Intervenção de Paulo Raimundo, Secretário-Geral do PCP, Sessão Pública Apresentação das grandes opções do conceito estratégico de defesa nacional

Apresentação das grandes opções do conceito estratégico de defesa nacional

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O PCP, ao apresentar este projecto de Grandes Opções do Conceito Estratégico de Defesa Nacional, assume as suas responsabilidades perante a necessidade de um amplo debate nacional face ao quadro de profundas alterações geopolíticas, económicas, sociais e culturais no mundo e no País, que obrigam à reflexão sobre novos e velhos problemas. 

Por outro lado, queremos também reafirmar que o País tem interesses próprios a defender.

Este é um elemento óbvio e estrutural e que deve ser determinante em toda a estrutura e filosofia das opções de fundo a tomar. É importante definir estes princípios numa altura em que alguns comportamentos, incluindo por parte de órgãos de soberania, parece que não só os desprezam como apontam em sentido contrário. 

Um novo Conceito Estratégico de Defesa Nacional deve projectar as garantias de uma estratégia assente no primado da defesa dos interesses nacionais. 

Esta é uma questão decisiva e central e que deve ser colocada de forma muito clara, num momento em que alguns consideram que o que deve condicionar e determinar de forma estratégica a defesa nacional, são os interesses e compromissos externos.

Conhecemos a prática de anos com o que significou esta opção errada, condicionada e submissa face a interesses supranacionais e afastada das realidades e necessidades do País.

Uma opção errada, adoptada ao longo dos anos pelos sucessivos Governos, com os resultados que a situação nacional exibe nos planos económico, financeiro, social e militar.

Neste quadro, a política de Defesa Nacional surge cada vez mais espartilhada por compromissos externos, nomeadamente pelas opções políticas de militarização da União Europeia e determinada pelo novo Conceito Estratégico da NATO. O que está em causa é a independência e soberania nacionais e o papel que Portugal deveria desempenhar, em todas as situações, no processo de desarmamento e no reforço dos mecanismos internacionais de segurança colectiva.

Aliás, a guerra da Ucrânia é mais um exemplo disso mesmo. 

No confronto entre a NATO e o auto-intitulado Ocidente alargado e a Federação Russa, os Estados Unidos da América são como sempre a voz de comando, determinam em função dos seus próprios interesses, assumindo uma posição central e de cariz neocolonial, perante uma Europa sem estratégia, sem voz activa e completamente dependente.

Noutro plano, ainda que inserido neste caminho e estratégia, verifica-se a crescente dependência, vulnerabilidade e destruição progressiva do tecido produtivo nacional, a política de privatizações incluindo de sectores e empresa estratégicas.

Uma situação agravada pela não adopção de medidas concretas no que respeita à promoção da cultura e da língua portuguesas, ou ao distanciamento crescente entre a situação dos trabalhadores portugueses e os de outros países da União Europeia, elementos, entre outros, que comprometem o desenvolvimento de Portugal e a sua afirmação enquanto País soberano.

A propósito dos sectores e empresas estratégicas privatizados, seja nas áreas da banca, energia, telecomunicações ou outras, nestes primeiros meses do ano assistimos ao desenrolar do rol dos seus colossais aumentos de lucros em 2022, qualquer coisa como 11 milhões de euros de lucros por dia, enquanto a imensa maioria dos trabalhadores, das populações e cada um de nós nos confrontamos com o aumento brutal dos bens essenciais, designadamente alimentares, mas também dos combustíveis e da habitação e com a degradação dos serviços públicos, em particular na saúde e na educação. 

A pandemia a que estivemos também sujeitos fez emergir, com maior nitidez, e tornou evidente a realidade do País e os seus profundos défices estruturais.

Ficaram muito claros os riscos do País face às dependências estratégicas e aos défices estruturais, para as quais vimos alertando há muitos anos, nomeadamente na soberania alimentar, energética e na produção de bens e equipamentos. 

No que respeita, por exemplo, à soberania alimentar, a nossa dependência, para lá do risco alimentar, constitui um grave problema de segurança nacional. 

O nosso País tem uma dependência externa alarmante. Uma dependência que deve e tem de ser enfrentada, desde logo pelo aumento e diversificação da produção nacional. Este é um objectivo programático, uma condição de desenvolvimento e uma afirmação de soberania, que o PCP desde há muito persegue. 

