Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-Geral, Sessão pública de apresentação do livro «Euro, Dívida, Banca. Romper com os constrangimentos, desenvolver o País»

Euro, Dívida, Banca. Romper com os constrangimentos, desenvolver o País

Euro, Dívida, Banca. Romper com os constrangimentos, desenvolver o País

Iniciamos aqui, com a apresentação do livro «Euro, Dívida, Banca. Romper com os constrangimentos, desenvolver o País», a campanha nacional do PCP que realizaremos sob a consigna «Produção, Emprego, Soberania. Libertar Portugal da submissão ao Euro» que queremos e desejamos seja um importante contributo para um necessário e amplo debate sobre a produção nacional e o seu aumento e sobre os grandes constrangimentos que estão a pesar negativamente e de forma cada vez mais marcante no desenvolvimento do nosso País.

O mundo tem vindo a tornar-se cada vez mais inseguro e perigoso, para os trabalhadores, para os povos, para os Estados soberanos, para todos os que lutam ou aspiram a um futuro de progresso, de bem-estar, de justiça e de paz.

A grande crise capitalista, que irrompeu em 2007-2008, permanece na insuficiência de crescimento, na estagnação económica de vastas áreas geográficas e de actividade, na ameaça de novas crises financeiras na banca e nas bolsas, de novas recessões, de degradação ambiental, de agravamento das condições de vida dos trabalhadores e das populações.

O mundo é hoje não só mais perigoso e inseguro, mas também um lugar mais injusto.

O aumento da exploração, das desigualdades, das discriminações, a perda de direitos, a concentração obscena da riqueza de uns poucos a par do empobrecimento de muitos milhões de outros, o capital acumulado à custa da fome, das dificuldades, da degradação da vida das camadas populares e de povos inteiros.

Estima-se que agora os 1% mais ricos têm mais riqueza do que todo o resto do mundo, os restantes 99% da população mundial. Ainda há pouco tempo se revelou que oito multimilionários, os mais ricos entre os mais ricos, têm tanta riqueza como a metade mais pobre de toda a humanidade.

O brutal endividamento de governos, empresas e famílias que, nominalmente, mais do que duplicou desde o início do século, a volumosa especulação financeira que volta a despontar em variados domínios, os programas de expansão monetária dos bancos centrais que estimulam a especulação financeira mas não o investimento produtivo, a combinação perversa do aumento da liquidez e da instabilidade mundial que alimenta a dimensão e a volatilidade dos fluxos financeiros, produzindo bolhas financeiras por um lado e secando o financiamento de sectores e regiões por outro.

A que se somam as contradições e as rivalidades inter-imperialistas, acirradas pela persistência da crise mundial, a disputa de esferas de influência e de domínio, a instigação de conflitos e a intensificação das desestabilizações, das intervenções e das agressões em vários pontos do mundo pelos Estados Unidos, a União Europeia e a NATO, a acentuação de confrontos visando a China ou a Rússia, o belicismo e a imprevisibilidade da nova administração estadunidense, a forma como a União Europeia reage ao processo da desvinculação do Reino Unido da União Europeia, o terrorismo e o terrorismo de Estado, as derivas securitárias e reaccionárias e o crescimento da extrema-direita nos centros capitalistas.

O mundo está, de facto, mais perigoso, inseguro e mais instável.

O grande capital transnacional, as principais potências capitalistas e as instituições supranacionais ao seu serviço, lançam mais achas para a fogueira. À desregulação financeira e ao descontrolo do movimento de capitais, junta-se a pressão para a maior desregulação do comércio.

Não sem contradições, como mostram as anunciadas intenções, ditas “proteccionistas”, do novo governo dos Estados Unidos, orientadas não pelos interesses dos trabalhadores e dos povos, mas pela preocupação com a sua sustentabilidade interna e o declínio económico relativo do seu país no mundo, orientadas também pelos interesses de fracções da oligarquia estadunidense.

O exemplo mais gravoso para o nosso País é o Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento, que liberaliza o comércio e investimento entre a União Europeia e os Estados Unidos, mas o Parlamento Europeu aprovou no mês passado, com os votos favoráveis de PS, PSD e CDS, aquele que é considerado a sua antecâmara, o CETA, Acordo Económico e Comercial Global entre a União Europeia e o Canadá, que a Comissão Europeia pretende fazer vigorar «provisoriamente» enquanto decorre o processo de ractificação pelos Estados-membros.

As implicações e as ameaças dos tratados de livre comércio, verdadeiros tratados das transnacionais, colidem directamente com os ordenamentos jurídicos, o bem-estar e o desenvolvimento dos povos. O que se exige, pelo contrário, são acordos de cooperação mutuamente vantajosos, que salvaguardem a soberania nacional, que respondam às necessidades e interesses dos povos, que defendam os direitos sociais, laborais, democráticos, ambientais e ao desenvolvimento.
O envolvimento da União Europeia como agente activo e promotor da globalização capitalista, acrescenta mais uma dimensão aos condicionamentos que impõe ao nosso País, duplamente constrangido pelo mercado único e pela desregulamentação do comércio externo da União, pela concorrência aberta e desleal com países de muito maior produtividade e as transnacionais que exploram a mão-de-obra barata dos países em desenvolvimento.

