Projecto de Lei N.º 673/XIV/2.ª

Regime extraordinário de regulamentação do sector do gás de petróleo liquefeito de uso doméstico

Exposição de Motivos

O preço do gás, em particular do gás de botija, continua a ser um problema que afeta grande parte da população, e que põe em causa o conforto térmico, a qualidade de vida, a saúde e as condições económicas de milhares de famílias. Esta é uma situação que se agrava com a expansão do teletrabalho, com as medidas de confinamento, decorrentes da pandemia de COVID-19, que promoveram uma maior permanência em casa, agravando os custos com o aquecimento. Num Inverno que se tem revelado particularmente frio, a insuficiência de medidas que levem à redução do preço da energia pode originar graves consequências sociais e de saúde pública, sobretudo em populações mais desprotegidas.

Sabemos que, particularmente em zonas rurais e também nos grandes centros urbanos em zonas mais desfavorecidas, o uso do gás de botija continua a ser predominante.

O IVA continua a pesar sobre estes consumidores. Mesmo quando a eletricidade e o gás natural eram taxados à taxa mínima de 6%, o gás engarrafado continuava a ter uma taxa superior.

Mas se a fiscalidade pesa sobre estes consumos, a verdade é que não explica tudo. Não explica, por exemplo, o diferencial de preços registado entre Portugal e Espanha, no que diz respeito ao gás de botija. A taxa de ISP em Portugal e em Espanha são iguais; o IVA aplicado é de 23% em Portugal e de 21% em Espanha, mas o preço médio em Espanha é cerca de 17 euros, ao passo que em Portugal se situa nos 26 euros.

O mesmo se pode dizer sobre a diferença de preço, em Portugal, entre o Gás Natural e o GPL (canalizado ou em botija).

O relatório «Análise do Mercado de Propano e Butano engarrafado e sua aproximação aos preços do Gás Natural», publicado em 2014 pela extinta Entidade Nacional do Mercado dos Combustíveis (ENMC), ajuda a tirar conclusões sobre as causas para estas discrepâncias: a principal justificação «reside nas margens de distribuição e logística associada à botija e ao seu transporte».

Justifica-se ainda pela existência de uma estrutura oligopolista entre os comercializadores grossistas ditos «revendedores de 1.ª linha», constituída pela GALP, BP, REPSOL e OZ Energia, que têm (nas operações de produção, importação e comercialização grossista) uma margem de 27% do Preço de Venda ao Público.

O diferencial de preços entre Portugal, onde o preço não é regulado, e Espanha, onde o preço é regulado como em outros países da União Europeia, provoca uma intensa troca comercial (ilegal) nas zonas fronteiriças, com a compra pelos portugueses das botijas em Espanha. Assinale-se que alguns dos comercializadores são os mesmos de um e outro lado da fronteira, o que não os impede de praticar preços maiores em Portugal.

Acresce ainda que a ERSE, no Relatório de Análise do Mercado de Gases de Petróleo Liquefeito (GPL) Embalado 2018-2020, publicado a 31 de agosto de 2020, “identificou problemas estruturais ao nível do mercado de GPL engarrafado, assente em elevados níveis de concentração e em ganhos acumulados pelos operadores ao longo da cadeia de valor, tendo em conta a integração vertical que caracteriza este setor, bem como os demais vínculos empresariais”. Nesse relatório, a ERSE denuncia que os três maiores operadores - Galp, Rubis e Repsol - apresentarem preços alinhados, para certas tipologias de garrafas, traduzindo-se nas ofertas dos preços de venda ao público (PVP) mais elevados, tendo solicitado à Autoridade da Concorrência uma análise a este mercado.

Perante esta realidade, têm surgido várias medidas que não têm passado de “paliativos”. O sistema aprovado no Orçamento do Estado para 2018, de criação da «botija de gás social», para lá de outras considerações críticas – caso da fraca «capilaridade» da sua distribuição e concorrência desleal com pequenos distribuidores – não responde à questão das margens excessivas absorvidas até hoje pelas grandes empresas petrolíferas e aos problemas de preços no GPL canalizado.

Num momento em que a crise económica e social decorrente da pandemia da doença COVID-19 assola com particular severidade as populações mais carenciadas – que são, em muitos casos, as que usam esta fonte de energia – o PCP propõe que se faça este passo indispensável para combater a falta de condições de acesso à energia e ao conforto térmico. Aliás, o supracitado relatório da ERSE considera que as margens de comercialização são “particularmente altas e sem fatores estruturais que o justifiquem, no contexto de fragilidades socioeconómicas decorrentes do estado de emergência decretado".

As medidas, anunciadas pelo Governo, de estabelecimento de um preço máximo durante o período de confinamento são insuficientes. Mesmo com esse preço fixado, o preço da botija de gás continua a ser injustificadamente mais elevado em Portugal do que em Espanha.

Dando resposta à situação imediata, mas criando condições para uma solução de mais longo prazo, é preciso avançar com um regime de margens máximas, que tenha em conta os preços médios antes de imposto na Zona Euro, os preços finais ao consumidor em Espanha (garantindo um diferencial nunca superior a 5%).

Nestes termos, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os deputados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente Lei estabelece um regime de margens máximas na comercialização grossista e na distribuição do gás propano, butano e suas misturas, engarrafado ou canalizado, com vista à redução do seu preço.

Artigo 2.º

Regime de margens máximas na comercialização grossista e na distribuição do gás propano, butano e suas misturas, engarrafado ou canalizado

  1. É estabelecido um regime de margens máximas na comercialização grossista e na distribuição do gás propano, butano e suas misturas, engarrafado ou canalizado, com o propósito de reduzir o seu preço final ao consumidor;
  2. O regime previsto no número anterior é publicado pelo Governo em portaria, ouvida a Entidade Reguladora do Sector Energético (ERSE), no prazo de 10 dias após a entrada em vigor da presente Lei;
  3. O regime previsto no n.º 1 tem como referências:
    1. O objetivo de harmonizar os preços médios antes de impostos praticados em Portugal com os preços médios antes de impostos médios na Zona Euro;
    2. O objetivo de aproximar o preço final ao consumidor praticado em Portugal e em Espanha, assegurando uma variação não superior a 5%;
    3. O objetivo de harmonizar as margens de comercialização entre os mercados português e espanhol;

Artigo 3.º

Entrada em vigor

A presente Lei entra em vigor no dia seguinte à sua publicação

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