O PCP defende que, no quadro da Constituição da República, as Grandes Opções do Conceito Estratégico de Defesa Nacional devem configurar uma estratégia global do Estado de matriz soberana que, nomeadamente, reforce a coesão e a solidariedade, dinamize um sector empresarial do Estado forte e sustentado em empresas e sectores estratégicos, promova a defesa dos sectores produtivos e da produção nacional, assuma a vontade popular de uma maior justiça social, da defesa e valorização das funções sociais do Estado e dos serviços públicos, de combate à corrupção e à criminalidade económico-financeira e de um maior empenhamento cultural.

Um caminho, um projecto, que não dispensam, pelo contrário, colocam como condição a valorização do  trabalho, dos trabalhadores e dos seus direitos, com a criação de postos de trabalho, combatendo o desemprego e a precariedade e promovendo o aumento dos salários e uma justa distribuição da riqueza.
Uma estratégia que privilegie a paz e a cooperação com todos os povos, a solução negociada de conflitos, o respeito pelos princípios da Carta da ONU e pelo direito internacional, num quadro em que Portugal se empenhe, de forma coesa e eficaz, na defesa da sua soberania e independência nacionais.

Uma estratégia de promoção de paz, tal como a Constituição da Republica prevê e que urge ser implementada. O País, os seus recursos e meios, as suas Forças Armadas não podem continuar amarradas aos interesses dos grandes grupos económicos, esses sim, os únicos que ganham com a guerra e com o seu prolongamento.

Somos um País com vastas potencialidades que, no entanto, carecem de ser desenvolvidas e devidamente aproveitadas, de forma a poderem gerar, através de uma mudança de políticas, uma base credível de desenvolvimento integrado. 

Nesse sentido, precisamos de romper com as dependências externas, reduzir os défices estruturais e assegurar um desenvolvimento soberano, exigir a renegociação da dívida pública e a recuperação dos instrumentos centrais de um Estado soberano, nomeadamente no plano monetário, orçamental e cambial.

Portugal, para além de condicionalismos territoriais e populacionais, tem também vulnerabilidades, umas naturais e outras resultantes de opções políticas, cujas consequências se reflectem na dependência energética, no défice de produção de bens essenciais, no atraso económico e social e na crescente influência do capital estrangeiro, entre outros aspectos.

Daí que, num mundo em que aumentam as interdependências, se coloque ao nosso País a exigência de desenvolver uma estratégia permanente e coerente de reforço das suas potencialidades.

Neste quadro, coloca-se ao Estado a necessidade de estar ao serviço do povo, para que, por um lado, efective o direito à liberdade, à segurança, assegure o direito à saúde, à educação, à cultura e ao desenvolvimento científico e tecnológico; por outro, promova uma governação rigorosa, com serviços públicos eficientes, uma política fiscal justa e eficaz e contas públicas controladas.

Em relação à política de Defesa Nacional, para além da exigência de um pensamento e doutrina próprios, com base nos valores e princípios constitucionais, necessitamos de umas Forças Armadas que garantam a integridade territorial, assegurem eficazmente a fiscalização dos espaços interterritoriais e contribuam para o reforço da vontade colectiva de defesa. 

Umas Forças Armadas, cujas políticas de reequipamento militar devem ter como prioridade a resposta às necessidades nacionais e não à satisfação dos requisitos de empenhamento externo, nomeadamente os que resultam de uma continuada política de subordinação aos interesses dos EUA, da NATO e do projecto militarista da UE, designadamente através da adesão a estruturas como a Cooperação Estruturada Permanente ou a Iniciativa Europeia de Intervenção. 

Portugal não deve permitir que outros o substituam no exercício dos seus direitos de soberania consagrados na Constituição da República, mesmo que sejam países aliados.

A proposta de Grandes Opções que hoje apresentamos, não sendo um documento fechado, representa também um desafio para uma reflexão mais abrangente. 

Nesse sentido, o PCP, consciente dos desafios que estão colocados ao País, renova o seu firme compromisso de, com todos os democratas e patriotas, prosseguir a sua intervenção por um Portugal de progresso e pela salvaguarda e afirmação da soberania e independência nacionais.

Um compromisso que não dispensamos e para o qual apelamos a que muitos outros se associem.

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