Intervenção de Alfredo Maia na Assembleia de República, Reunião Plenária

«O Governo e o PS não têm para o Trabalho uma agenda digna»

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Senhor Presidente, Senhores Deputados,

O Grupo de Trabalho de alterações à legislação laboral no âmbito da chamada Agenda do Trabalho Digno concluiu há instantes mais uma reunião de discussão de um vasto e complexo conjunto de propostas.

O teor das propostas, o conteúdo das discussões e as votações indiciárias confirmam que o Governo e o PS não têm para o Trabalho uma agenda digna da denominação do pacote que nos apresentaram.

Trata-se de uma agenda, partilhada com o PSD, de compromisso com o Capital e não com o Trabalho, mais de serviço aos interesses do patronato e menos em defesa dos trabalhadores.

As propostas e posições do Governo e do PS, apoiadas em larga medida pelo PSD, mantêm as normas mais gravosas do Código do Trabalho; impedem a reposição de direitos roubados aos trabalhadores, como as compensações por trabalho suplementar ou os valores das indemnizações; e barram o caminho a avanços civilizacionais.

Destaquemos algumas posições que deixam uma marca indelével da convergência programática entre o PS e o PSD em ordem a satisfazer mais os interesses do patronato (a parte mais forte) do que a proteger os direitos dos trabalhadores (sempre a parte mais frágil desde a génese da relação laboral).

É o caso do regime da denúncia, sobrevigência e caducidade dos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho. 

Trata-se de uma arma poderosíssima, através da qual o patronato se permite extorquir direitos, condicionar negociações e impor condições desfavoráveis, designadamente em matéria de horários e trabalho suplementar, e até acabar com a contratação colectiva, ou pelo menos impedir as justas reivindicações salariais.

Pois bem: PS e PSD chumbaram as propostas do PCP com vista à revogação destas normas.

É também o caso da presunção da aceitação da decisão de despedimento, mediante a aceitação do pagamento da indemnização, uma norma iníqua num Estado de Direito Democrático.

De facto, mesmo perante a injustiça e até da ilegalidade do seu despedimento, ou da insuficiência da compensação, o trabalhador despedido, cujo meio de subsistência fica reduzido a um subsídio de desemprego baixo e de curta vigência, é dramaticamente forçado a não impugnar judicialmente tal decisão.

Por outras palavras: está fatalmente obrigado a renunciar ao direito constitucional de recorrer aos tribunais e ao conforto da justiça. Mais uma vez, PS e PSD convergem na indigna manutenção deste grilhão.  

Mas é também o caso da redução dos horários para as 35 horas semanais e sete horas diárias, das restrições à laboração contínua e do trabalho por turnos, limitando-os às situações estritamente necessárias e devidamente justificadas e com garantias de protecção da saúde dos trabalhadores e do direito à articulação da vida pessoal e familiar com o trabalho, que o PCP propôs.

Quando os avanços técnicos e tecnológicos permitem jornadas de trabalho mais curtas, com ganhos para a saúde e até para a produtividade, a maioria PS/PSD perpetua velhos modelos de intensificação do trabalho.

Ainda na terça-feira estivemos com mineiros de Neves Corvo, submetidos a jornadas de mais de dez e até doze horas consecutivas no fundo da mina e expostos a concentrações nocivas de sílica, arsénico inorgânico, metais pesados, partículas da combustão de máquinas, e cujas feições evidenciam um desgaste que convoca a imagem dos mineiros da época da Revolução Industrial.

Em pleno século XXI, a discussão de uma agenda do trabalho digno que mereça este título, com emprego com direitos e salários justos, aconselha a discussão ponderada, responsável e consequente das propostas.

Mas o PS impôs um ritmo e prazos incompatíveis com tal desígnio, dificultando e até impedindo audições de entidades cujas contribuições específicas seria importante ter escutado de forma individualizada;

Manteve posições enquistadas sobre as suas próprias propostas e em relação às propostas de outros partidos; 

Condicionou a autonomia da Assembleia da República a compromissos firmados nomeadamente com o patronato; 

Recorreu à chantagem ao invocar a necessidade de cumprimento de prazos com a União Europeia, que o Governo assumiu sem autorização do Parlamento; 

Não se coibiu de brandir a ameaça da precipitação da caducidade de inúmeras convenções colectivas, se este processo legislativo não estiver concluído dentro de determinado prazo, quando bem sabe que lhe bastaria ter votado a favor da revogação da caducidade.

O PCP tem vindo a alertar para os riscos de um calendário excessivamente curto e para as consequências de uma discussão incompleta, imperfeita e precipitada de matérias tão complexas e de uma agenda que muito fica a dever à dignidade.

Uma certeza têm os trabalhadores: o PCP continuará a bater-se pelos seus direitos e interesses. É esse – e é com eles – o nosso compromisso!

Disse.

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