Intervenção de Vladimiro Vale, membro da Comissão Política do Comité Central, Encontro «Os comunistas e o movimento sindical – uma intervenção decisiva para a organização, unidade e luta dos trabalhadores»

O modo de produção capitalista e a questão ambiental

O modo de produção capitalista e a questão ambiental

Há uma expressão que está muitas vezes ausente dos discursos sobre ambiente. Essa expressão é luta de classes. O PCP tem vindo a contribuir para que essa expressão esteja associada à luta por um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado. A ofensiva ideológica tem sido brutal nesta área, procurando afirmar a ideia de que estas questões estão acima da política, acima da luta de classes.

Tudo é feito para esconder que a forma como o capital se apropria da Natureza leva à incompatibilidade do modo de produção capitalista com a promoção do equilíbrio ambiental. Que os mecanismos que exploram os trabalhadores, são também responsáveis pela predação da natureza.

Os problemas ambientais são reais e graves, mas só uma transformação profunda do modo de produção capitalista pode garantir condições para a promoção do equilíbrio ambiental.

Na discussão dos problemas ambientais passou a usar-se o jargão “Eu acredito na ciência”, mais como frase decorativa de t-shirts, menos como salvaguarda dos princípios que guiam a ciência. Como disse Batata Moura “A ciência não é uma garantia, é exigência de um processo sério e materialmente fundado”. Nesta área, como noutras, a simplificação conduz à falta de rigor e favorece a demagogia e o clima de alarmismo. Existe quem se aproveite do discurso catastrofista para a promoção de um falso conflito entre gerações, procurando criar aceitação (ao nível de massas) de que os problemas ambientais se resolvem exclusivamente com recurso à tecnologia, a mecanismos financeiros e especulativos, à taxação dos comportamentos individuais, a mercados e consumo verdes, sem contestar as responsabilidades do modo de produção capitalista. É necessário combater a transformação de um suposto discurso ambiental, numa arma para fomentar a aceitação do aumento de exploração à escala de massas.

Não existem tecnologias "verdes" à partida. Empregos ou consumos "verdes" à partida. Tecnologias e produtos serão "verdes" dependendo do modo como são produzidas, geridas e exploradas e do objectivo imediato que prosseguem. O capitalismo não é, nem será, verde!

A mais verde das tecnologias e até as indústrias de reciclagem e de gestão de resíduos, numa lógica da obtenção de lucro, em vez de contribuir para a reestruturação fundamental da produção no sentido da sustentabilidade ecológica, serve para criar novos veículos de acumulação de valor, através de novos gastos de energia e de materiais e assim transformando-se numa parte constitutiva do problema. O capitalista individual não consegue olhar para lá do seu objectivo mais próximo - o lucro. Foi a gestão centrada no lucro que conduziu Portugal a importar 2,2 milhões de toneladas de lixo, mais 53% do que em 2017, incluindo 331 mil toneladas de resíduos perigosos. A mercantilização da gestão de resíduos, não resolveu, agravou. Daí decorre que a luta pela gestão pública dos resíduos, contra a privatização da EGF, tem sido uma luta de defesa dos trabalhadores e das suas condições de trabalho, mas defendendo os trabalhadores está a criar condições para defender o equilíbrio ambiental.

A alteração da natureza da EDP, alterou o seu objectivo imediato. O que era uma empresa de produção energética passou a ser uma empresa de produção de lucros. A recente venda de barragens desta empresa confirmou isso mesmo. A principal empresa no abastecimento de eletricidade do País e através da sua rede de barragens a principal infraestrutura no armazenamento de água doce do país abdicou do que deveria ser o seu objectivo primeiro, fragilizando a soberania nacional, a sua capacidade produtiva e desarticulando a gestão comum da água da única rede de grandes barragens do país, com a sua entrega a uma empresa francesa.

