Intervenção de Miguel Tiago na Assembleia de República

"Este é o rumo de quanto mais se paga mais se deve"

Debate de atualidade sobre os objetivos e as opções por detrás das operações de gestão da dívida e de apuramento das responsabilidades do Governo por comprometer o futuro das novas gerações com tal atuação

Sr.ª Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados:

Em primeiro lugar, deixo uma breve nota sobre as comparações absurdas que surgiram neste debate entre a gestão da dívida pública e o pagamento das autarquias a fornecedores. Fazer essa comparação, por todos os motivos — técnicos, políticos e mais alguns — ou é desconversar ou é não saber do que se está a falar!

Aproveito para dizer ao Sr. Deputado João Almeida que, infelizmente, não são apenas as autarquias de gestão CDU que são forçadas, em virtude das imposições e das limitações impostas por este Governo ao financiamento das autarquias, a recorrer à banca porque a própria banca tem melhores condições do que aquelas que o Governo dá às autarquias. Isso é que é lamentável!

Srs. Deputados, o rumo que está a ser seguido é, como se comprova, o rumo do desastre. Mas é um rumo do desastre que beneficia alguém, que não beneficia os portugueses, em que alguém lucra com a desgraça que é imposta aos portugueses. E nesta operação, que foi mostrada pelo Governo como uma grande vitória da sua política, há efetivamente dois vencedores: aqueles que especulam com a dívida pública e que conseguem aumentar em quase 100% as taxas de rendibilidade associadas aos juros e, portanto, há um aumento de 100% do custo que o Estado português vai pagar através desta dívida e do adiamento do seu pagamento, e o próprio Governo, que remete para quem vier a seguir (para depois das eleições, curiosamente!) o pagamento destes valores que deveriam vencer agora.

Ora, não deixa de ser curioso que o mesmo Governo que diz sempre que não é preciso haver preocupação, porque a dívida é sustentável e que é possível pagá-la nos prazos definidos, venha agora vangloriar-se por ter conseguido, por mais dinheiro, por mais juros, protelá-la porque afinal não era benéfico para o País pagá-la nesta altura. É uma contradição que também merece algum destaque.

Este é o rumo do «quanto mais se paga, mais se deve». É um rumo para fingir que a dívida pública é sustentável porque o Governo recusa-se a reconhecer que não é sustentável nestes termos, recusa-se a renegociá-la para salvaguardar os interesses dos portugueses, mas, rápida e prontamente, faz alterações para satisfazer os interesses dos grandes grupos económicos e daqueles que especulam com a nossa dívida e, neste caso, os fundos de investimento e a banca, pelo que com a colocação de dívida que agora acabámos de testemunhar já não levanta qualquer tipo de problema. Portanto, o Governo sacrifica o interesse público ao interesse destes credores.

O que está em causa não é renegociar a dívida ou não renegociar a dívida, porque, mais cedo ou mais tarde, quando o País estiver prostrado por força das vossas políticas, quando estiver ainda mais empobrecido, mais dependente, sem nada para saquear e entregar aos grupos económicos que vêm servir, então será necessário que quem quer que seja que venha renegoceie a dívida. A questão é que quanto mais cedo se renegociar a dívida mais condições há para salvaguardar o interesse nacional do País. Este Governo está interessado em protelar isso para «quanto mais tarde melhor». E isso é compreensível, Srs. Deputados, porque a cada dia que passa este Governo assegura que fogem do nosso País 20 milhões de euros produzidos pelo trabalho dos portugueses para pagar os juros da dívida que, durante anos e anos, nos convenceram que era representativa do caminho do desenvolvimento.

Aproveito para responder ao Sr. Deputado João Almeida sobre a chantagem, essa chantagem ou terrorismo verbal que comummente os Srs. Deputados da maioria vêm fazer para assustar os portugueses. Aliás, vindo de que quem nos «prometeu o céu» com estas políticas, com o euro, com a União Europeia, com a submissão ao Banco Central Europeu, denunciarem que vem um inferno se não seguirmos a sua política, está tudo dito.

(…)
O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Sr. Secretário de Estado, se em 2010 era urgente a renegociação da dívida, hoje, que há mais dívida e menos economia, o senhor, curiosamente, até acha que o País já se pode dar ao luxo de negociar, de empurrar a dívida para mais tarde com custos maiores!

Portanto, para si, se na altura era preciso renegociar, hoje, em piores condições, o País até já se pode dar ao luxo de «fazer uns fretes» aos credores!

Com isso, Sr. Secretário de Estado, hipoteca o futuro das atuais e das futuras gerações de trabalhadores no nosso País.

Nesta intervenção, que certamente será a última por parte do PCP, gostaria ainda de dizer que o que nós propomos não é uma renegociação unilateral dos termos, montantes, juros e prazos da dívida, é, sim, aplicar o que já resultou de outras negociações no passado, noutros casos, que é impor ao Governo que não possa negociar além do interesse nacional, que não possa sacrificar o interesse nacional ao interesse de outros. É impor ao Governo que, antes das dívidas e dos juros negociados para beneficiar os credores, sejam assegurados os pagamentos dos salários, das pensões, das funções sociais do Estado.

Trata-se de hierarquizar e de priorizar as principais tarefas do Estado e permitir que o Governo negoceie, nesses termos, a dívida pública.

Sr.ª Secretária de Estado do Tesouro, Srs. Deputados, toda a argumentação do Governo sobre o sucesso desta operação e sobre o sucesso das suas políticas assentou, única e exclusivamente, em dois pilares: a normalidade da operação e a defesa do interesse nacional.

Sobre a defesa do interesse nacional, Sr.ª Secretaria de Estado, há que perguntar: de quem? Trata-se de defender o interesse nacional dos banqueiros, dos especuladores? Ou o interesse dos trabalhadores e dos portugueses? É que não são interesses iguais: quando uns pagam os outros recebem, e esse é um interesse suficientemente antagónico para não podermos pôr tudo no mesmo saco.

Quanto à normalidade, está explicado como é que o País chegou até aqui, porque há governos que acham que é normal contrair dívida, fazê-la rolar para depois, pagando mais juros, fazendo fretes aos grupos económicos e aos banqueiros.

E é precisamente por força de nos virem aqui dizer que é normal que mais urge acabar com essa normalidade. É urgente acabar com essas políticas que já vão considerando normal a ofensa direta ao interesse nacional, e isso será garantido pela rejeição do pacto de agressão e, quanto antes, pela demissão deste Governo.

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