Intervenção de Rui Galveias, Encontro «Os comunistas e o movimento sindical – uma intervenção decisiva para a organização, unidade e luta dos trabalhadores»

A luta dos trabalhadores da cultura pelo trabalho com direitos

A luta dos trabalhadores da cultura pelo trabalho com direitos

No início do ano de 2020 o chamado sector da Cultura estava longe de se imaginar na situação em que se encontra hoje.

A grande maioria das companhias de Teatro, de Dança, das artes performativas preparavam-se para mais um ano apertado, com os seus orçamentos baseados nos apoios da DGArtes, caso os conseguissem, assegurando a muito custo o acesso à Cultura a tanta gente por este país.

As produtoras de cinema preparavam mais um ano a inventar filmes com apoios mínimos, redes de distribuição cada vez mais reduzidas e fragilizadas pela força bruta e pela atitude canibalizadora das grandes operadoras de televisão que ocuparam a quase totalidade das redes de cinemas em Portugal.

As grandes empresas de audiovisual preparavam mais um ano de novelas e séries televisivas, em que os actores, muitas vezes contratados à sessão, aparecem vestidos do glamour dos horários nobres das 9H, das 10H, das 11h da noite.

As empresas que fornecem e produzem os grandes e pequenos festivais de verão, os espectáculos ao ar livre que normalmente acontecem às centenas por todo o país preparavam-se para investir em novos equipamentos, novas soluções técnicas para responder aos pedidos de rider de muitos desses festivais, dos chamados eventos corporativos, das conferências em hotéis de luxo mantendo com grande parte dos seus trabalhadores uma relação de praça de jorna em que para estes pode ser que o telefone toque.

Divulgavam-se os espectáculos de massas e ouvia-se falar dos enormes cachets das grandes estrelas pop que se preparavam para mais uma vez vir a Portugal.

Os artistas, os técnicos, os produtores e todo um conjunto de profissionais de tantas áreas preparavam-se para aquele gig em Março, os concertos de Abril, a perninha no festival no interior do País, o trabalho como roadie aqui, de técnico acolá, ensinar acoli, começar ensaios para aquela peça, visitar este ou aquele local para a próxima série, para o próximo filme.

Para o CENA-STE o ano de 2020 iria ser mais um ano de trabalho em que se perspectivavam avanços na criação e discussão de Acordos de Empresa na OPART e nos teatros nacionais. Seria um ano para solidificar direitos resultantes das lutas de anos anteriores no CCB, na Plural, no S. Carlos e na CNB.
Seria mais um ano para exigir outras políticas publicas de Cultura, o reforço do OE para o Ministério da Cultura, exigir que os apoios da DGArtes incluíssem como premissa contratos de trabalho, trabalho com direitos. Seria um ano para tentar chegar a mais trabalhadores.

Quando em Março de 2020 tudo colapsou, desligaram-se as luzes e praticamente todo o trabalho no sector parou, e ficou à vista toda uma triste realidade.
Perante esta paragem tão violenta toda a aura que existe sobre o todo sector dos espectáculos, da música, do cinema e do audiovisual em Portugal foi posta em causa.

A campânula que envolve um sector em que se sugere que se vive numa espécie de realidade paralela, longe dos problemas laborais e sociais do resto da sociedade, ficou seriamente danificada.

De repente aos olhos de todos ficou evidente que a grande maioria dos trabalhadores desta área tem relações de trabalho baseadas numa forte precariedade, em trabalho sem direitos, com horários inimagináveis que vão para lá do sol a sol, com baixos salários, com fortes níveis de pressão e assédio no local de trabalho.

Quando o Ministério da Cultura, incapaz, sub-financiado, desconhecedor da realidade e da verdadeira dimensão laboral do sector e das condições em que vivem e trabalham estes trabalhadores se aventurou nas ajudas ao sector da Cultura fê-lo de forma atabalhoada, lenta e inconsequente.

Apoios de valores claramente insuficientes, desconhecimento da sua reduzida abrangência e da verdadeira dimensão dos falsos recibos verdes, lentidão nas respostas foram sendo a nota.

A isto somou-se a insuficiência dos apoios do Ministério do Trabalho que todos conhecemos.

Tal como noutros sectores fortemente marcados pela precariedade os trabalhadores da cultura estão perante o colapso financeiro. Muitos destes trabalhadores já estavam numa situação de informalidade fruto de crises anteriores em que foram empurrados para fora do sistema, foram impossibilitados de voltar a qualquer tipo de carreira contributiva e perderam definitivamente o acesso à protecção social.

Quando o Ministério da Cultura atirou para cima da mesa o Estatuto do “Artista” revelou, mais uma vez o absoluto desconhecimento que mantém sobre o sector.

