Intervenção, XVII Congresso do PCP

Intervenção sobre a Situação na Justiça


José Neto, Membro da Comissão Política do Comité
Central

Quatro anos se passaram e continuam marcantes os traços de uma
crise que há muito afecta o sistema judicial.
Com a chegada ao poder da coligação PSD/CDS-PP, a situação
na justiça não mudou e os problemas agravaram-se.

A morosidade da justiça e a prescrição dos processos
continuam; a justiça tornou-se mais cara, com a decisão
deste governo de aumentar as taxas e as custas judiciais; continuam as
disfunções no sistema prisional, com as prisões a
abarrotar de excluídos, apesar do show-off das medidas anunciadas.
Morosidade ou justiça de classe não são figuras de
retórica, quando caracterizamos a situação de desigualdade
dos cidadãos no acesso aos tribunais e à realização
da justiça.

A situação escandalosa na justiça do trabalho é
disso demonstrativa. Milhares de trabalhadores têm processos pendentes,
que esperam anos a fio para receber aquilo a que têm direito, em
casos de salários em atraso ou de falência de empresas. É
necessário que se criem mais tribunais de trabalho para acabar
com esta injustiça, com esta vergonha.

A desresponsabilização do Estado, numa linha privatizadora
na área da justiça, conhece desenvolvimentos preocupantes,
numa estratégia verdadeiramente mercantilista da justiça,
como é a privatização dos notários, a privatização
das acções executivas, as privatizações no
sistema prisional, a venda de património e até, pasme-se,
o investimento de verbas da justiça no mercado de capitais.

E se falarmos do apoio judiciário, que a Constituição
garante a todos os cidadãos, o Governo descarta responsabilidades,
passando-as para a Ordem dos Advogados. Aprova uma lei que, por não
regulamentada, deveria ser suspensa e publica uma portaria que restringe
de tal maneira o acesso, que só os indigentes poderão candidatar-se
à assistência judiciária gratuita. Isto é,
também nesta matéria, como na Saúde ou na Educação,
quem quer Justiça paga-a.

A impunidade continua. Bem pode o Governo, como há tempos fez
Durão Barroso a propósito da Casa Pia, afirmar que já
não há uma justiça para ricos e outra para pobres.
Está longe de ser verdade, infelizmente.

As notícias dos escândalos e da corrupção,
das fraudes fiscais e dos crimes sem perdão, ou dos processos que
se levantam, continuam a encher os telejornais. E, no entanto, é
o que se vê. Quem se lembra já do processo do Fundo Social
Europeu, ou da mega investigação à grande corrupção
fiscal ou até do Apito Dourado?
Seria mau se nos deixássemos embalar ou iludir pelo espectáculo
mediático. A realidade é que a impunidade continua, e é
com isso que é preciso acabar.

Igualmente preocupantes são as tendências recorrentes e
os casos de interferência mais ou menos visível, do poder
político com a independência do poder judicial.
Volta a estar na ordem do dia o questionamento da autonomia do Ministério
Público. No dia em que o Ministério Público dependesse
do Poder Executivo, não poderiam os cidadãos ficar descansados.
A partir daí, passaria o Governo a mandar nas investigações,
escolhendo os processos que iriam ou não a julgamento. Com a corrupção
que grassa no País e estando ela normalmente associada ao poder,
o resultado seria previsível.

Tal cenário, de uma gestão política da justiça,
está bem patente no Programa Eleitoral do PSD, onde é defendida
uma maior intervenção do Ministro na esfera do poder judicial.
A verificar-se, tal constituiria um retrocesso no Estado de direito para
o tempo antes do 25 de Abril. Não podemos permiti-lo.

É essencial para o Estado de direito democrático a preservação
e defesa do poder judicial, garantindo a sua independência face
ao poder político. Questão central é a defesa do
princípio constitucional da legalidade no exercício da acção
penal pelo Ministério Público e do modelo de investigação
criminal sob a sua direcção.

Continuamos a pugnar por meios efectivos e eficazes contra o crime organizado,
cuja crescente sofisticação exige medidas urgentes no campo
da formação e especialização daqueles a quem
incumbe directamente esse combate.

Tardam as medidas e respostas necessárias aos males de que padece
o sistema judicial e que há muito estão diagnosticados.
Para tal diagnóstico e para tais medidas muito tem contribuído
o PCP, não apenas com a sua reflexão mas também e
sobretudo com as suas propostas.

O PCP defende uma política de justiça que promova as reformas
necessárias e urgentes com vista a assegurar eficazmente o princípio
constitucional da igualdade dos cidadãos perante a lei e no acesso
a uma justiça mais próxima e mais célere e que defenda
os seus direitos, liberdades e garantias.

O PCP está, como sempre esteve, preparado para o debate necessário.
Estaremos lá, com responsabilidade, com as nossas opiniões,
propondo medidas e lutando por elas.

O novo ministro da Justiça desencadeou agora um novo lance –
está aí mais um “pacto de regime” em que os
partidos do poder são useiros e vezeiros. Com os objectivos habituais.
Desta vez para a justiça. De “pactos de regime” contra
o regime democrático estamos fartos. O nosso pacto, em matéria
de justiça, é com a Constituição.

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