Intervenção de Vasco Cardoso, membro da Comissão Política do Comité Central, Sessão pública de apresentação do livro «Euro, Dívida, Banca. Romper com os constrangimentos, desenvolver o País»

«A libertação do euro, da dívida usurária, da banca privada, não é compatível com a submissão aos desígnios, às políticas e às coerções da União Europeia»

«A libertação do euro, da dívida usurária, da banca privada, não é compatível com a submissão aos desígnios, às políticas e às coerções da União Europeia»

Caros camaradas, estimados amigos

Com a apresentação pública do livro «Euro, dívida, banca. Romper com constrangimentos, desenvolver o país», o PCP dá hoje um passo importante na campanha nacional que decidiu realizar nos próximos meses em torno da produção, do emprego e da soberania nacional, colocando a necessidade da libertação da submissão ao Euro como um elemento incontornável, embora não suficiente, para alcançar esses objectivos.

Uma campanha que pretende levar a todo o país um amplo debate nacional, que aprofunde o diagnóstico da situação actual, as causas dos atrasos e bloqueios, bem como, das ameaças que incidem sobre a economia nacional, identifique os seus responsáveis e aponte soluções, designadamente a necessidade de aumentar a produção, garantindo a soberania alimentar e energética, assumindo a elevação das condições de vida dos trabalhadores e do povo como um elemento incontornável de uma política alternativa, uma política patriótica e de esquerda, cada vez mais actual, cada vez mais necessária.

Uma campanha que durante este primeiro semestre, por via dos militantes e organizações do Partido, sairá para a rua, promovendo o contacto com os trabalhadores e as populações, ouvindo as suas preocupações e aspirações e apontando o caminho da luta pela recuperação de instrumentos de soberania, cuja alienação se tem traduzido em mais desigualdades, maiores injustiças e crescente dependência externa.

Uma campanha que se dirige a todos os democratas e patriotas, apelando à sua convergência com todos aqueles que não se conformam nem se resignam com a política de direita, com o processo de integração capitalista na União Europeia, com o rumo de exploração e empobrecimento que está subjacente à submissão ao Euro e à União Europeia.

Uma campanha que ganha redobrada actualidade, face ao quadro político e económico, nacional e internacional, carregado de ameaças e incertezas, onde, independentemente das contradições existentes entre grandes potencias e sectores do grande capital, só uma política centrada na defesa dos interesses nacionais, não deixando nas mãos de outros aquilo que só ao nosso país e ao nosso povo cabe decidir, pode assegurar um Portugal com futuro.

Uma campanha que não deixará também de levar às instituições democráticas, designadamente à Assembleia da República, as nossas propostas e soluções para o país, confrontando as restantes forças políticas com a necessidade de respostas estruturais a problemas que são também eles estruturais e que desenvolvemos e tratamos no livro que hoje estamos a apresentar.

Caros camaradas, estimados amigos

Portugal precisa de crescer, precisa de se desenvolver. Precisa de eliminar os obstáculos ao seu crescimento e de reunir os instrumentos que lhe permitam aproveitar as oportunidades e potencialidades de desenvolvimento. Para que deixe de viver, não acima, mas abaixo das suas possibilidades.

Se o país está sujeito a condicionamentos estruturais, então as soluções também têm que ser estruturais. Doutro modo, esgotará a política de recuperação e melhoria de rendimentos e direitos expropriados à população pela política de direita e o pacto de agressão entre a troika nacional (PS, PSD e CDS) e a troika estrangeira (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional).

Um país que não cresce não se desenvolve, tal como uma bicicleta que não anda cai. Ora o país praticamente deixou de crescer. Em 2015, produziu tanta riqueza como no ano em que se introduziram as notas de euro. Mais de uma década perdida.

Os resultados sociais apareceram em conformidade. Desemprego, precariedade, emigração, envelhecimento, desigualdades, empobrecimento, divergência em relação à média europeia.

Não basta conseguir agora um crescimento, ao menos razoável, em tal ou tal ano. Não basta um ligeiro crescimento, como o que se prevê para estes anos, que se perde na recessão seguinte. É necessário um crescimento continuado, prolongado, sustentável.

Mas não há crescimento sustentável sem investimento. E a verdade é que o investimento, público e privado, em relação ao produto interno bruto nacional, desceu ao nível mais baixo pelo menos desde a década de 50. Já são cinco anos consecutivos em que o investimento não cobre sequer o desgaste e a desactualização das maquinarias, equipamentos e outros instrumentos da actividade económica. A capacidade produtiva do país está a descapitalizar-se e a degradar-se.

O financiamento do investimento, da produção, do crescimento económico é, por isso, uma questão central para o país. E o país precisa de remover três grandes constrangimentos, e em consequência de adoptar três indispensáveis instrumentos, para a resolução deste magno problema nacional.

Tem de libertar-se da submissão ao euro, tem de renegociar a dívida e tem de controlar publicamente a banca, para arranjar, respectivamente, a moeda, os recursos e os créditos que lhe financiem o crescimento económico e o desenvolvimento.

A submissão ao euro, a dívida colossal, a dominação monopolista da banca, são três mecanismos de dependência e três veículos de transferência de recursos para o estrangeiro.

Três sujeições de classe ao grande capital financeiro, aos grandes grupos económicos europeus, que deles beneficiam.

Três resultados inseparáveis dos objectivos, da orientação, da política, das imposições e das pressões da União Europeia.