O caminho que se abriu com anos de política de direita, fragilizou as estruturas públicas de gestão ambiental. Perderam trabalhadores, meios e competências, no sector da água foram afastadas da gestão das albufeiras, todas concessionadas a entidades privadas ou de direito privado a quem se delegou competências de administração. A fragilização das estruturas públicas na área ambiental associada e fomentada por uma gestão concentrada na obtenção de lucro têm como consequências ambientais, nas barragens, os recorrentes sinais de desequilíbrio ambiental dos rios e a perda de qualidade da água.

A luta pelo controlo público dos sectores estratégicos torna-se assim uma luta fundamental para criar as condições para que o país possa desenvolver uma política de promoção do equilíbrio ambiental. Mas também a luta por meios do Estado, torna-se uma reivindicação ambiental.

O anúncio do fecho das centrais a carvão, com amplo tratamento mediático, não esclareceu as previsíveis consequências em termos de soberania energética, nem avançou com explicações sobre as consequências no sistema electroprodutor nacional, por absurdo (ou não), sem estes esclarecimentos, este encerramento pode conduzir ao aumento da importação de energia gerada em centrais a carvão de outros países europeus. Nem tão pouco avança com a avaliação do impacto ambiental que significará o desmantelamento dos equipamentos instalados, nem muito menos com as consequências para os trabalhadores afectados.

Está cada vez mais claro que o que está por trás da tentativa deste encerramento, tal como da refinaria da GALP em Leça da Palmeira, não são preocupações ambientais, mas sim uma estratégia de redução da capacidade produtiva da UE para manter taxas de lucro e favorecer estratégias monopolistas. A etiqueta «ambiente» tem servido para que a operação de encerramento da refinaria seja financiada com fundos públicos, com o Estado a assumir os custos da GALP com esta sua decisão, nomeadamente as indemnizações aos trabalhadores e a recuperação dos solos da refinaria.

Os sucessivos Governos têm vindo a apostar nos chamados instrumentos de mercado na área ambiental. As licenças de emissão de CO2 são apelidadas de «instrumento principal», passando por cima da evidência de que estes mecanismos já demonstraram que não resolvem o problema, tiveram efeitos contrários aos anunciados no plano da UE e apenas criam mecanismos especulativos desenhados para acumular dinheiro nas mãos dos grupos que têm responsabilidades na degradação ambiental.

Na mesma linha está o que os centros do capital chamam de Fiscalidade "Verde" que, como sabemos, o adjectivo verde esconde a penalização das camadas laboriosas, passando o ónus da degradação ambiental do modo de produção capitalista para todos e cada um dos trabalhadores e para os seus comportamentos individuais. A financeirização do ambiente tem encontrado expressão na aposta na «transformação da Instituição Financeira de Desenvolvimento SA num Banco Verde» e na criação de «produtos financeiros», nas palavras do Governo «atractivos a cidadãos para a aplicação das suas poupanças» e também as Obrigações Verdes (Green Bonds). Ou seja, claramente aposta na financeirização do ambiente, querendo aplicar o capitalismo à Natureza, apresentando-o como sistema natural e expondo as políticas ambientais e a sociedade aos mecanismos que têm conduzido a bolhas especulativas e a crises financeiras que têm resultado em efeitos nefastos do ponto de vista económico e social.

A curto prazo é fundamental lutar pelo reforço dos meios do Estado para desenvolver uma verdadeira política de defesa do equilíbrio da Natureza. Pela diminuição da dependência dos combustíveis fósseis com a promoção de alternativas energéticas de domínio público. Pela promoção do transporte público em detrimento de soluções que apontam para manter o paradigma do transporte individual. Pela redução de emissões com um normativo específico, e não com atribuição de licenças transaccionáveis que potenciam a especulação e não resolvem o problema. Pelo combate à pressão para a mercantilização da água. Pela defesa da produção local, contrariando a liberalização do comércio mundial e pela Paz entre os povos.

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