Intervenção de Paula Santos na Assembleia de República, Reunião Plenária

Foi opção do Governo e do PS deixar mais de 100 estruturas culturais sem apoios

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Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados,

Ainda são provisórios, é certo, porém os resultados no âmbito dos concursos de apoios sustentados às Artes 2023/2026, revelam a profunda desvalorização do Governo pela cultura no nosso País, colocando em causa o princípio constitucional da democratização cultural e da livre fruição e criação culturais. 

Mais de 100 estruturas culturais de norte a sul do País ficaram de fora dos apoios nos próximos anos, a sua esmagadora maioria na modalidade bienal. 

Ficaram de fora, não porque não cumprissem os critérios estabelecidos nos concursos. Ficaram de fora por falta de dotação orçamental. Isto é, apesar de as candidaturas terem avaliação positiva e terem sido consideradas elegíveis, não tiveram qualquer tipo de apoio, o que revela a insuficiência das verbas alocadas ao apoio às artes.

Para além orçamento atribuído ao apoio às artes estar aquém do que é necessário, como comprovam os resultados destes concursos, estes ficaram também marcados pela discricionariedade das decisões.

Apesar do reforço orçamental anunciado pelo Governo, este foi aplicado de forma discriminatória, tendo sido dirigido sobretudo para a modalidade quadrienal, introduzindo maior disparidade entre esta modalidade e a bienal. Este anúncio é feito numa fase posterior à apresentação das candidaturas. Se tivesse sido conhecido antes, talvez a opção de candidatura das estruturas tivesse sido diferente.
Na modalidade bienal, na dança só estão propostas para apoio 8 das 20 candidaturas elegíveis; na música e ópera só estão propostas para apoio 7 das 15 candidaturas elegíveis; no cruzamento disciplinar, circo e artes de rua 11 das 17 das candidaturas elegíveis; nas artes visuais 8 das 29 candidaturas elegíveis, no teatro 23 das 42 candidaturas elegíveis; e na programação 13 das 46 candidaturas elegíveis.

Estruturas culturais, como a Seiva Trupe, no Porto, ou A Barraca em Lisboa, com um trabalho de décadas amplamente reconhecido, que asseguram um verdadeiro serviço público, foram excluídas dos apoios. Assim como foram excluídas dos apoios a Acta – Companhia de Teatro do Algarve, a Associação Lendias d’Encantar, no Alentejo, a Filandorra- Teatro do Nordeste, em Vila Real, a Jangada Teatro, na Lousada, o Teatro de Animação de Setúbal, o Teatro do Interior, na Lousã e muitas outras. As exclusões dos apoios incluem entidades de diversas áreas artísticas, como os Artistas de Gaia – Cooperativa Cultural, nas artes visuais, na dança, a Companhia Portuguesa de Bailado Contemporâneo, o CEM – Centro em Movimento nos cruzamentos disciplinares, a Associação dos Amigos do Tocá Rufar na vertente da programação.

A confirmarem-se estes resultados, só agravarão a situação dramática e insustentável em que se encontram muitas estruturas de criação cultural. Muitas poderão nem sequer reunir as condições para manter o desenvolvimento do trabalho artístico e cultural, com tudo o que isso significa na fragilização da atividade cultural, no aumento do desemprego de muitos trabalhadores da cultura e contribui para o aprofundamento de desigualdades e assimetrias regionais, podendo levar ao desaparecimento da atividade cultural que ainda resistia em várias regiões e que em muitos casos é o que assegura o acesso à cultura junto de populações de muitas vilas e aldeias pelo País. 

Em comunicado, a Seiva Trupe, que completa 50 anos em setembro de 2023, dá conta, na sequência da exclusão dos apoios sustentados da DG Artes, que decidiu suspender a atividade a 1 de janeiro de 2023. 

Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados,

Tudo isto podia ter sido evitado se as propostas avançadas pelo PCP no Orçamento do Estado para 2023 tivessem sido aprovadas. Propusemos que a verba para o apoio às artes fosse no valor de cerca de 86 milhões de euros. Com este montante estava assegurado o apoio a todas as estruturas de criação artística elegíveis no ano de 2023. Não foi essa a opção do Governo e do PS, nem dos partidos à sua direita. Mas mais uma vez, PS, acompanhado do PSD, IL e CH impediram a aprovação desta proposta, sendo responsáveis pela difícil situação de muitas estruturas culturais. São responsáveis pelo insuficiente orçamento para o apoio às artes, são responsáveis pela promoção da precariedade e pela desvalorização do trabalho e dos trabalhadores da cultura, são responsáveis pela redução da atividade cultural e artística no País.

Perante o desastre dos resultados dos concursos, que tem levado à sua contestação por dezenas e dezenas de estruturas e por muitos e muitos trabalhadores da cultura, o Ministro da Cultura insiste em não corrigir os erros, nem reforçar as verbas para o apoio às artes, o que é bem revelador das opções políticas do Governo, de desinvestimento e de menosprezo pela criação artística.

Cabe ao Governo apoiar, promover, dinamizar, criar as condições para a livre fruição e criação artística e o desenvolvimento da atividade cultural em todo o território, mas a sua ação contrasta com este desígnio.

O que se exige é que o Governo tome as medidas para corrigir os resultados dos concursos, assegurar o adequado financiamento aos apoios às artes, reforçar as verbas no âmbito do Programa de Apoio Sustentado às Artes 2023/2026 e assegurar que nenhuma estrutura cultural e artística elegível e que cumpra os critérios estabelecidos pelos concursos fica sem o devido apoio.

O que estes resultados demonstram também é a profunda desadequação do modelo de apoio às artes. As alterações introduzidas não resolveram os problemas de fundo. Importa por isso considerar um modelo de apoio não concursal, que garanta o apoio a todas as estruturas artísticas e culturais, considerando o seu projeto e plano de atividades e que potencie em todo o território a dinamização e o desenvolvimento cultural. 

Revelam ainda a necessidade de romper com um caminho que entende a cultura como uma mercadoria e um instrumento de domínio ideológico, e de criar um Serviço Público de Cultura, que assegure a liberdade e a diversidade da criação artística, a valorização e o reforço dos direitos dos trabalhadores culturais, a salvaguarda do património cultural e uma efetiva democratização no acesso à cultura, enquanto fator de emancipação de todo o povo.

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