Grandes Opções do Conceito Estratégico de Defesa Nacional

1. Justificativo

Da aprovação do actual Conceito Estratégico de Defesa Nacional (CEDN), há cerca de dez anos, até aos dias de hoje, diversos e significativos acontecimentos, com destaque para o eclodir da guerra na Ucrânia, e alterações geopolíticas, económicas, sociais e culturais no mundo e no País obrigam a reflexão e respostas a novos e velhos problemas.

Aconteceu a crise económica e financeira desencadeada em 2007/2008 e, quando esta ainda não estava completamente superada, o mundo viu-se confrontado pela pandemia COVID 19 e o consequente agravamento de problemas sanitários, económicos e sociais de dimensão inaudita. A pandemia fez emergir, com particular acuidade, os riscos do País face às dependências estratégicas e défices estruturais, nomeadamente na soberania energética, alimentar e na produção de bens e equipamentos farmacêuticos e médicos. 

Produziram-se, na sequência da crise de 2007/2008, alterações qualitativas no enquadramento institucional do País na União Europeia (UE) que restringiram e reduziram a autonomia estratégica do Estado português. Tal situação, somada a erradas opções, nomeadamente a privatização de sectores e empresa estratégicas como a EDP e a REN, acentuou défices estruturais e vulnerabilidades do País, com reforço de cadeias de dependência nacional de países terceiros, particularmente no âmbito da UE. Por outro lado, o País vê acentuar-se a tendência de desvirtuamento dos princípios constitucionais da Defesa Nacional e da missão das Forças Armadas.

Um novo CEDN deve projectar as garantias de uma estratégia assente no primado da defesa dos interesses nacionais. Não podem ser as dinâmicas e os interesses externos a determinar a condução política e a definição dos objectivos nacionais. No entanto, essa condução tem sido, ao longo dos últimos anos, adoptada pelos sucessivos governos, com os resultados que a situação nacional exibe nos planos económico, financeiro, social, político e militar.

É do CEDN que decorre também a definição do Conceito Estratégico Militar, do qual, por sua vez, dependem a definição da missão genérica e das missões específicas das Forças Armadas, bem como a definição dos sistemas de forças e dispositivo, nomeadamente através das leis de Programação e das Infraestruturas militares.

Este quadro confirma a consideração do PCP de que o CEDN em vigor é inadequado face às necessidades nacionais.

2. A Constituição da República (CRP) como matriz central e imperativa do CEDN

A CRP é a lei matriz do ordenamento jurídico do Estado Português, que consagra os princípios e os interesses gerais que permitem enquadrar a Defesa Nacional.

No Artigo 9º da CRP são definidas as tarefas fundamentais do Estado:

“a) Garantir a independência nacional e criar as condições políticas, económicas, sociais e culturais que a promovam;

b) Garantir os direitos e liberdades fundamentais e o respeito pelos princípios do Estado de direito democrático;

c) Defender a democracia política, assegurar e incentivar a participação democrática dos cidadãos na resolução dos problemas nacionais;

d) Promover o bem-estar e a qualidade de vida do povo e a igualdade real entre os portugueses, bem como a efectivação dos direitos económicos, sociais, culturais e ambientais, mediante a transformação e modernização das estruturas económicas e sociais;

e) Proteger e valorizar o património cultural do povo português, defender a natureza e o ambiente, preservar os recursos naturais e assegurar um correcto ordenamento do território;

f) Assegurar o ensino e a valorização permanente, defender o uso e promover a difusão internacional da língua portuguesa;

g) Promover o desenvolvimento harmonioso de todo o território nacional, tendo em conta, designadamente, o carácter ultraperiférico dos arquipélagos dos Açores e da Madeira;

h) Promover a igualdade entre homens e mulheres.”

No Artigo 7º da CRP encontram-se também definidos os princípios orientadores das relações internacionais:

1. Portugal rege-se nas relações internacionais pelos princípios da independência nacional, do respeito dos direitos do homem, dos direitos dos povos, da igualdade entre os Estados, da solução pacífica dos conflitos internacionais, da não ingerência nos assuntos internos dos outros Estados e da cooperação com todos os outros povos para a emancipação e progresso da humanidade.