Outra vez a União Europeia, construção dos grandes grupos económicos e financeiros europeus, a fazer valer a sua natureza e os seus objectivos de classe, outra vez a coagir a soberania e o desenvolvimento de Portugal.

Como o faz nesse outro processo que corre em simultâneo, a conclusão da União Bancária, que enfraquece, ou mesmo inviabiliza, o controlo público e promove a alienação, a “desnacionalização”, a dominação e a concentração da propriedade e gestão dos bancos nacionais pelos megabancos europeus.

Como o faz com a União Económica e Monetária e a trama que foi tecendo – o Euro, o Pacto de Estabilidade e Crescimento, a governação económica, o Semestre Europeu, o Tratado Orçamental –, de institucionalização das políticas de exploração e empobrecimento, do corte da despesa social e do investimento público, de promoção da concentração e centralização de capitais, que acentuou o enviesamento recessivo e especulativo da economia europeia.

Como o faz com a multiplicação e o aperto das ingerências, das pressões, das chantagens, dos ultimatos, como evidencia o aperto das próprias regras institucionais, o visto prévio do orçamento, os programas de estabilidade e nacional de reformas, a ameaça de sanções financeiras e de suspensão de fundos comunitários.

Foi dentro desta moldura económica e institucional, da globalização capitalista e da crise mundial, dos condicionamentos da União Europeia e da crise europeia, que Portugal foi duramente atingido pela crise em 2008, agravada posteriormente com a intervenção da troika, chamada por PS, PSD e CDS em Maio de 2011.

Ao ritmo, muito insuficiente, a que cresce, só lá para 2019 se aproximará dos níveis de produção de riqueza que tinha antes da crise, confirmando mais uma década perdida desde a introdução do Euro.

Portugal é hoje um país desindustrializado, dependente, periférico, empobrecido.

A indústria tem um peso no produto inferior em cerca de um quinto ao do final do século passado. A agricultura, produção florestal e pescas representam pouco mais de 2%.

Agrava-se por conseguinte a “terciarização” da economia portuguesa, com o aumento do peso do comércio e serviços. Mas também o seu carácter especulativo e parasitário, bem patente na subida acentuada do peso das actividades imobiliárias.

O investimento, em relação ao PIB, é o mais baixo desde o começo da década de 50 e já não repõe sequer a degradação e envelhecimento do aparelho produtivo. A despesa com a investigação e desenvolvimento também está em queda desde 2009. Assim se compromete seriamente o crescimento futuro.
As exportações aumentaram, mas a obtenção de excedentes comerciais reflecte sobretudo a contenção das importações com a compressão do consumo e do investimento. O comércio externo afunilou na União Europeia e na zona Euro. O défice tecnológico continua a deteriorar-se.

O peso do turismo torna-se cada vez mais determinante na actividade económica e nas exportações. As viagens e turismo já representam perto de metade das exportações de serviços. Mas a sua dinâmica, que beneficiou do desvio dos fluxos turísticos com a crise dos refugiados e as agressões e conflitos no Norte de África e Médio Oriente, está muito dependente das conjunturas externas e sujeita à competição agressiva de outros destinos na Europa e no mundo.
Apesar dos avanços nas energias renováveis, a dependência energética do País continua a ser gigantesca. Com recursos próprios, assegura apenas cerca de um quarto do seu consumo energético.

A soberania alimentar ainda é uma miragem e exigiria outra orientação não enfeudada ao agronegócio.

Os endividamentos público e externo atingiram níveis inauditos. Com uma dívida pública de 130% do PIB, Portugal é o quinto país do mundo com maior dívida pública. E com uma dívida externa de 105% do PIB, também é o quinto com maior dívida externa.

O País paga anualmente em juros da dívida pública mais de oito mil milhões de euros, dos quais mais de metade sai para o estrangeiro, para os credores oficiais da troika e os credores privados externos, fundamentalmente bancos e fundos de investimento.

As famílias e empresas também permanecem muito endividadas. O sistema bancário, globalmente deficitário, continua atulhado de crédito malparado.
Com as privatizações e a participação estrangeira no capital e dívida nacionais, foram drenados para fora do País, em termos líquidos, mais de 87 mil milhões de euros desde o início do século em juros, lucros e dividendos. Uma soma colossal que reflecte o crescente domínio externo da economia portuguesa.

A persistência da crise económica faz-se acompanhar pela persistência da crise social.

Deu-se, nos últimos anos, um forte agravamento da exploração dos trabalhadores, como atesta a expressiva diminuição dos custos unitários reais do trabalho.

A recuperação do emprego é muito insuficiente e mantém-se um elevado desemprego estrutural, incluindo jovens, diplomados do ensino superior e desempregados de longa duração.

A precariedade consolida-se massivamente, bem como a emigração. A natalidade é a mais baixa da União Europeia. O País envelhece e perde população.

