas. 

De facto, a classe operária, os trabalhadores e as massas populares não se limitaram a apoiar o movimento dos capitães, tomaram elas a iniciativa nas suas mãos e, em aliança com os militares progressistas,  impuseram profundas  transformações na sociedade portuguesa tornando-o um País mais justo e democrático. 

As mulheres – operárias, trabalhadoras de diversos sectores, donas de casa, estudantes – integraram este amplo movimento e na construção destas conquistas.      

A  força do processo revolucionário levou a que tenham sido consagradas em lei as conquistas revolucionárias construídas nas empresas, nos campos e exigidas nas ruas. 

Os trabalhadores e os operários agrícolas com a sua  intervenção nas empresas, nas nacionalizações, na ocupação de terras para as suas actividades agrícolas, como a Reforma Agrária, impediram a sabotagem económica promovida pelos sectores reaccionários do patronato e latifundiários.

As nacionalizações constituíram um duro golpe para o capital monopolista, contribuindo para criar a base de sustentação de uma sólida alavanca de desenvolvimento económico do País. Não foi um acto voluntarista ou um excesso, antes corresponderam a uma necessidade objectiva ditada pela defesa da própria democracia e uma resposta à sabotagem económica da contra-revolução,  constituindo-se como um instrumento insubstituível capaz de suportar as necessidades de um desenvolvimento do País ao serviço de uma mais justa distribuição da riqueza e de elevação das condições de vida do povo. 

O controlo da produção pelos trabalhadores visou enfrentar a reacção dos detentores do poder do capital monopolista, que a todo o custo tentavam impedir a perda dos seus privilégios e superar a deficiente utilização da capacidade produtiva do País e o reduzido investimento. 

Na agricultura na zona do minifúndio foram devolvidos os baldios às  comunidades e tomaram-se medidas para assegurar que nas cerca de 300 mil explorações agrícolas os rendeiros tivessem condições mais favoráveis devidas à compensação pelo cultivo da terra. 

A Reforma Agrária levada a cabo no Alentejo e Ribatejo pela luta dos operários agrícolas constituiu uma das mais belas conquistas de Abril. A produção agrícola foi colocada ao serviço do País, criadas estruturas económicas nas quais os trabalhadores intervieram na produção e solução dos problemas locais. A entrega da «terra a quem a trabalha» significou, entre 1977 e 1978, mais de  217 mil hectares de área semeada que no tempo dos agrários, mais de 10 700 hectares de regadio, mais de 23.000 hectares de forragens, mais de 316 mil cabeças de gado, mais de 17 970 máquinas e alfaias.  

Com a Reforma Agrária reduziu-se o desemprego, registaram-se importantes aumentos salariais e instituídos 21 dias de férias. Nasceram lojas, supermercados, lagares, adegas, mercados de produtos da reforma agrária, cooperativas, criaram-se creches e comissões de base de saúde. 

Com a Revolução avança uma nova política habitacional impulsionada pelo movimento popular, que se traduziu em medidas que permitiram a construção de um número considerável de habitações sociais, uma nova política de solos, e a intervenção no arrendamento urbano através da limitação do aumento das rendas e obrigatoriedade de aluguer dos fogos devolutos. 

Movimento popular cuja intervenção teve enorme importância na resolução de problemas locais, na dinamização e construção da rede de esgotos e de saneamento básico, na luta pela exigência de serviços públicos de saúde, escolas, entre outros. Na criação de creches, centros de dia para idosos, melhoria dos caminhos, criação de parques infantis e zonas verdes. 

Assumiu grande importância a criação de um poder de proximidade, intimamente ligado à participação popular e resposta às necessidades das comunidades – o poder local democrático, plural, colegial e participado - iniciado logo após a Revolução com a substituição das estruturas do fascismo pelas Comissões Administrativas para gerir as autarquias até à realização das primeiras eleições autárquicas a 12 de Dezembro de 1976. 

Ainda em 1975, pela primeira vez, foi consagrada a transferência de verbas destinadas às autarquias locais – poder local democrático que a Constituição veio a consagrar como poder autónomo relativamente ao poder central. 