2. Portugal preconiza a abolição do imperialismo, do colonialismo e de quaisquer formas de agressão, domínio e exploração nas relações entre os povos, bem como o desarmamento geral, simultâneo e controlado, a dissolução dos blocos político-militares e o estabelecimento de um sistema de segurança colectiva, com vista à criação de uma ordem internacional capaz de assegurar a paz e a justiça nas relações entre os povos.

3. Portugal reconhece o direito dos povos à autodeterminação e independência e ao desenvolvimento, bem como à insurreição contra todas as formas de opressão.

4. Portugal mantém laços privilegiados de amizade e cooperação com todos os países de língua portuguesa.

5. Portugal empenha-se no reforço da identidade europeia e no fortalecimento da acção dos Estados europeus a favor da democracia, da paz, do progresso económico e da justiça nas relações entre os povos.

6. Portugal pode, em condições de reciprocidade, com respeito pelo princípio da subsidiariedade e tendo em vista a realização da coesão económica e social, convencionar o exercício em comum dos poderes necessários à construção da União Europeia.

7. Portugal pode, tendo em vista a realização de uma justiça internacional que promova o respeito pelos direitos da pessoa humana e dos povos, aceitar a jurisdição do Tribunal Penal Internacional, nas condições de complementaridade e demais termos estabelecidos no Estatuto de Roma.”

Os objectivos permanentes de Defesa Nacional inserem-se nas tarefas fundamentais ou interesses gerais do Estado, definidos no Artigo 9º, com especificação constitucional no Artigo 273º da CRP:

“1. É obrigação do Estado assegurar a Defesa Nacional.

2. A defesa nacional tem por objectivos garantir, no respeito da ordem constitucional, das instituições democráticas e das convenções internacionais, a independência nacional, a integridade do território e a liberdade e a segurança das populações contra qualquer agressão ou ameaças externas.”

E no Artigo 275º:

“1. Às Forças Armadas incumbe a defesa militar da República.”

A Constituição abriga um conceito global de defesa nacional que integra vários factores: demográfico, físico-geográfico, político-diplomático, económico-financeiro, social, cultural, psicológico e militar. O que significa a recusa de orientações para um fortalecimento desmedido de forças militares próprias, ou posições seguidistas e de empenhamento desproporcionado na doutrina e nas acções das alianças militares ou políticas comunitárias, que subalternizem e condicionem estratégias estabelecidas para responder a outros factores e possam pôr em causa a própria independência nacional.

A Lei de Defesa Nacional, no seu artigo 24º, determina as missões das Forças Armadas e deixa clara a distinção constitucionalmente estabelecida entre estas e as de Polícia, designadamente as das Forças de Segurança, conforme o número 2 do referido artigo, quando define que “as Forças Armadas podem ser empregues, nos termos da Constituição e da lei, quando se verifique o estado de sítio ou de emergência”.

3. Seis vectores da estratégia global do Estado que devem configurar as Grandes Opções do CEDN

As Grandes Opções do CEDN devem assegurar, para a conformidade com a CRP, seis vectores de uma estratégia global do Estado:

  • de matriz soberana, na abordagem dos interesses nacionais e valorização dos meios nacionais de os prosseguir, nomeadamente através do controle dos sectores económicos e financeiros estratégicos do Pais;
  • de coesão e solidariedade, alicerçado na vontade popular de uma maior justiça social, da defesa e valorização das funções sociais do Estado e dos serviços públicos, do combate à corrupção e à criminalidade económico-financeira e de um maior empenhamento cultural;
  • de progresso, que privilegia a afirmação de Portugal como uma nação em processo de desenvolvimento económico, com voz própria nos grandes processos estruturais, num Mundo em mudança marcado por um processo de rearrumação de forças à escala internacional.
  • de amizade, paz e cooperação com todos os povos, que privilegia a solução negociada de conflitos, o diálogo, a acção nas instâncias internacionais, o respeito pelos princípios da Carta da ONU e pelo direito internacional, a caminho da instauração de um novo relacionamento político planetário;
  • de uma nação empenhada na defesa, de forma coesa e eficaz, da sua soberania e independência nacionais perante qualquer ameaça e agressão externas;
  • de participação do povo português, assente no empenhamento de todos os portugueses na defesa de Portugal.

4. Grandes Opções do CEDN 

Dos princípios, interesses e objectivos gerais referidos, e tendo em conta a situação nacional e internacional, decorrem as políticas necessárias e prioritárias da estratégia de defesa nacional, a inscrever no CEDN.