Três condicionamentos que impõem ao nível supranacional o que deveria ser naturalmente tratado ao nível nacional. A mesma moeda para países com salários e produtividade, capacidade produtiva e exportadora, perfil industrial e comercial muito diferentes. As mesmas regras para estados menos endividados e estados ultraendividados. As mesmas exigências para megabancos europeus e debilitados bancos nacionais.

Três problemas interligados, que se alimentaram reciprocamente, e que reclamam uma solução integrada, sem prejuízo dos avanços em cada área.

A recuperação da soberania monetária é uma necessidade estrutural do país.

Portugal precisa da sua própria moeda, banco central emissor e gestão monetária, financeira, cambial e orçamental, ajustadas ao país e ao serviço do país. Precisa de se livrar das chantagens dos “mercados” e da troika, do Pacto de Estabilidade e Crescimento e do Tratado Orçamental, da austeridade (restrição do gasto, da despesa social e do investimento públicos) e do empobrecimento perpétuos, das perdas de competitividade por apreciação da moeda única, do estímulo ao endividamento externo e à saída de capitais, das concentrações e “desnacionalizações” bancárias promovidas pela União Bancária.

O melhor seria a dissolução programada e organizada da União Económica e Monetária (UEM), mas não se vai nessa direcção, nem o país pode contar com ela. A libertação da submissão ao euro deve ser um processo participado, com uma cuidadosa preparação e a defesa dos rendimentos, poupanças e níveis de vida da generalidade da população.

A renegociação da dívida é outra necessidade estrutural.

Portugal não pode manter dívidas, pública (130% do PIB) e externa (105% do PIB), que são das maiores do mundo. O Estado não pode pagar anualmente em juros bem mais do dobro do que recebe em fundos estruturais da União Europeia, quase tanto ou mais do que gasta em saúde e educação. Precisa de estancar a sangria de recursos, por via dos juros, para o capital financeiro e o estrangeiro e usá-los para o investimento e a acção social. Precisa de reduzir as dívida pública e externa, largamente coincidentes, a níveis sustentáveis e suportáveis, que viabilizem o crescimento.

As reestruturações bem sucedidas, entre as quais as da Argentina e do Equador, mostram que é possível. Uma renegociação nos prazos, juros e montantes, que abata fortemente os valores em dívida, como o PCP propõe publicamente desde há mais de cinco anos, em benefício do país em vez dos credores.

O controlo público da banca também é uma necessidade estrutural.

Portugal precisa de inverter a alienação e concentração aceleradas nos megabancos europeus da sua actividade bancária, que confirmam que esta ou é pública ou é estrangeira. Precisa de nacionalizar e socializar a banca, racionalizar e reorientar o crédito para a actividade produtiva em vez de especulativa, auxiliar os pequenos e médios empresários e as famílias, disciplinar o mercado financeiro e o endividamento externo, assegurar a liquidez, a solvabilidade e a fiscalização dos bancos, impedir a transferência de prejuízos privados para o povo português.

Um controlo público obtido a ritmos diversos, com o alargamento progressivo da propriedade e gestão públicas da banca, mas que não desperdiça oportunidades, como a nacionalização definitiva do Novo Banco, com a criteriosa ponderação dos activos a incluir, e que leva em conta a experiência das nacionalizações e do sector financeiro público.

O país, periférico, fragilizado, dependente, endividado, condicionado, subalternizado, agrilhoado, desprovido de meios para enfrentar novas crises, encontra-se muito desprotegido.

Dotar-se dos meios e dos instrumentos para vencer o atraso e o subdesenvolvimento, a dependência e a vulnerabilidade, implica enfrentar a União Europeia, que condiciona a nossa capacidade de produzir riqueza, a nossa liberdade de distribuir a riqueza, a nossa capacidade e a nossa liberdade de escolhermos o caminho que, enquanto povo, queremos seguir.

Camaradas

A situação dos últimos anos, com a intervenção estrangeira da União Europeia e do Fundo Monetário Internacional e a acção do anterior governo PSD/CDS, expôs ainda mais claramente o descalabro económico, social, do próprio regime democrático e da independência nacional, a que conduziu a política de restauração monopolista.

A crise do capitalismo, a crise e as contradições na União Europeia, as consequências devastadoras para o nosso país, patenteiam a incompatibilidade do caminho que tem sido seguido e um Portugal soberano, de progresso e justiça social. Os avanços e conquistas alcançados nos últimos meses, decorrentes da luta dos trabalhadores e do povo e da intervenção decisiva do PCP, não conseguem apagar o carácter limitado da actual solução política e muito menos, assegurar um caminho de sólido crescimento económico, aumento da produção, criação de emprego e melhoria das condições de vida da população.

O PCP não desiste desse combate. Mais cedo que tarde, Portugal terá que retomar os caminhos de Abril.

Este documento constitui uma síntese da crítica, desde há muito desenvolvida pelo PCP, a três grandes constrangimentos da vida e do desenvolvimento do país.

Nele se justifica, de forma fundamentada, a necessidade de remover, articuladamente, esses condicionamentos, para que o país recupere da degradação social a que foi sujeito, supere a estagnação e o bloqueio, elimine dependências, consiga financiar um crescimento sustentado razoável, alargue e concretize as suas potencialidades de desenvolvimento, exerça a sua soberania.

São rupturas com implicações estruturais, que implicam um enfrentamento da política de direita, do capital monopolista, dos grandes poderes europeus.

A libertação do euro, da dívida usurária, da banca privada, não é compatível com a submissão aos desígnios, às políticas e às coerções da União Europeia. Mas é justa, necessária e imprescindível. Como diz o nosso povo, para grandes males, grandes remédios.

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