Na justiça destaca-se a extinção dos tribunais plenários que julgaram e condenaram muitos antifascistas por razões políticas e sem direito a defesa; a reintegração dos servidores do Estado destituídos por motivos políticos; a igualdade de direitos no acesso a cargos do Ministério da Justiça até então vedados às mulheres;  a alteração do Código de Processo Penal, estabelecendo a igualdade de direitos entre cônjuges, direito ao divórcio nos casamentos católicos; lançados os princípios de separação de poderes e de organização independente do poder judicial; o respeito pela liberdades e direitos dos cidadãos e lançadas as bases de promoção do acesso de todos à justiça. 

A Assembleia Constituinte aprovou a 2 de Abril 1976 a Constituição da República Portuguesa, consagrando as grandes conquistas democráticas que tiveram lugar no processo revolucionário, nomeadamente o vasto leque de direitos fundamentais: direitos económicos, sociais e culturais: direito ao trabalho, à segurança social, à saúde, à habitação, ao ambiente e qualidade de vida, à educação,  o reconhecimento do igualdade entre mulheres e homens, no trabalho, na família e na sociedade; a promoção dos direitos na  infância, na juventude, na deficiência e na terceira idade.  

Proclama-se a exigência de subordinação do poder económico ao poder político e a incumbência do Estado de dar prioridade às políticas económicas e de desenvolvimento que assegurem o aumento do bem-estar social, a qualidade de vida, a justiça social e a coesão económica e social de todo o território nacional. 

No plano do desenvolvimento económico e social do País a opção da Constituição é muito clara. Acolhem-se como princípios constitucionais a propriedade pública dos recursos naturais e de meios de produção, de acordo com o interesse colectivo; o planeamento democrático; a participação das organizações representativas dos trabalhadores na definição das medidas económicas e sociais.  Nela se encontram os princípios de uma organização económica baseados numa economia mista, em que coexiste o sector público, privado e cooperativo e social dos meios de produção, não monopolista nem latifundista.

No plano da organização do poder político destaca-se a separação e interdependência dos diversos órgãos de soberania, a independência dos tribunais; a consagração do Estatuto próprio das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira; a consagração das autarquias locais, como parte da organização democrática do Estado.

No que concerne à política externa ficou consagrado que Portugal se rege nas relações internacionais pelos princípios da independência nacional, dos direitos dos povos à autodeterminação e à independência, da igualdade entre Estados, da solução pacífica dos conflitos internacionais, da não ingerência nos assuntos internos dos outros países, da cooperação com todos os povos. 

Nela é consagrada a abolição do imperialismo, do colonialismo e de quaisquer outras formas de agressão, domínio e exploração nas relações entre os povos, bem como o desarmamento geral, simultâneo e controlado, a dissolução dos blocos militares e um sistema de segurança colectiva.

A Constituição da República  consagrou  as  conquistas democráticas alcançadas, apontando como perspectiva a construção de uma sociedade socialista. A legitimidade constitucional da lei fundamental aprovada em 1976 constituiu em si mesma uma importante conquista de Abril. 

As conquistas de Abril e o processo revolucionário tiveram desde sempre os seus inimigos e detractores ao serviço da contra-revolução e dos grandes interesses, suportes do regime fascista e contra os quais se fez a Revolução. A alteração da correlação de forças resultante do golpe contra-revolucionário do 25 de Novembro de 1975 vai abrir as portas à ofensiva contra-revolucionária.  

Apesar da política de direita das últimas décadas realizada pelo PS, PSD e CDS e  das revisões constitucionais que promoveram, bem como a que é agora protagonizada pelas forças do actual governo e seus sucedâneos Chega e IL, forças que visam em conjunto levar mais longe a sua destruição, tal ofensica não lhe retira valor histórico, assim como   a luta  pela sua concretizaçao se projecta para o futuro de Portugal.

O PCP, ontem como hoje, assume-se como força de Abril com a coragem de sempre, a mesma que teve na luta antifascista com a sua participação empenhada no processo revolucionário e ao longo dos 50 anos de Abril na exigência de ruptura com a política de direita e construção de soluções assentes numa política patriótica e de esquerda, para assegurar o desenvolvimento e progresso do País.  

Viva Abril!
Vivam os trabalhadores e o povo!
Viva o PCP! 

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