4.1 – Política externa e alianças que garantam a segurança externa

A nível mundial, a par do contínuo alargamento da NATO para o Leste da Europa e dos conflitos daí decorrentes, em particular a guerra na Ucrânia, e no âmbito de um complexo processo de arrumação de forças e com o declínio relativo da influência mundial dos EUA, sublinham-se os avanços técnico-científicos e sociais e a afirmação da China, bem como o papel de Estados como a Índia e a Rússia, ou ainda o peso, no plano regional, da África do Sul, da República da Coreia, do Brasil, do Irão, do Japão ou da Turquia.

Os EUA, com o apoio directo ou indirecto dos seus aliados, persistem na tentativa de obstaculizar ou impedir o exercício da soberania e da independência dos Estados e de limitar o direito dos povos a decidir o seu destino. Na prossecução destes objectivos adquirem um papel central várias instituições e organizações internacionais, designadamente o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial, o G7, a União Europeia e, noutro plano, a Comissão Trilateral, o Fórum de Davos ou as conferências de Bildelberg. Portugal tem interesse em privilegiar e angariar aliados na intervenção político-diplomática visando garantir a sua segurança externa. Nesse sentido, deve empenhar-se, em articulação com outros países, na solução dos conflitos internacionais por via pacífica, procurando potenciar cada espaço de acção bilateral e multilateral para promover uma nova cultura de paz baseada em critérios de liberdade, soberania, igualdade de direitos e respeito mútuo.

Como prioridade no quadro político-diplomático, Portugal deve desenvolver relações internacionais diversificadas, pautadas pelos princípios da cooperação, da reciprocidade de vantagens e não ingerência. Deve também ser particularmente expedito no aproveitamento da potencialidade que constitui a sua particularidade histórica, geográfica e a projecção internacional que, entretanto, adquiriu.

Portugal, tal como define a Constituição da República, deve contribuir para a superação da lógica dos blocos político-militares. Neste quadro, deve garantir a defesa da soberania e independência nacional nos processos no âmbito da UE, não aceitando a participação num bloco político-militar europeu ou em qualquer outra forma de tentar transformar a UE numa potência militar, expansionista ou punitiva. Não constitui necessidade, nem é do interesse de Portugal, uma integração militar sob a égide das grandes potências europeias, subordinada ou não aos EUA. Pelo contrário, o rumo a seguir deverá ser o reforço da ONU e a disponibilização de apoios ao Conselho de Segurança, quando for discutida, aprovada e solicitada a colaboração portuguesa em acções de paz e de natureza humanitária.

Noutro plano, deverá estimular a participação nos esforços conducentes à criação de sistemas de segurança colectiva e de cooperação regionais, sob a égide da ONU, no quadro do cumprimento dos princípios da sua Carta. Deve ser efectivamente prosseguida a valorização do combate a diversas formas de terrorismo (incluindo o terrorismo de Estado), à disrupção do funcionamento das infraestruturas críticas (energia, comunicações, transportes, saúde) com ou sem recurso ao ciberespaço e ao espectro radioelétrico, ao tráfico de seres humanos, ao fomento da imigração irregular que afecta profundamente os que dela são vitimas, ao narcotráfico, ao genocídio, aos atentados, sistemáticos e comprovados, dos direitos humanos, à rapina de riquezas, à desestabilização ou interferência na vida interna de outros povos ou à livre escolha do sistema político em que desejem viver.

As relações com os Países de Língua Oficial Portuguesa devem ser fortemente estimuladas e desenvolvidas, com as relações de cooperação e amizade a privilegiarem as áreas ligadas ao desenvolvimento económico e social, à cultura e à defesa da língua comum.

4.2 – Políticas para a integração comunitária que assegurem os interesses estratégicos do País 

A segunda ordem de prioridades liga-se à integração europeia e à necessidade de Portugal estimular de forma muito activa os factores de coesão e identificação nacional. Portugal deve reforçar a sua identidade cultural e a presença da sua cultura e língua no mundo, diversificar as suas relações internacionais externas e em robustecer a coesão do povo português, o que implica privilegiar as políticas de bem-estar, justiça e desenvolvimento harmonioso, incluindo a componente regional. Mas também em assegurar o controle dos sectores económicos e financeiros estratégicos do Pais, em garantir a formação das reservas estratégicas necessárias e contrariar uma política externa de defesa em que o País seja subalternizado ou atrelado a iniciativas contrárias aos seus princípios constitucionais. Para isso, é necessário traçar um caminho para o relacionamento na Europa entre Estados soberanos e iguais em direitos, assente no respeito pela democracia, pelo progresso e coesão económica e social, na defesa do meio ambiente, da paz, da cooperação e da solidariedade.

