Intervenção de João Pimenta Lopes, Membro do Comité Central, Seminário «O papel da produção nacional na promoção do desenvolvimento do país - Os impactos das políticas da União Europeia»

A «governação económica» da União Europeia e o quadro de constrangimentos imposto à produção e ao desenvolvimento nacionais. A política necessária

A «governação económica» da União Europeia e o quadro de constrangimentos imposto à produção e ao desenvolvimento nacionais. A política necessária

A chamada “Governação Económica” da União Europeia enforma-se numa intrincada trama de instrumentos de condicionalidade: dos Critérios de Maastricht ao Pacto de Estabilidade e Crescimento; do Tratado de Lisboa ao Tratado Orçamental; sem esquecer a União Económica e Monetária, com o Semestre Europeu, as suas recomendações específicas por país e os chamados programas nacionais de reformas. Toda esta trama representou uma significativa perda de instrumentos de política económica e um ataque à soberania nacional.

Um amplo conjunto de mecanismos e instrumentos que incidem sobre praticamente todas as esferas da vida dos Estados e através dos quais as instituições europeias procuram condicionar e ditar mais do que a política orçamental dos Estados-membros. Mecanismos e instrumentos que impõem os interesses e a vontade do grande capital económico e financeiro e das principais potências da UE, ante a chantagem e ameaça de sanções, levando a um afastamento progressivo do projecto de desenvolvimento socioeconómico consagrado na Constituição da República Portuguesa.

Mecanismos e instrumentos que constituem, como diria Merkel, a garantia de que mudando governos, não se mudam as políticas. Enfim, um quadro de constrangimento que se pretende absoluto à afirmação de qualquer projecto de desenvolvimento soberano e que, nessa medida, questiona a própria democracia.

Uma trama que condiciona, de forma aparentemente uniforme, o desenho das políticas públicas em diversas dimensões, restringindo o investimento público, condicionando directa ou indirectamente a capacidade produtiva, à margem da vontade e necessidades dos povos, aumentando níveis de dependência e a divergência entre Estados.

Um conjunto de imposições de natureza neoliberal, que são suporte de políticas de direita na generalidade dos países e que são indissociáveis do crescimento das desigualdades e das injustiças sociais, do aumento da exploração, do ataque às funções sociais dos Estados e aos serviços públicos, das privatizações, do aumento das desigualdades entre países, da destruição de capacidade produtiva e de emprego, com especial incidência nos países da periferia.

Constrangimentos que tanto mais afectam cada país quanto mais atrasadas ou debilitadas são as suas economias, situação agravada em países, como Portugal, que deixou de dispor de moeda própria, passando a ter uma moeda desadequada da sua estrutura produtiva.

Mas que não deixam de salvaguardar os interesses do directório de potências da União Europeia por via dos critérios da dívida, do défice e dos procedimentos por défices excessivos.

Os desenvolvimentos recentes, confirmam o papel cada vez mais instrumental e de condicionamento da acção dos Estados e da sua soberania que o próprio orçamento da União Europeia adquire.
A utilização de verbas pelos Estados está sujeita a condicionamentos cada vez mais fortes, não apenas económicos e financeiros, mas também políticos, subordinada não ao interesse nacional, mas ao quadro de orientações políticas e ideológicas determinado pela União Europeia.

Assim se procuram impor opções de investimento e ditas “reformas estruturais”, a pretexto, entre outros, do aprofundamento do sacrossanto mercado único ou das chamadas “transições ecológica e digital”, servindo simultaneamente os interesses dos países do centro, para onde fluem uma boa parte desses fundos dos países da periferia que passaram crescentemente a adquirir bens e serviços, tantos mais quanto os seus próprios sistemas produtivos, mais débeis, foram sendo sacrificados no altar da “livre” concorrência capitalista no mercado único.

A resposta necessária para que o país possa superar os graves défices estruturais e de investimento com que se confronta exige um programa de desenvolvimento, que não seja determinado pelos critérios e agenda escolhidos e orientados pelas grandes potências da União Europeia.

Requer a mobilização de todos os recursos disponíveis – do Orçamento do Estado aos fundos comunitários ou a outras formas de financiamento – subordinada a uma estratégia de desenvolvimento soberano, que rejeite espartilhos contrários ao desenvolvimento do País e que reoriente a economia nacional para uma política de substituição de importações por produção nacional.

Exige o alinhamento das opções de investimento no plano nacional com as reais necessidades do povo português e do País, rejeitando qualquer condicionalidade económica e política que interfira em decisões soberanas dos Estados.

Exige que a mobilização daquelas verbas seja orientada para a defesa e promoção da produção nacional, a resposta a atrasos no plano das infraestruturas e equipamentos, a recuperação para o sector público dos sectores básicos e estratégicos da economia, a garantia de uma administração e serviços públicos ao serviço do povo e do país, do desenvolvimento soberano de Portugal.

Requer uma política que assegure a valorização do trabalho e dos trabalhadores, dos salários e das reformas, o combate à precariedade, a concretização do objectivo do pleno emprego como elementos centrais da dinamização do mercado interno e do desenvolvimento nacional. Orientações, em grande medida, antagónicas àquelas que a UE pretende impor por via, por exemplo, das ditas “recomendações por país”, cujo não acatamento pode acarretar sanções.

O caminho a seguir exige, por tudo isto, a libertação do País do espartilho de constrangimentos que consagram a “governação económica”, desde logo a revogação do Pacto de Estabilidade e Crescimento, do Semestre Europeu, do Tratado Orçamental e de todos os mecanismos que constrangem e condicionam a margem de manobra dos Estados na definição e implementação das suas estratégias de desenvolvimento soberano. Bem como a recuperação de imprescindíveis instrumentos de soberania, designadamente no plano económico e monetário.

Só a afirmação de uma política soberana, que faça prevalecer os interesses dos trabalhadores e do povo português sobre as imposições e constrangimentos que emanam da UE, pode responder adequadamente às necessidades com que o país se confronta.

A luta por um Portugal com futuro, que combata os elevados níveis de dependência económica e a subordinação política daí resultante, que combata as imposições e constrangimentos da União Europeia; que responda adequadamente às necessidades com que o país se confronta e em que prevaleçam os interesses dos trabalhadores e do povo português, só é possível no quadro da afirmação da defesa do direito a produzir e da defesa da soberania nacional em todas as suas dimensões.

É por esse País que a Constituição consagra que continuaremos a lutar.

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