Intervenção de José Soeiro na Assembleia de República, Interpelação ao Governo centrada na transparência das políticas públicas

É necessário mais transparência, mais rigor e a isenção na gestão da coisa pública

Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados:

A importância da interpelação agendada (interpelação n.º 1/XI/1.ª) está expressa, bem expressa, nas afirmações de todos os grupos parlamentares de que a transparência, o rigor, a isenção devem estar sempre presentes na gestão dos bens públicos, património do nosso povo.

Estamos todos de acordo com os princípios, até porque estamos a falar de princípios constitucionais. O que o Grupo Parlamentar do PCP trouxe a esta Câmara com este agendamento não foi a importância da reafirmação destes valores e destes princípios. O que trouxe a debate nesta Câmara e que nos deve inquietar a todos os que queremos, de facto, afirmar Portugal como um Estado democrático e de direito são as práticas políticas que têm vindo a ser desenvolvidas e que vão corroendo, minando e subvertendo os valores e princípios que, na retórica, todos proclamamos defender.

Este é, Sr.as e Srs. Deputados, o problema de fundo e é preocupante que os exemplos concretos trazidos a esta Câmara, que podiam desmultiplicar-se em muitos outros, porque o que se fez aqui não foi mais do que trazer a ponta do iceberg da realidade em que vivemos, que devia preocupar-nos e levar-nos a tomar com outra atenção os casos concretos aqui referidos, não tenham sido desmentidos.

De facto, não foram desmentidos nenhuns dos casos que vieram a esta Câmara no que diz respeito ao secretismo dos negócios feitos entre o Governo português e multinacionais, com grandes grupos económicos e financeiros sem concurso, por ajustes directos, independentemente das formas encontradas para os fazer, seja lançando concurso internacionais, que depois se metem na gaveta, como aconteceu com o sector mineiro, como aconteceu com a entrega da energia à EDP, que aqui foram referidos, seja alterando o estatuto das empresas públicas, primeiro para EPE, depois para SA, dotando-as de novos poderes de gestão daquilo que é de todos, abrindo portas às subconcessões, através das quais se entrega património público em condições de total falta de transparência, de total falta de rigor, de total falta de isenção, que todos dizemos defender. É para este problema que exigimos resposta, porque ele está a minar a própria democracia.

Esta questão não pode ser atirada para o lado, como fez o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, que nos disse aqui que tudo é claro, tudo é transparente, tudo está na net, tudo está nos portais. Não é verdade, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares! Não é verdade, como foi aqui demonstrado no decorrer deste debate! Porque nós passámos cinco anos a pedir ao Sr. Ministro da Economia documentos de negócios que até este momento não chegaram a esta Câmara, pedidos não só por Deputados mas também por comissões e subcomissões desta Assembleia da República.

A pergunta que deixo, Sr. Ministro, é a de saber se isto é admissível, se isto se compagina com o Estado democrático e de direito que tanto proclamamos defender nos nossos discursos.

Para nós, isto não é aceitável e, como aqui foi dito, iremos continuar a lutar para que a verdade seja conhecida. Mas isto não quer dizer, como também aqui foi dito, que vemos fantasmas, que vemos corruptos por todo o lado. Não! Podemos estar apenas perante incompetência, perante governos incompetentes, que não sabem gerir o que é de todos, ao serviço de todos, mas competentes para servir daquilo que é de todos no interesse de alguns, muito poucos, cujas fortunas crescem escandalosa e impunemente no Estado democrático e de direito, que é Portugal.

Por isso, Sr.as e Srs. Deputados, para nós não deixam de ser inquietantes sinais que consideramos perigosos, como sejam, intervir ao nível da independência e da soberania da própria justiça. Não é deslocado falar-se, como se disse aqui, das pressões sobre procuradores que desenvolviam investigações, por muito incómodas que elas sejam para quem quer que seja.

Por isso, é nosso entendimento, Sr.as e Srs. Deputados, que é tempo de, enquanto representantes da Nação, assumirmos responsavelmente o respeito pelos princípios constitucionais, pela transparência, pelo rigor, pela isenção na gestão daquilo que é de todos os portugueses - o património público - e pormos cobro aos negócios obscuros, sem transparência e sem isenção a que temos assistido nos últimos anos. Esta é uma exigência pela qual iremos pugnar.

Foram anunciadas algumas propostas concretas que esperamos que possam vir a ser aprovadas, mas outras serão bem-vindas, desde que sejam no sentido de reforçar a democracia e, naturalmente, a transparência, o rigor e a isenção na gestão da coisa pública.

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