Na base destes princípios, colocam-se como prioridades para Portugal face à União Europeia:

  • a reconsideração do enquadramento institucional da União Europeia, nomeadamente por via de esforços concertados com outros Estados, visando a convocação de uma conferência intergovernamental para a revisão dos Tratados. 
  • a defesa e promoção dos direitos sociais e laborais como factores centrais da cooperação na Europa. A adopção de um Pacto de Progresso Social e pelo Emprego com objectivos concretos e mensuráveis que substituía políticas e estratégias como a Estratégia UE2030 ou o denominado “pilar social europeu”;
  • a renegociação das dívidas públicas, no sentido de estabelecer encargos com o serviço da dívida compatíveis com o desenvolvimento económico e social de cada país;
  • a revogação da União Bancária e a rejeição das imposições da Governação Económica, do processo do Semestre Europeu e do Pacto de Estabilidade, e da instituição de “impostos europeus”; a rejeição do aprofundamento da União Económica e Monetária e a adopção de medidas com vista à sua dissolução;
  • a rejeição do aprofundamento do mercado único, nomeadamente o mercado único digital ou o mercado único de capitais, e das políticas visando a privatização e concentração de sectores estratégicos como o sistema financeiro, os transportes aéreos e ferroviários, a energia ou os serviços públicos;
  • a defesa de uma profunda revisão da Política Agrícola Comum, da Política Comum de Pescas, da Política de Comércio Externo e da política industrial da UE, e a adopção de um programa de adesão voluntária que vise a correcção de défices produtivos, designadamente nos planos agro-alimentar, energético e tecnológicos;
  • a defesa da retirada da política comercial da esfera das competências exclusivas da União Europeia e a revogação ou abandono dos acordos de livre comércio firmados pela UE;
  • a defesa do reforço do orçamento comunitário, que resulte de contribuições dos Estados, tendo por base o respectivo Rendimento Nacional Bruto, e da sua função redistributiva;
  • a defesa do princípio da igualdade entre Estados, com o direito de veto em todas as questões consideradas de interesse fundamental para o desenvolvimento, a soberania e independência nacional, e a defesa da representação permanente de cada um dos Estados, em pé de igualdade e com direito de voto, na Comissão Europeia;
  • a rejeição da militarização da União Europeia, da Política Comum de Segurança e Defesa (PCSD), da Cooperação Estruturada Permanente (PESCO), do denominado “exército europeu” e da utilização dos meios financeiros da UE para o militarismo, a corrida armamentista e o intervencionismo.

4.3 – Políticas para responder a défices estruturais e vulnerabilidades estratégicas

Para romper com as dependências externas, reduzir os défices estruturais e assegurar um desenvolvimento soberano, exige-se, por um lado, a renegociação da dívida pública articulada com a intervenção com vista à necessária libertação do país da submissão ao euro, visando recuperar instrumentos centrais de um Estado soberano (monetário, orçamental e cambial). Por outro, a eliminação de condicionamentos visando o controlo público de sectores estratégicos como a banca e a energia. São prioridades:

  • um País desenvolvido e solidário, onde os trabalhadores e o povo encontrem plena resposta à realização dos seus direitos e aspirações. Criação de postos de trabalho, combate ao desemprego e à precariedade e aumento dos salários, para uma valorização do trabalho e dos trabalhadores e a melhoria do mercado interno. Uma mais justa distribuição da riqueza, com a elevação de rendimentos do trabalho, a defesa do emprego estável e com direitos, subida dos valores das reformas e pensões, a defesa do sistema público solidário e universal de Segurança Social, medidas pró-ativas para a estancar o declínio populacional e promover a superação do deficit demográfico e uma política fiscal justa.
  • a defesa dos sectores produtivos e da produção nacional e a afirmação da propriedade social e do papel do Estado na economia, com uma reindustrialização pelo desenvolvimento da indústria transformadora e extractiva, o desenvolvimento da agricultura e das pescas garantindo a soberania alimentar;
  • a afirmação de uma economia mista com um forte sector público e o apoio às explorações familiares, à pesca artesanal e costeira, às micro, pequenas e médias empresas e ao sector cooperativo, o que exige um incremento substantivo dos investimentos público e privado, uma profunda alteração na gestão dos fundos comunitários e nas políticas de formação, investigação e desenvolvimento tecnológico (I&DT), crédito, energia e comércio externo. Mas também a reversão das privatizações e a recuperação para o sector público dos sectores básicos e estratégicos, constituindo um Sector Empresarial do Estado forte e dinâmico, e a definição de uma estratégia para a economia digital no respeito pelo quadro constitucional.
  • um Estado ao serviço do povo, que efective o direito à liberdade, à segurança e aos direitos sociais, assegure o direito à saúde e educação e promova a cultura, por um lado, com uma administração e serviços públicos, eficientes, desburocratizados e ao serviço do país, com o reforço do Serviço Nacional de Saúde, a afirmação da Escola Pública, o desenvolvimento Cientifico e Tecnológico. Por outro, promovendo o acesso à cultura, a defesa do património, a valorização da língua e da cultura portuguesas, o apoio à livre criação e fruição artísticas, a democratização e promoção do acesso ao desporto. Isto é, um Estado com uma governação rigorosa, uma eficiente Administração Pública, uma política fiscal justa e eficaz, contas públicas controladas, o combate ao desperdício, uma dívida sustentável no médio e longo prazo e uma política orçamental com intervenção positiva nos ciclos económicos.
  • um país coeso e equilibrado, em defesa do interior e do mundo rural, assente na regionalização, no ordenamento do território e numa política ambiental que salvaguarde a natureza, com um maior equilíbrio territorial e coesão económica e social das regiões, uma estrutura administrativa descentralizada, valorizando o Poder Local e concretizando a regionalização. Mas também o aproveitamento racional dos recursos, o combate ao despovoamento e à desertificação, a preservação do meio ambiente e ecossistemas, e a protecção do património paisagístico natural e construído. Um quadro que exige criteriosas políticas de investimento com grande impacto no território, uma viragem nas políticas ambientais, um papel determinante do Estado nos sectores estratégicos, o respeito pela autonomia das regiões dos Açores e Madeira, pela autonomia das autarquias locais com o reforço da sua capacidade financeira, e o desenvolvimento das redes de infraestruturas e equipamentos públicos.

4.4 – Forças Armadas com capacidades militares autónomas, credíveis e dissuasoras

As Forças Armadas (FA), caracterizadas por um propósito eminentemente defensivo, devem garantir a integridade territorial do País e contribuir para o reforço da vontade colectiva de defesa contra qualquer ameaça ou agressão externas, no estrito cumprimento da Constituição da República. Devem possuir uma capacidade militar autónoma, credível e dissuasora, capaz de uma intervenção rápida em qualquer área do território nacional. Os três ramos, tendo em conta as suas especificidades, devem actuar de forma coordenada, complementar e racionalizar meios de forma a garantir a rentabilização do binómio custo/eficácia.

As FA devem assegurar eficazmente a fiscalização dos espaços interterritoriais.

Os compromissos militares que possam ser assumidos em organizações de segurança colectiva, deverão ser ponderados à luz do rigoroso respeito do direito internacional, contrariando o crescente envolvimento de Portugal em forças multinacionais fora do âmbito da ONU e em desrespeito pelo direito internacional. Em qualquer caso, esses compromissos não deverão exceder a prestação de facilidades e de apoio logístico-administrativo e, nos casos em que seja requerida e se considere a participação de forças portuguesas, deverá ser preservado o comando directo das mesmas e salvaguardada a participação nacional em forças conjuntas ou combinadas, eventualmente constituídas.

No âmbito dos acordos de cooperação militar com os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), as FA devem colaborar em todas as acções de apoio, integradas na política de cooperação, nomeadamente a formação, o treino e o apoio ao desenvolvimento da indústria de defesa.

As políticas de reequipamento militar devem responder a necessidades nacionais que não deveriam ser desguarnecidas e evitar a ruptura nessa capacidade de resposta. Não deverão ter como prioridade a satisfação dos requisitos de empenhamento externo, nomeadamente as que resultam de uma continuada política de subordinação aos interesses dos EUA, da NATO e ao projecto militarista da UE, designadamente através da adesão a estruturas como a Cooperação Estruturada Permanente ou a Iniciativa Europeia de Intervenção. 