Ainda que se tenha alterado o nome para Estatuto do Trabalhador da Cultura, o que foi apresentado inicialmente não passou de uma manobra de propaganda, importando uma palavra que parece uma espécie de Cálice Sagrado da cultura. Faltou-lhe importar vencimentos, direitos e a dimensão central da cultura que alguns países têm em conjunto com os seus estatutos.

Esta ferramenta, ferramenta de precariedade como o CENA-STE tem repetido e que, na discussão que tem sido feita com o governo, o sindicato tem procurado transformar o mais possível, para já a única coisa que procura estabelecer são vínculos e regras piores que o Código de Trabalho.

Esta ferramenta procura estabelecer meios e regras que fazem dos vínculos precários uma solução em vez de encaminhar e procurar o fim destes.

Este Estatuto que cai tão bem em algumas bocas que ignoram completamente os seus efeitos e ingenuamente o proclamam como a solução para todos os problemas dos trabalhadores da Cultura, pode ser uma perigosa frecha na tão frágil barreira que temos mantido e defendido contra a precariedade e abrir caminho para soluções semelhantes noutros sectores de actividade.

A partir de Março de 2020, se por um lado a situação dramática criada pela pandemia agudizou as consequências de muitos problemas que existiam no sector, por outro foi possível pela primeira vez aos trabalhadores da cultura que muitas vezes se sentiam sozinhos e distantes uns dos outros como se palcos de Festivais, plateaus de Cinema e salas de teatro fossem de planetas diferentes com realidades diferentes pudessem encontrar-se, perceber que o que têm em comum é muito mais do que a palavra abstracta que os agrupa.

Muitos encontraram o seu sindicato de classe, que deixou de ser uma figura distante, perceberam que o sindicato os integra na luta geral por coisas tão simples como trabalho com direitos, horários de trabalho dignos, protecção na saúde e no desemprego.

Muitos vieram à rua pela primeira vez em Junho ou em Novembro nas manifestações marcadas pelo Sindicato. No dia 4 de Junho de 2020 estiveram no Porto, em Lisboa e em Faro mais de 3000 trabalhadores da cultura a exigir medidas de emergência e trabalho com direitos. O sindicato foi ao encontro dos trabalhadores e os trabalhadores vieram ao encontro do Sindicato. Inscreverem-se dezenas de técnicos e outros profissionais de “estrada”. Passamos de 3 ou 4 sócios na Casa da Música a mais de 30, elegeu-se um delegado sindical e prepara-se agora um caderno reivindicativo. Em Leiria, na rede de teatros municipais, os trabalhadores uniram-se ao sindicato, são agora mais 6, e travaram a instalação do banco de horas.

Apontam também a novos objectivos na luta pelos seus direitos.

Hoje o sindicato conta com mais 272 trabalhadores sindicalizados do que há um ano.

As medidas de emergência para a Cultura que foram apresentadas a 14 de Janeiro, fruto do trabalho do Partido que lutou por estes medidas no Parlamento são também reflexo das reivindicações que o sindicato colocou na rua.

A acção #naruapelofuturodacultura limitada pelo confinamento e pelas incertezas na situação da saúde que não pode, de forma nenhuma, ser o novo normal, revela hoje a importância e a visibilidade do sindicato para determinar caminhos, reivindicações consequentes e organizar a luta que tal como a do passado dia 30 terá de ter sempre o desfecho na rua, junto dos locais de trabalho e dos trabalhadores.

Há ainda um longo caminho pela frente.

Não podemos deixar de ir ao encontro dos trabalhadores da Cultura. É fundamental reforçar a ligação aos locais de trabalho, mesmo quando esse conceito no sector às vezes é uma mera abstracção, é fundamental desmontar de vez a falsa ideia de que “somos verdadeiros independentes, que o trabalho é diferente dos outros, que é assim porque gostamos disto, porque somos da Cultura”, quando a grande maioria das relações laborais são de facto de trabalho subordinado.

É fundamental demonstrar que é possível um contrato de trabalho, ter férias, direitos de parentalidade e respeito pela carga horária.

Há ainda um longo caminho de luta pela frente.

De Luta para que o orçamento para o Ministério da Cultura chegue rapidamente ao valor mínimo de 1% do Orçamento de Estado.

De Luta para que em nenhuma instituição Pública, em Instituições e fundações apoiadas pelo estado haja um único vinculo precário.

De Luta para que todas as estruturas elegíveis pela DG Artes sejam devidamente apoiadas e que assegurem que todos os seus vínculos sejam contratos de trabalhos.

De Luta para que a dotação do ICA passe a constar especificamente no Orçamento de Estado com o necessário reforço de verbas.

De Luta para que haja uma política de cultura que assegure o livre acesso à fruição e criação cultural de acordo com a nossa Constituição

De Luta para que os trabalhadores da Cultura tenham salários dignos, com direitos e protecção social.

Viva o PCP
A luta continua!

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