O bem-estar económico e social dos portugueses permanece aquém dos níveis europeus. O PIB e o consumo per capita estão claramente abaixo da média da União Europeia e a léguas dos seus países mais desenvolvidos. Em contraste, as desigualdades salariais e sociais estão claramente acima.

São cada vez mais os trabalhadores a ganhar o salário mínimo. Portugal tinha, em 2015, cerca de 2,6 milhões de pobres. Se não fossem as transferências sociais, incluindo as pensões de reforma e sobrevivência, seriam perto de metade da população, mais de 46%. Cerca de um quinto da população vive em privação material.

O atraso, o subdesenvolvimento, a degradação e o empobrecimento do País são o resultado de problemas estruturais – da dominação monopolista, dos constrangimentos da União Europeia, do enquadramento internacional, da crise do capitalismo – e o resultado da política de direita, prosseguida pelos sucessivos governos, reforçada pelo anterior do PSD/CDS e a intervenção da troika.

O governo minoritário do PS vive uma contradição insanável. A recuperação e a melhoria dos níveis de vida do povo português colidem com o acatamento dos condicionamentos da União Europeia, especialmente os que decorrem da integração monetária, e com os interesses dos grandes grupos económicos, associados e dependentes dos monopólios estrangeiros.

Os limites da governação são cada vez mais visíveis. O restabelecimento e o progresso da situação material da população, mais geralmente o desenvolvimento do País, exigem o enfrentamento dos constrangimentos externos e do grande capital nacional.

Portugal beneficia, numa conjuntura que pode alongar-se, das baixas taxas de juro, dos baixos preços de petróleo, do Euro depreciado, do prolongamento do programa de expansão monetária do BCE, da recuperação económica nos principais destinos das suas exportações (Espanha, França e Alemanha), além do afluxo de turistas desviados de outros destinos. Factores favoráveis, mas que o País não controla, nem determina e que, ainda assim, são incapazes de o retirar da estagnação, como comprova a insuficiência do crescimento. E que fazem recear por este, quando já não estiverem presentes.

Há uma grande verdade que o PS precisa de entender: problemas estruturais só se resolvem com soluções estruturais.

Portugal precisa de combater os seus défices, energético, alimentar, tecnológico e demográfico. Precisa de afirmar a sua soberania e resistir ao rolo compressor da globalização capitalista, defender o seu mercado interno e a sua produção nacional, não para comerciar menos mas para comerciar mais, não para fechar Portugal ao mundo, mas para desenvolver relações comerciais e de cooperação mutuamente vantajosas.

Mas entre os mais graves constrangimentos estruturais, cuja resolução está ao alcance da vontade, da determinação e da luta do povo português, embora conte com a oposição actual de PS, PSD e CDS, contam-se a devastadora integração no Euro, o colossal endividamento público e externo, a dominação monopolista sobre a banca.

Portugal não está condenado ao declínio e a uma posição cada vez mais subalterna na divisão internacional do trabalho, não está condenado à estagnação e ao empobrecimento.

Mas para isso precisa de crescer e de se desenvolver. Precisa de investimento para promover a produção e a produtividade, a competitividade, o crescimento, o emprego e o bem-estar social e precisa de ganhar margem de manobra para afirmar o seu projecto soberano de desenvolvimento.

As libertações do Euro, da dívida e da banca privada, destinam-se precisamente a criar condições para assegurar o financiamento desse investimento e desse crescimento e para ampliar a autonomia e as potencialidades do desenvolvimento nacional.

Na concepção do PCP, estas três rupturas, a libertação da submissão ao Euro, a renegociação da dívida, o controlo público da banca, são interdependentes. Concebidas, preparadas e, sem prejuízo de avanços particulares, concretizadas em conjunto, numa solução integrada, articulada com a orientação e as medidas de uma política patriótica e de esquerda para o País.

Aproveitando conjunturas particulares, progressos parciais em cada área são possíveis e bem-vindos, mas é uma evidência que necessitam, a dado passo do seu aprofundamento, da libertação dos condicionamentos económicos e políticos do Euro.

Basta dizer que, desde a adesão, Portugal foi um dos países que menos cresceu no mundo e um dos países que mais se endividou no mundo. Daí a justeza da campanha lançada pelo nosso Partido.

A política de recuperação de rendimentos e direitos, para ser consistente e consequente, não pode ser permanentemente posta em causa e contrariada pelo enquadramento estrutural e institucional em que intervém.

Sem atacar os constrangimentos externos, designadamente do Euro e da dívida, e enfrentar o capital monopolista, designadamente na banca, não será possível avançar muito e será sempre possível recuar muito. A história recente do País mostrou-o.

Este livro, que o camarada Vasco Cardoso apresentou na sua essência, é uma proposta de reflexão, com uma radiografia actualizada da situação nacional e das consequências do Euro, da dívida e da banca privada, e uma fundamentação da necessidade – como diz o título – de romper com esses constrangimentos para desenvolver o nosso País.

Muito obrigado pela vossa atenção.

  • Economia e Aparelho Produtivo
  • Central
  • Euro
  • Libertação do Euro
  • União Europeia