É necessário identificar a necessidade de pessoal para satisfazer o seu emprego em cenários de empenhamento referidos no CEDN, a fim de possibilitar a elaboração de orientações credíveis que enfrentem a escassez de pessoal assim como as dificuldades de recrutamento para os regimes de voluntariado e contrato, a que acresce o abandono das fileiras por parte de militares do quadro permanente, fruto da degradação do vínculo da condição militar, do afunilamento das progressões na carreira e da estagnação dos vencimentos. Porém, tais dificuldades não devem obstar à manutenção de padrões exigentes de respeito pelos valores constitucionais. Por outro lado, face à erosão que se verifica nas Forças Armadas, nomeadamente na área de pessoal, deve ser bem ponderado o permanente envolvimento de militares em missões internacionais e a pretensão de os envolver na linha da frente em múltiplas tarefas para as quais não estão adequadamente preparados e apetrechados. 

5. Conclusão

Portugal tem vulnerabilidades naturais e outras resultantes de opções políticas, nomeadamente em relação à dependência energética, em bens essenciais, atraso económico e social e crescente influência do capital estrangeiro. Mas também condicionalismos territoriais e populacionais, resultantes, por um lado, de ser um país atlântico com uma vasta fronteira marítima e da exigência de defesa e protecção de pessoas e bens nos seus espaços marítimos terrestres, interiores, oceânicos de jurisdição e soberania assim como nos de responsabilidade assumida internacionalmente a que acrescem os respectivos ecossistemas e recursos. Por outro, do progressivo envelhecimento e redução (emigração e baixa natalidade) da população. 

Entretanto, as potencialidades (vastos, diferentes e variados espaços marítimos, situação estratégica global, dimensão populacional, condições democráticas, vontade nacional, condições para aumentar a produção de alimentos, larga comunidade linguística), carecendo de ser persistente e coerentemente desenvolvidas, podem vencer as vulnerabilidades e constituir – se devidamente aproveitadas, por mudança de políticas – uma base credível de desenvolvimento integrado.

Portugal não enfrenta, como certos países europeus, condicionalismos político-constitucionais, geográficos ou outros, que possam condicionar a sua independência para poder sobreviver como nação soberana.

Num mundo em que aumentam as interdependências, Portugal tem – e pode aumentar – a sua capacidade de intervenção, de autonomia, de estratégia e de decisão, excluída que seja qualquer forma obsoleta de nacionalismo. Mas carece de desenvolver uma estratégia permanente, esforçada e coerente de reforço das potencialidades, para eliminar cadeias de dependência externa, no quadro do primado de defesa dos interesses nacionais, de incremento das suas potencialidades e de redução das vulnerabilidades. 

Em relação ao ciberespaço, sublinhe-se que o desinvestimento nos serviços públicos atingiu também os sistemas de informação, aumentando a vulnerabilidade nacional ao nível do ciberespaço. Nesse sentido, importa que o investimento garanta as condições de o proteger, através das estratégias de defesa e segurança adequadas, e promova as necessárias sinergias entre as áreas civil e militar, com vista a uma eventual agregação numa entidade única, salvaguardando a informação relativa à investigação de natureza policial, criminal e ao segredo de justiça. 

Por fim, para além da exigência de um pensamento próprio sobre a componente militar da Defesa Nacional, sustentado nos valores e princípios constitucionais, é fundamental promover uma política que aprofunde a articulação entre o investimento em material e a dinamização do Sector Empresarial do Estado na área das indústrias de defesa, salvaguardando a reserva de soberania.

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As Grandes Opções que aqui se inscrevem apontam, no essencial, para eixos alternativos e para uma reflexão mais abrangente, desde logo porque na realidade nacional e/ou nas orientações políticas de há muito dominantes se espelham situações, factores e atitudes de grave dependência nacional no plano político, económico, militar, diplomático, cultural. Factores que assumem ainda maior acuidade face a tendências e fenómenos que ganham cada vez maior relevo.

Consciente dos desafios que estão colocados ao País, o PCP renova o seu firme compromisso de, com todos os democratas e patriotas, prosseguir a sua intervenção por um Portugal desenvolvido e de progresso e pela salvaguarda e afirmação da soberania e independência nacionais.