Intervenção de Paulo Sá na Assembleia de República

"Governo garante aos especuladores milhões de euros do erário público"

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Sr.ª Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados

Realizou-se, ontem, uma operação de troca de dívida pública, apresentada pelo Governo como um grande sucesso. Um sucesso, sim, mas apenas para os credores, que veem aumentar a rendibilidade dos títulos por si detidos, ao mesmo tempo que se agrava o fardo para o Estado, com o crescimento da taxa de juro implícita na dívida pública portuguesa. Na prática, assistimos a uma operação que transferiu milhões de euros do erário público para os chamados investidores institucionais, no fundamental a banca e os fundos de investimento. Com esta operação, o Governo hipoteca o futuro, deixando para quem vier a seguir o pagamento do custo acrescido das suas erradas opções.

Toda a encenação montada pelo Governo em torno desta operação de troca de dívida pública e de uma operação idêntica realizada em outubro do ano passado tem apenas um objetivo: esconder dos portugueses que a dívida pública é insustentável e que não poderá ser paga com as políticas atuais. O Governo, ao não reconhecer a insustentabilidade da dívida pública, o que pretende é adiar indefinidamente a sua justa renegociação, garantindo àqueles que especularam com a dívida pública portuguesa o recebimento, até ao último cêntimo, do produto da sua agiotagem.

De acordo com os cálculos da UTAO, apresentados aquando da discussão do Orçamento do Estado para 2014, a redução da dívida pública para valores próximos de 60% do PIB só ocorreria se se verificassem, simultaneamente, ao longo dos próximos 20 anos, duas condições: crescimento económico significativo, da ordem dos 4% do PIB nominal, e ainda um saldo primário positivo, da ordem dos 3,5%. A política levada a cabo pelo Governo nos últimos dois anos e meio, no âmbito do Memorando da troica, não assegurou qualquer destas duas condições. Em vez de crescimento económico, o País mergulhou numa profunda recessão e, apesar das brutais medidas de austeridade, de cerca de 20 000 milhões de euros, impostas aos trabalhadores e ao povo, o saldo primário manteve-se negativo. Em consequência, a dívida pública, em vez de diminuir, aumentou, atingindo quase os 130% do PIB.

No próximo ano, mesmo que se viessem a atingir as metas estabelecidas pelo Governo no Orçamento do Estado — as quais, como sabemos, são extremamente otimistas, mesmo irrealistas —, um crescimento económico de 0,8% e um saldo primário de 0,3% ficariam muito aquém do necessário para assegurar a sustentabilidade da dívida pública.

Mesmo no cenário cor-de-rosa traçado pelo Governo para o próximo ano, a dívida pública continuará a subir em termos nominais. Perante isto, apenas se pode extrair uma conclusão: a dívida pública portuguesa não é sustentável. É, hoje, claro para a maioria dos portugueses que o programa de falência económica e social, assente no pacto de agressão assinado pelo PS, PSD e CDS com a troica estrangeira, não só é contrário aos interesses de desenvolvimento e progresso do País, como nem sequer garante a concretização dos objetivos que servem de pretexto para quem o aplica e defende: o equilíbrio das contas públicas, a redução do défice e da dívida pública.

Em abril de 2011, o PCP foi pioneiro na apresentação da proposta de renegociação urgente da dívida pública, nos juros, prazos e montantes. Na altura, fomos acusados por muitos de defender propostas irrealistas, de defender soluções que atirariam o País para o abismo. Passados mais de dois anos, amplos setores da sociedade portuguesa, mesmo aqueles insuspeitos de qualquer simpatia pelo PCP, reconhecem a justeza da nossa proposta e defendem uma renegociação da dívida que alivie o País do fardo insuportável dos juros que, em 2014, atingirão mais de 7300 milhões de euros.

Recentemente, durante a discussão do Orçamento do Estado, propusemos um regime de renegociação da dívida pública que, assumindo o pagamento da dívida legítima e considerando a necessidade de alargamento dos prazos de pagamento, estabelecesse como limite para o pagamento de juros, em 2014, um montante máximo correspondente a 2,5% do valor das exportações de bens e serviços, ao mesmo tempo que se garantia a plena salvaguarda da parte da dívida correspondente aos pequenos aforradores e daquela que está na posse do setor público administrativo e empresarial do Estado. Esta proposta foi recusada pelos partidos do Governo, mas também pelo PS, pois uns e outros não têm a coragem de enfrentar e de afrontar os interesses dos banqueiros, especuladores e agiotas, que vêm na apropriação da riqueza nacional, por via do pagamento dos juros da dívida pública, uma fonte inesgotável de rendimento.

Tal como o PCP sempre afirmou, a consolidação das contas públicas e a redução da dívida pública não passam por uma política assente na transferência dos recursos nacionais para a especulação e para o sistema financeiro, na concentração da riqueza à custa do roubo dos salários, pensões e reformas, na eliminação de direitos laborais e sociais, na manutenção de um elevado nível de desemprego com o objetivo de facilitar e agravar a exploração dos trabalhadores, na destruição dos serviços públicos e no empobrecimento generalizado do povo português.

A resolução dos problemas nacionais passa pela rejeição do pacto de agressão da troica e pela adoção de uma política alternativa que assuma como prioridade a criação de condições para o crescimento da economia, a defesa e reforço da capacidade produtiva nacional e a valorização do trabalho e dos trabalhadores.

Sabemos que o Governo não quer ouvir falar na renegociação da dívida, nos moldes propostos pelo PCP. Sabemos que o Governo não se atreve a beliscar os grandes interesses económicos e financeiros. Sabemos que o Governo pretende continuar a usar a consolidação das contas públicas e a dívida como pretexto para aplicar o seu programa ideológico de reconfiguração do Estado e de agravamento da exploração de quem vive do seu trabalho.

Conhecemos bem as opções do Governo e dos partidos que o suportam, mas o PCP continuará a exigir a renegociação da dívida, em defesa dos interesses de Portugal e dos portugueses.

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